Crítica de cinema - Não nos representa
- Atualizado em 23/11/2018 18:13
Divulgação
(O grande circo místico) -
“O grande circo místico” é um famoso poema do alagoano Jorge de Lima que em 1983 ganhou maior projeção com um musical de extremo sucesso. A centenária história de ascensão e queda da família Knieps, agora ganha as telas do cinema sobre o comando do consagrado diretor Carlos Diegues (Bye,Bye,Brasil), que retorna a ficção 12 anos após seu último filme.
Somados à seleção para representar o país na disputa do Oscar, esses elementos reunidos criaram uma certa expectativa que desmorona já no primeiro ato de um longa que conta com um grande elenco, mas apresenta poucas virtudes.
O longa narra 100 anos da família Knieps e de seu circo místico. Passando pela criação do circo, obra do amor entre um aristocrata e uma dançarina, pelas diferentes gerações que mantêm a tradição do circo, mas estão presas em um ciclo de violência, tragédia e decadência.
Dividindo o longa em cinco partes, que englobam diferentes gerações dentro desse tempo, o roteiro escrito pelo diretor junto ao roteirista George Moura é um desastre. O conceito de dividir o longa em capítulos (eles têm até título) quebra o ritmo da projeção e esse didatismo demonstra a falta de confiança do realizador em seu público.
Praticamente todos os personagens do filme são triviais, não há a menor preocupação em criar uma relação do público com qualquer um deles. Os saltos temporais também dão pouco tempo de tela para a maioria dos personagens, intensificando essa falta de empatia. Os dramas são apresentados, geralmente de forma confusa e o espectador vai ficando indiferente a personagens tão mal construídos.
Apesar de toda a história se passar ao redor do picadeiro, a verdade é que o circo funciona como mero pano de fundo. Essa trama poderia ser contada em qualquer ambiente, dentro dessa dinâmica de tradição familiar, não faria muita diferença. Até mesmo o lirismo que um ambiente mágico como do circo poderia trazer à obra, é abandonada muito cedo, não acompanha a decadência do circo, voltando apenas no último ato de forma inacreditável (no pior sentido da palavra).
O único personagem que mantém essa magia por toda a extensão do filme (talvez por isso, seja o personagem mais interessante) é o apresentador Celavie, interpretado por Jesuíta Barbosa com grande sensibilidade e humor. Outro personagem que consegue criar algum fascínio é Beatriz, a musa do circo interpretada por Bruna Linzmeyer com grande intensidade, apesar do pouco tempo de tela, a atriz domina suas cenas, tornando crível o fascínio por sua beleza, que leva a criação do circo. Já Juliano Cazarré (um ator do qual gosto muito e que vem se destacando no cinema nacional) e o competente ator francês Vincent Cassel são sabotados pelo roteiros com personagens insossos, que apesar de importantes dentro da narrativa, são bem esquecíveis.
Os grandes destaques do filme, certamente são seu design de produção e sua trilha sonora. A construção daquele universo do circo e a transição mostrando a decadência não só dos personagens, mas também daquele estilo de arte, impressiona. Esse tema da decadência do circo nos dias atuais, poderia ser um elemento melhor explorado pelo filme, que até aborda, mas não se aprofunda nessa questão. A trilha sonora era jogo ganho, utilizando algumas canções do álbum de mesmo nome composto por Chico Buarque e Edu Lobo para o musical da década de 80, elas funcionam, mas são prejudicadas por números musicais burocráticos.
Certamente o elemento mais problemático do projeto, é a forma como ele retrata as mulheres e a relação delas com o sexo (chegando ao ponto de uma personagem morrer ao atingir o orgasmo). Com exceção de Beatriz, todas as mulheres da família são tratadas como objetos que os homens usam quando querem. Abordar o machismo que se perpetua é uma coisa, mas o longa promove com certa naturalidade a continuidade da família principalmente através de estupros e relações incestuosas. A personagem Margarete (interpretada por Mariana Ximenes) é a única que se revolta contra eles, abraçando a religião (aparentemente como forma de se manter longe dos homens) e se vingando em um determinado ponto.
Essas atitudes são simplesmente jogadas no lixo em um clímax constrangedor, em que Margarete toma decisões absurdas, que não fazem o menor sentido e levam a uma cena final que busca resgatar a magia do circo, mas é vergonhosa.
A seleção do longa de Carlos Diegues para representar o Brasil na briga pelo prêmio mais cobiçado do cinema, demonstra como essa escolha é um decisão política, definida por critérios que passam longe das qualidades artísticas.
“O grande circo místico” é um filme que simplesmente não pode representar o cinema brasileiro.

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