Crítica de cinema - A moral e o tempo
- Atualizado em 22/02/2019 20:16
(A Mula) - A primeira reação que tive ao ver Clint Eastwood (Os imperdoáveis) na tela foi um susto, devido a sua aparente fragilidade, decorrente de sua idade. Se trata de um senhor de 88 anos e por mais que eu acompanhe sua carreira, foi impactante. Porém, em pouco tempo a sensação passou e saía de cena Eastwood e entrava Earl Stone, personagem um pouco diferente do que Eastwood costuma interpretar. Aquela fragilidade, por mais que ela possa (e deva) ser real, passou a fazer parte da caracterização de Eastwood, um ponto importante para o funcionamento da trama.
Divulgação
Earl Stone (Clint Eastwood) é um florista, veterano de guerra que dedicou toda sua vida ao trabalho e perdeu tudo ao não se modernizar e ver seus concorrentes se adaptarem aos novos tempos. Agora um senhor de noventa anos, ele se vê sem nada e sem um bom relacionamento com a família (com exceção de sua neta) que ele renegou em função do trabalho. Um dia, uma oportunidade bate sua porta e ele começa a transportar drogas entre os Estados, se tornando a principal mula de um grande cartel mexicano que opera dentro dos Estados Unidos.
Baseado em um artigo do New York Times, “A mula” traz uma temática que parece interessar Eastwood, são vários os seus filmes nesse estilo, o drama do cidadão americano comum em meio a uma situação absurda. O cineasta divide seu cinema entre abordar seus “heróis” americanos e algumas histórias mais pé no chão, dramas urbanos.
O filme trabalha duas linhas simultâneas, acompanhamos Earl começando a trabalhar pro cartel, ganhando muito dinheiro e com ele começando a resolver os problemas de sua vida, como uma forma de compensar todo o tempo perdido, em paralelo, acompanhamos a investigação de uma dupla de agentes da narcóticos, interpretados por Bradley Cooper e Michael Pena, que apesar das boas atuações, funciona apenas como respiro na trama principal, acrescentando pouco a trama e tornando tudo muito previsível.
A jornada de Earl como Mula é interessante pela situação em si, um senhor nonagenário traficando drogas de maneira insuspeita pelo interior do país e o roteiro trabalha seu protagonista desde a rápida introdução como um sujeito boa praça, que não se nega a pagar rodadas de cerveja até para desconhecidos em bares, então as características do personagem são inerentes a ele, não surgem quando ele passa a ganhar muito dinheiro, dando uma dimensão interessante ao protagonista, que entende o dinheiro como uma maneira de ser querido pelas pessoas.
Cinema
Cinema
O tom leve e bem humorado com que Earl é retratado dá uma leveza interessante, afinal estamos acompanhando um personagem de atitudes e moral condenável, mas o filme faz com que o espectador simpatize com ele, muito pela abordagem do texto, mas principalmente pelo carisma de Eastwood. A forma como Earl leva as viagens também influencia nesse aspecto. Sempre com boa música, bem humorado, fica a sensação que para Earl, ele ainda transporta as flores em seu bagageiro, é a oportunidade de ter de volta e por uma quantidade enorme de dinheiro, o prazer de toda uma vida.
Alguns temas secundários engrandecem o personagem, como sua relação com a família e seus amigos, o peso de ter abdicado da família e as consequências disso acabam funcionando como motivador, mas o roteiro escrito pelo estreante Dam Dolnick (autor da matéria usada como base) não passa a mão na cabeça do protagonista, ele sabe da natureza de suas viagens, ele simplesmente parece não se importar e um diálogo interessante no terceiro ato entre Earl e o agente interpretado por Cooper confirma isso.
O terceiro ato é justamente o momento mais previsível do longa, onde o protagonista consegue sua redenção familiar e a forma como tudo acaba é meio inevitável. Apesar de todos os problemas, Earl aceita as consequências de seus atos e a cena final mostra que mesmo preso (provavelmente para sempre), o protagonista consegue reencontrar pequenos prazeres. É um personagem muito interessante e se este trabalho for realmente o derradeiro da carreira de Clint Eastwood, fica a certeza de um final digno de uma carreira tão rica prolífica.

ÚLTIMAS NOTÍCIAS