Apesar da baixa ocorrência de mortes, os dados revelam que as perdas e danos humanos são devastadores em diversas localidades da região, como Ururaí, Morro do Coco, Três Vendas, Santo Eduardo etc. Nas ciências humanas e sociais, os desastres desse tipo geralmente são compreendidos como desastres do cotidiano ou desastres invisibilizados, uma vez que a atenção da sociedade e do poder público geralmente ocorre apenas durante ou logo após o acontecimento trágico.
A tragédia em Santo Eduardo, que teve seu ápice entre os dias 22 e 23 de março de 2024, foi anunciada pelos órgãos federais e estaduais durante os dias anteriores de modo bem genérico para regiões de três estados do sudeste, entre eles o estado do Rio de Janeiro. Mas esse distrito do extremo norte de Campos, situado na divisa com o estado do Espírito Santo, apresenta um histórico expressivo de perdas, danos e demandas não atendidas que aprofundam os impactos das chuvas. O Observatório dos Desastres Ambientais do Norte Fluminense (ODAm), a partir de extensa pesquisa realizada na localidade entre 2020 e 2023, envolvendo levantamento de dados, aplicação de questionários e entrevistas com a população, mostra que houve inundações nos anos de 1975, 1985, 1997, 2005, 2006, 2009 e 2023.
Antenora Siqueira é professora da UFF Campos, pesquisadora do PPGDAP e do Núcleo de Pesquisas e Estudos Socioambientais (NESA), coordena o ODAm-Observatório dos Desastres Ambientais
Adriana Dutra é professora da UFF Campos, pesquisadora do PPGPS e do Núcleo de Pesquisas e Estudos Socioambientais (NESA)
Érica Tavares é professora da UFF Campos, pesquisadora do PPGDAP, do Núcleo de Pesquisas e Estudos Socioambientais (NESA) e do INCT Observatório das Metrópoles
O debate atual, em geral, apresenta um ponto de partida trágico que é o modelo de mobilidade urbana prevalecente ao longo da constituição das cidades brasileiras no século XX. O planejamento dos sistemas de transporte sempre foi orientado pelo modelo rodoviarista, baseado na implementação de infraestrutura, no incentivo à indústria automobilística e no consumo de combustíveis fósseis.
Diante do caos instalado em boa parte das cidades, da insuficiência do transporte público escancarada pela pandemia e do cenário adverso das mudanças climáticas, esse modelo mostra claros sinais de que é insustentável.
Ações voltadas para a promoção da mobilidade urbana sustentável são fundamentais
A população precisa participar dos processos decisórios relativos à mobilidade
O II Fórum se inscreve no propósito que os diversos núcleos do INCT Observatório das Metrópoles formularam desde o começo de 2024, de incidir com ideias e reflexões surgidas das pesquisas científicas, para o desenvolvimento urbano das cidades, no marco das eleições municipais deste ano. Trata-se de uma iniciativa decisiva, inclusive por pautar as possibilidades de atuação concertada em âmbito intermunicipal, o que normalmente não entra espontaneamente no debate. Este próprio espaço cedido pela Folha da Manhã é outra dimensão do nosso esforço.
Depois, nas décadas de 1970 e 1980, o planejamento foi utilizado para difundir o urbanismo tecnocrático-modernista, caracterizado por um paradigma replicável em qualquer cidade. Com a intensificação do crescimento populacional urbano, surgiram movimentos sociais que questionaram a ação do Estado e desse planejamento tecnocrático, exigindo que o poder público garantisse o direito à cidade à população de baixa renda. Nesse contexto, a Constituição de 1988 afirmou o princípio da participação social na elaboração de políticas públicas.
Com a perspectiva da chegada do porto, o Plano Diretor do município passou por uma revisão em 2006. Até então, o plano anterior, de 1991, através de sua Lei Complementar de Uso e Ocupação do Solo (Luos), inseria a localidade do Açu em uma Zona de Expansão Urbana (ZEU–4), onde a faixa ocupada era classificada como Zona Residencial 2 e o entorno da Lagoa do Açu como Setor Especial 1. No novo plano, parte dessa área foi considerada Macrozona de Desenvolvimento Econômico (equivalente ao local para a instalação do Distrito Industrial de São João da Barra – DISJB), fronteiriça à Macrozona de Serviços e ao Setor de Interesse Ambiental. Em linhas gerais, o ordenamento urbano foi redesenhado para receber o porto e atender às demandas do empreendimento.
Essa lei passou por uma revisão em 2013. A proposta revisora foi coordenada pela Prefeitura e envolveu a Equipe Técnica Municipal (formada por profissionais da Prefeitura), a Comissão de Acompanhamento (formada por representantes da sociedade civil) e uma conhecida empresa de consultoria de Curitiba, contratada pelo município. Embora em 2006 a minuta dos técnicos não tenha sido integralmente aproveitada, é de se sublinhar que se tratava de profissionais familiarizados com a realidade local, o que não se deu em 2013.
Por enquanto ficamos na expectativa quanto às eleições municipais no final do ano. Será que os candidatos repetirão o discurso de desenvolvimento apoiados em empreendimentos desse mesmo tipo ou dessa vez estarão dispostos ao debate amplo com a população para enfrentar os velhos conflitos e desenhar novas alternativas?
Guilherme Vasconcelos Pereira é doutorando em Sociologia Política/UENF e pesquisador do Núcleo Norte Fluminense do Observatório das Metrópoles
O Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (INCT) Observatório das Metrópoles é uma rede nacional de 18 Núcleos de Pesquisas e Programas de Ensino de Graduação e Pós-Graduação que analisa os desafios metropolitanos para o desenvolvimento nacional. Integrado por mais de 400 pesquisadores e professores de distintas universidades brasileiras, o INCT se propõe, nesse espaço, incidir sobre a agenda pública sobre os temas centrais do destino das cidades no marco das eleições municipais de 2024. Visando dialogar com amplos espectros sociais, nosso objetivo é transferir conhecimento e informação qualificada, decorrentes das nossas pesquisas, para definir um futuro inclusivo, sustentável e redistributivo das cidades brasileiras. O Núcleo Norte Fluminense (NNF) do INCT, responsável pelos artigos publicados neste espaço, é integrado por mais de 25 intelectuais de diversos Programas da UENF, UFF, IFF e UCAM em Campos dos Goytacazes. Nossa intenção é apresentar propostas e chaves para pensar o desenvolvimento econômico e social da nossa região.
- Participação cidadã e dinheiro público: o que aprendemos com o imbróglio da LOA em Campos?
- Inundação em Santo Eduardo: a tragédia que tem história
- O debate da mobilidade urbana em Campos dos Goytacazes para além das novas ciclofaixas
- Desenvolvimento e futuro da região em debate no II Fórum Norte Fluminense
- Como enfrentar os desafios da gestão democrática em São João da Barra? O caso do Porto do Açu
- Grandes investimentos acentuam as desigualdades