Brasil entre Lula e Bolsonaro?
Aluysio Abreu Barbosa 21/10/2017 18:33 - Atualizado em 26/10/2017 19:14
Divulgação
“É interessante que os jornalistas americanos tenham subestimado Donald Trump. O que me perguntam frequentemente é se o público ou a mídia deveriam levar a sério candidatos bizarros como ele. Minha resposta é: sim, nós temos que levar essas pessoas a sério”. Foi o que advertiu o jornalista Ryan Lizza, correspondente em Washington da conceituada revista “New Yorker”, que esteve durante a semana no Rio para uma palestra.
Levada a sério a última pesquisa DataFolha sobre a disputa à presidência do Brasil em 2018, feita entre 27 e 28 de setembro, com 2.772 pessoas, em 194 cidades do país, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) é apresentado como candidato em três situações de primeiro turno. E, vence em todas, chegando ao máximo de 36% das intenções de voto.
A vitória de Lula seria confirmada nas quatro simulações de segundo turno com seu nome. Nestas, dentro da margem de erro de dois pontos percentuais para mais ou menos, o líder petista só ficaria em empate técnico (44% a 42%) contra o juiz federal Sérgio Moro, que não é filiado a nenhum partido e já disse reiteradas vezes que não participará da eleição.
O fato do nome de Moro estar na consulta, deixa dúvida da intenção. Outra dúvida, muito mais importante, é matemática. Segundo o Datafolha, 54% dos brasileiros acham que Lula merece ser preso pelos crimes pelos quais já foi condenado, em julho, pelo próprio Moro, ou por aqueles em que é réu em outras cinco ações penais. Da aritmética dos processos à da pesquisa, a contraposição dos seus números sugere uma questão surreal: 15% dos brasileiros pretendem que seu próximo presidente governe da cadeia?
Caso contrário, os 54% do eleitorado que querem Lula preso parecem remeter aos 44% (10 pontos percentuais a menos) da rejeição de Anthony Garotinho (PR), quando este tentou retornar ao Palácio Guanabara em 2014. Foram estes números que, no voto, barraram o ex-governador do segundo turno, dando início à sua derrocada política e financeira de Campos.
Entre prós e contras eleitorais, a primeira ameaça à pré-candidatura de Lula é jurídica. Ele foi sentenciado por Moro a nove anos e meio de prisão, pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro, no caso do triplex no Guarujá. Como a Lei do Ficha Limpa exige condenação colegiada, a elegibilidade (ou não) do ex-presidente será definida pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF 4), que deu previsão de julgar o caso até agosto.
Presidente do TRF 4, o desembargador Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz já declarou que a sentença de Moro “é tecnicamente irrepreensível, fez exame minucioso e irretocável da prova dos autos e vai entrar para a história do Brasil”. Por mais que ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) como Gilmar Mendes, Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski e Marco Aurélio Mello sejam conhecidos pela capacidade de surpreender, a situação jurídica do ex-presidente parece difícil.
Ciro Gomes
Ciro Gomes
Ciente da gravidade da situação, o presidenciável alternativo da esquerda Ciro Gomes (PDT), ministro de Lula entre 2003 e 2006, desde o mês passado já não se furtava em atacar publicamente o ex-presidente e a versão petista dos fatos:
— Não é possível insultar a inteligência do povo brasileiro e manter essa narrativa (de perseguição política). Nós estamos ferindo de morte a narrativa central de que ainda dava a nós alguma respeitabilidade na opinião pública progressista brasileira, que é a ideia de que o Brasil está sob um golpe de estado. Como é que eu posso então assistir o Lula abraçado com Renan Calheiros (PMDB/AL), que era senador e votou pelo impeachment?
De volta à pesquisa Datafolha, ela apontou também a desidratação da pré-candidatura presidencial do prefeito paulistano João Dória (por enquanto, PSDB). Ele já sofre críticas administrativas, não apenas da esquerda, pelos 10 primeiros meses de governo. Sua volatilidade ao sabor das redes sociais e, sobretudo, sua aproximação com o presidente Michel Temer (PMDB) — que tem 3% de aprovação popular, segundo pesquisa Ibope/CNI de setembro —, igualaram Dória ao ex-padrinho e governador paulista Geraldo Alckmin (PSDB).
Nos cenários da consulta Datafolha contra Lula, os dois tucanos não passam dos 8% das intenções de voto no primeiro turno.
Marina Silva
Marina Silva
Melhor, a ambientalista Marina Silva (Rede) apareceu em terceiro nas duas simulações Datafolha com Lula. Sem ele, ela chegou a liderar no cenário com a opção petista mais provável: o ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad.
Mas Marina parece ter perdido sua melhor chance no primeiro turno da eleição presidencial de 2014, quando chegou a pontear a corrida. E confirmou sua criticada fragilidade após ser imprensada na cerca pelos dois candidatos que romperam na reta do segundo turno: a ex-presidente Dilma Rousseff (PT) e o senador Aécio Neves (PSDB).
Diante à incerteza jurídica da candidatura de Lula, à ausência de Marina nos principais debates nacionais, aos rompantes de desequilíbrio de Ciro, ao PSDB e PMDB reduzidos a fiadores da aliança entre Aécio e Temer para fugir da Lava Jato, o centro busca um nome. Quem poderia ser o Emmanuel Macron, presidente francês eleito em maio último, em versão tupiniquim? A 11 meses das urnas brasileiras de 7 de outubro de 2018, só terá chance quem já for conhecido nacionalmente. Isto, somado ao desgaste do establishment político, faz com que se cogite nomes como Joaquim Barbosa e até Luciano Huck.
Figura de proa no julgamento do Mensalão — que Moro admitiu ter inspirado a Lava Jato e toda a magistratura brasileira —, depois dele Barbosa saiu do STF por motivos ainda misteriosos. Sobre 2018, já deixou abriu e negou a possibilidade. Ele seria o candidato a vice dos sonhos de Marina, que busca alguém do Judiciário para compor sua chapa. E teve o nome aventado até no PT, do qual já foi considerado algoz.
Luciano Hulk
Luciano Hulk
Já Luciano Huck tem mantido conversas com o DEM. Entretanto, por mais popular que seja o apresentador de TV, custa crer que a política nacional tenha regredido ao ponto de ter uma metáfora do Brasil como “Lata Velha” na próxima campanha presidencial.
Enquanto a esquerda e o centro se dividem em dúvidas, a direita acena com as assertivas do polêmico deputado federal Jair Bolsonaro (PSC). A direção foi sinalizada ao mundo na placa da eleição do empresário Donald Trump à presidência dos EUA, em novembro de 2016. E, mesmo na Alemanha, o partido de extrema direita AfD ficou em terceiro nas eleições legislativas de setembro deste ano, com 12,9% do eleitorado.
É a primeira vez que o discurso de xenofobia nacionalista ocupa cadeiras no Parlamento alemão, desde a derrocada do nazismo em 1945, ao final da II Guerra Mundial.
A cartilha anti-imigração de Trump e do alemão AfD já é pregada no Brasil por Bolsonaro, cujos pais eram de ascendência italiana. Em visita recente aos EUA, ele reconheceu em Boston, a emigrantes brasileiros: “O Trump serve de exemplo para mim”. Na verdade, segundo seus aliados, a viagem foi uma tentativa de desfazer junto aos investidores internacionais sua imagem de estatista, associada à Ditadura Militar (1964/85) brasileira, que o ex-capitão do Exército defende e nega ter existido.
Bolsonaro
Bolsonaro
No esforço de parecer economicamente liberal ao capital internacional, durante entrevista à agência Bloomberg, em Nova York, Bolsonaro admitiu privatizar a Petrobras — “menos para a China”, principal parceiro comercial do Brasil. Novo defensor do estado mínimo, o pré-candidato quer deixar para trás aquele jovem deputado federal de 44 anos que, em 28 de dezembro de 1999, declarou a militares que o então presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) merecia “pena de fuzilamento” pelas privatizações do seu governo.
Antes do tour pelos EUA, na pesquisa Datafolha do final de setembro, Bolsonaro só ficou atrás de Lula, embora em empate técnico com Marina. Quando Haddad é colocado como candidato petista, o ex-capitão é ultrapassado pela líder ambientalista na liderança, mas também no empate dentro na margem de erro.
Marco da vitória de Barack Obama à presidência dos EUA, em 2008, a prevalência das redes sociais sobre a TV ameaça acontecer pela primeira vez, uma década depois, numa eleição presidencial do Brasil. E esta tem sido, até aqui, a grande vantagem de Bolsonaro sobre os demais postulantes ao Palácio do Planalto: o uso massivo e competente das redes sociais.
Quem duvida da sua força para outubro de 2018, teve uma prévia em setembro deste ano, com o cancelamento da exposição do “Queermuseu” pelo Santander, em Porto Alegre, após pressão popular. A polêmica seguiu com os protestos diante ao Museu de Arte Moderna (MAM) de São Paulo, após uma mãe deixar a filha de 5 anos tocar um homem adulto nu, numa performance artística.
Viralizada nas redes sociais por grupos como MBL e seguidores do filósofo Olavo de Carvalho, a discussão não se ateve à necessidade de observância do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). E avançou para a condenação moral e religiosa das questões de gênero, além da própria conceituação de arte por gente pouco capacitada a fazê-lo, numa cruzada virtual contra a classe artística brasileira.
É uma agenda que nenhum presidenciável, além de Bolsonaro, teria coragem de assumir.
A vantagem nesse novo flanco virtual, mas de importância real na estratégia da campanha de 2018, é reflexo do eleitorado. Diretor do Datafolha, Mauro Paulino destacou ao El País que 60% dos que declaram intenção de voto em Bolsonaro têm entre 16 e 33 anos.
Nascidos após a Ditadura, esses jovens não viveram a hiperinflação legada por ela, nem a estabilização econômica por FHC, mas lembram da corrupção sistêmica dos governos lulopetistas. Tanto na idade inferior, como no nível de escolaridade e renda familiar mais altos, são opostos ao eleitor padrão de Lula. Mas enquanto este tem seu reduto nas regiões Nordeste e Norte, que relativiza a corrupção e é saudoso da prosperidade do primeiro governo do ex-metalúrgico, os simpatizantes do pré-candidato da direita são pulverizados pelo país.
Enquanto o centro não apresenta seu nome, ou comete a estupidez eleitoral de multiplicá-lo, o “nós contra eles” que passou a dividir o Brasil, nos 13 anos do PT no poder, parece ter encontrado gente disposta a jogar o mesmo jogo — dentro de regras de devoção acrítica e maniqueísmo semelhantes por oposição. E foi tratar Bolsonaro como bufão que o promoveu, de rival do deputado federal Jean Wyllys (Psol), para surgir hoje como sério opositor do político mais popular do Brasil, desde Getúlio Vargas (1882/1954).
Quem não seguir o conselho da imprensa dos EUA, nem que seja a revelação do segredo do cadeado após a porta arrombada por Trump, corre o mesmo risco.

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