O furor das retroescavadeiras em mais uma derrota de uma guerra perdida em Campos
Edmundo Siqueira 22/01/2024 21:54 - Atualizado em 22/01/2024 22:04
Foto: Manuela Hentzy
Para quem acompanha a questão patrimonial de Campos, a queda de mais uma casa, prédio ou solar não é uma novidade. Sempre é doloroso, para os que valorizam a história e a cultura, mas não é exatamente uma surpresa; estão quase todos os patrimônios desmoronando a olhos nus.


Mas o descaso sempre me impressiona. Nos comentários de redes sociais em postagens que trazem imagens de patrimônios emblemáticos em escombros, invariavelmente se encontra quem comemore, ou se diga aliviado por uma “casa velha” ir ao chão. Mesmo que não tenha qualquer relação econômica com o imóvel. Isso é ainda um mistério a ser desvendado em uma cidade com tanta história como Campos.

Na madrugada desta segunda-feira (22), parte da fachada de um imóvel ruiu no cruzamento das ruas Marechal Deodoro e Saldanha Marinho, no centro da cidade. Não houve registro de feridos (Folha1). A casa abrigou por anos a antiga Empresa Municipal de Trânsito (Emut) e já havia sido sondada para sediar a Fundação Cultural Jornalista Oswaldo Lima (FCJOL). Havia projeto pronto para o local. 

A questão ali não era um tombamento onde o poder público limita a propriedade de um particular, por ter em sua posse um imóvel de alto valor histórico — esse instrumento pode e deve ser discutido, e há saídas justas para quem tenha um imóvel tombado. A casa pertencia à prefeitura, e foi deixada à própria sorte, vista como um problema e não como um ativo.
Em maio de 2023, o imóvel chegou a ser cedido por 20 anos ao Lions Clube de Campos, após projeto de lei aprovado pela Câmara de Vereadores.

Sem política pública cultural e preservacionista - A casa que ruiu nesta segunda é apenas mais um exemplo do descaso do campista com sua própria história. No caso do poder público e das instituições de proteção ao patrimônio, mais um exemplo de omissão e de incompetência.
Ignora-se os tombamentos feitos por lei e quase comemora-se quando eles perdem a utilidade pela destruição do tempo, ou por ação de mãos inescrupulosas.

A casa era de responsabilidade da prefeitura, a cessão para o Lions foi apenas um detalhe na tragédia anunciada por anos. O imóvel vinha sendo objeto de solicitações de reforma e escoramento, a Folha publicou várias matérias que alertavam para o risco que a casa trazia aos pedestres e sobre a falta de cuidado com o patrimônio histórico.
Mas, nada foi feito.

Seja por especulação imobiliária (a casa é localizada em área nobre da cidade), seja por omissão ou por falta de ação e mobilização da sociedade civil, o que a queda da fachada e a rápida demolição mostram é que não há em Campos política pública preservacionista.
Cidades como Paraty e Petrópolis — para ficar em exemplos fluminenses —  têm parte significativa de seus orçamentos atrelados aos patrimônios históricos que possuem.

O furor das retroescavadeiras campistas aguarda apenas que o descaso permita sua rápida ação. Exemplos não faltam na história recente da cidade. De escombro a escombro, a alma do município vai se enterrando.
Vale lembrar: retroescavadeiras esperam ansiosamente que o descaso e a ignorância do campista com sua própria história derrubem o que sobrou do Solar dos Airizes. Para o alívio de muitos.
 

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