Esperança para voltar às terras
Daniela Abreu 18/02/2017 23:29 - Atualizado em 21/02/2017 16:06
Em 2009, o empreendimento do Porto do Açu começou a ser construído no litoral de São João da Barra e trouxe consigo o progresso irrefreável, alterando paisagens e vidas de quem, por gerações, vivia no local. Para criar espaço para o projeto, o Governo do Estado, à época comandado por Sérgio Cabral, desapropriou, segundo o jornalista Fernando Gabeira, em seu programa veiculado na Globo News no último dia 12, 90.000 km² de terras. A área, que seria avaliada em R$ 1,2 bilhão, teria sido vendida por R$ 37 milhões dos quais o Estado teria recebido R$ 5 milhões. No impasse pela terra, segundo dados dos próprios produtores rurais do 5º distrito de SJB, cerca de 30% das 1500 famílias teriam recebido 80% do valor referente à terra desapropriada. As demais não receberam nada, no entanto nem todos saíram de suas posses. A prisão do ex-governador e do empresário Eike Batista reacendeu, nos corações dos agricultores, a esperança de que a Justiça analise os processos, que correm sob sigilo no Ministério Público Federal, e anule as desapropriações.
Reginaldo Toledo, produtor rural que mora no Açu, é um dos que espera a anulação das desapropriações. Ele vive em uma rua onde tem como vizinhos seus pais e seus sete irmãos. Porém, no passado, a família possuía terras, herdadas há gerações, que eram utilizadas para o plantio de mercadorias. Os lotes foram desapropriados e desde então eles têm que arrendar outras terras, onde plantam e criam animais. “Antes a gente plantava tudo junto na terra que meu pai ganhou do pai dele, mas era longe da nossa casa e um dia eles arrancaram a cerca e disseram que a gente não podia mais entrar. Não recebeu nada até hoje, mas ainda pagamos os impostos de lá”.
Michelle Richa
Agricultora Noêmia Magalhães / Michelle Richa
Noêmia Magalhães deixou o magistério para viver a paz do campo, onde se tornou agricultora. Há mais de 20 anos comprou uma pequena área no Açu e, onde antes havia somente duas árvores, construiu com seu marido o Sítio do Birica, onde as árvores têm os nomes dos filhos e netos do casal e de onde eles retiram seu sustento. Diferente de Reginaldo, que foi pego de surpresa, ela disse que desconfiou das promessas e não se permitiu seduzir pelas propostas.
— A gente ansiava que o Porto fosse chegar porque a gente sempre soube que o progresso traz estradas melhores, que as pessoas conseguem vender melhor seu produto e são mais valorizadas. Eles conseguiram nos convencer de que realmente seria muito bom, mas mesmo assim ficamos desconfiados — contou Noêmia ao acrescentar que espera que a Justiça esteja do lado deles.
Produtores vivem em lotes na Vila da Terra
Segundo Noêmia, parte das famílias que negociaram seus territórios foram levadas para a Vila da Terra. Dividida em lotes com até dois hectares, a comunidade deveria abrigar pequenos produtores que teriam incentivo para continuarem suas produções. O espaço seria dotado de serviços públicos como creches, escolas, posto de saúde, centro comercial e comunitário. Atualmente, seis anos após a entrega, poucas pessoas produzem e o local não tem nada da estrutura prometida. “O povo não percebeu que a obrigação deles de executar o projeto, era de cinco anos. Passaram mais de cinco anos e eles não têm mais obrigação”, disse a agricultora.
A Synergia Socioambiental, empresa responsável pelo plano de elaboração e implantação da Vila da Terra foi procurada para explicar quanto recebeu pelo projeto e quando deixou os canteiros de obras, mas não enviou resposta até o fechamento desta matéria.
Em nota, a Codin informou que a Vila da Terra dispõe de condições de solo apropriadas ao cultivo agrícola e pecuário, o que fortalece a proposta de continuidade e ampliação da produtividade agropecuária dos produtores rurais reassentados. “Todas as casas foram entregues com poços perfurados e bomba de irrigação, além de as famílias terem recebido sementes para plantio à sua própria escolha, com apoio social e técnico”.
Legalidade das expropriações em xeque
A forma como aconteceu as desapropriações chegou a ser amplamente questionada e ganhou repercussão nacional. Além do programa do jornalista Fernando Gabeira, uma reportagem do SBT informou que a desapropriação de áreas para construção do Porto do Açu causou um prejuízo de 2 bilhões de reais, a partir de ações do empresário Eike Batista e o ex-governador Sérgio Cabral.
  • Acesso ao 5º distrito

    Acesso ao 5º distrito

  • Estado desapropriou 90.000 km² de terra no Açu

    Estado desapropriou 90.000 km² de terra no Açu

Além disso, segundo Gabeira, Eike Batista teria doado R$ 20 milhões, durante três anos, para as UPPs do Rio e no Porto do Açu ele teve amplo apoio da Polícia Militar que participou de quase todo processo de desapropriação das terras.
De acordo com o advogado da Associação dos Produtores Rurais e Imóveis (Asprim), Rodrigo Santos, há irregularidades nos trâmites do processo das desapropriações. Segundo Rodrigo, cerca de 30% das 1500 famílias teriam recebido 80% do valor referente à terra desapropriada. As demais não receberam nada.
Em nota, a Companhia de Desenvolvimento Industrial do Estado do Rio de Janeiro (Codin) informou que “todos os valores apurados nos laudos de avaliação relativos às áreas desapropriadas que constituem o polígono do Distrito Industrial em São João da Barra foram depositados em juízo. Até hoje, cerca de 80% dos proprietários já receberam os valores relativos às suas indenizações. As ocasionais questões judiciais seguem os trâmites normais da Justiça”.
Na tentativa de investigar os processos de expropriações, o deputado estadual Bruno Dauaire (PR), que preside a Comissão Especial para Mediar Conflitos Decorrentes da Implantação do Porto do Açu, entrou com um pedido de criação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI). A solicitação aguarda um posicionamento da Alerj.
Governo municipal - No último dia 13, a prefeita de São João da Barra, Carla Machado (PP), deu uma entrevista à Inter TV afirmando que não houve nenhuma negociata com Eike Batista em sua gestão. Segundo Carla, o único envolvimento que ela teve, no processo de instalação do Porto do Açu, foi a transformação das terras que antes eram rurais em áreas industriais.
Fotos: Michelle Richa

ÚLTIMAS NOTÍCIAS