Grandes investimentos acentuam as desigualdades
Guilherme Vasconcelos Pereira - Atualizado em 07/02/2024 12:12
 
Tânia Rêgo/Agência Brasil
Há mais de quatro décadas, os municípios do Norte Fluminense são conflagrados por grandes investimentos, que inserem a região na economia brasileira e internacional, mas são inócuos na promoção da inclusão e do desenvolvimento social. Apesar das expectativas que eles sempre mobilizam, o debate público em torno dos seus efeitos sobre a desigualdade e a segregação social -- balanceando custos e benefícios -- é ainda limitado.
Paralelamente ao declínio da agroindústria sucroalcooleira, uma busca por alternativas econômicas que pudessem reverter o cenário de pobreza instaurado povoou o imaginário coletivo de Campos e região. Desde que a base de operações da Petrobras foi instalada em Macaé, na década de 1970 -- refletindo, segundo alguns, uma rejeição da elite usineira a que sua implantação ocorresse em Campos --, a expectativa em torno da redenção econômica pela via de grandes investimentos tem sido alimentada junto à opinião pública local e regional. Quem não se lembra, por exemplo, da campanha “a refinaria é nossa”, que, no entanto, não pôde impedir aquele empreendimento (posteriormente reformulado) de ser direcionado a Itaboraí?
A despeito desse aparente revés, o Norte Fluminense tornou-se um ambiente propício para receber os chamados grandes investimentos (GI), como o do Porto do Açu, em São João da Barra. Em geral, os empreendimentos relacionados a esse conceito (GI) são conhecidos pela mobilização de grandes montantes de capital e pela transformação do uso dos solos. A expectativa associada a eles é a promoção de emprego, o crescimento econômico, a melhoria da qualidade de vida e o aquecimento do mercado local. O que poderia ser mais sedutor? No entanto, pouco se pondera acerca dos custos sociais associados.
A princípio, o empreendimento portuário serviria para o escoamento da produção de minério oriundo de Minas Gerais e transportado através do mineroduto com 525 km de extensão. Já nessa etapa a Associação dos Geógrafos do Brasil (AGB) apontava irregularidades no processo de licenciamento ambiental, caracterizando-o como não convencional e excludente, pois a população local não teve condições de interferir no processo. No entanto, o projeto inicial foi ampliado e nesse movimento assumiu características estruturais típicas dos portos mais modernos, chamados de Maritime Industrial Development Areas (MIDAS). A nova configuração expandiu o projeto para além do porto, com retroárea industrial e possibilidade de atracação de navios maiores.
Uma das etapas mais marcantes da expansão foram as desapropriações através do decreto estadual n.º 41.584, para a instalação do Distrito Industrial de São João da Barra (DISJB). Estima-se que 1.500 famílias foram diretamente atingidas com a perda da posse de suas terras. Atualmente com área de 130km², incluindo a reserva ambiental, o empreendimento é maior do que 15 dos 92 municípios do estado do Rio de Janeiro.
A expansão do porto desencadeou conflitos e intensificou o debate em torno dos seus efeitos. Trabalho de Ana Almeida da Costa, desenvolvido em 2018, aponta que a execução do porto se fundamentou em três pilares: a) autoritarismo; b) expulsão imposta pelo Estado; c) deslocamentos forçados dos camponeses com uso de violência. Tais conflitos e uma série de irregularidades contribuíram para a crise no “Grupo X”, cujo proprietário era o Eike Batista, culminando na troca do controle do porto. A chegada dos novos donos estreitou a relação com a atividade petrolífera sob a justificativa do aumento na produção em virtude da exploração na camada pré-sal, fornecendo apoio logístico capaz de garantir a sua “fluidez”.
A implantação dos empreendimentos serviu para influenciar a configuração do quadro regional de empregos formais. Observando o Norte Fluminense, houve uma perda de 16,3% dos vínculos entre 2014 e 2021. No geral, os dados indicam que a região tem respectivamente em Macaé, Campos e São João da Barra os polos de indústrias extrativas, serviços e atividades portuárias. Do ponto de vista das desigualdades, na região configura-se um cenário onde os maiores salários estão concentrados nas atividades relacionadas à extração de recursos naturais, seja na indústria extrativa ou na logística.
Chama a atenção, especialmente no município de Campos, o crescimento da participação das atividades imobiliárias, atividades financeiras, informação e comunicação, serviços domésticos e administração pública. Isso indica que o município tem se consolidado como sede dos trabalhadores nas atividades de extração e logística. Uma das consequências da demanda por moradia em Campos é o aumento da pressão pelo uso do solo. No município também houve deslocamentos da população, como no caso do “Programa Morar Feliz”, realizado pela prefeitura sob justificativa de retirar as famílias de situação de risco, mas realocadas em áreas mais distantes do centro urbano.
A descoberta de novas reservas de petróleo e gás na camada do pré-sal, que elevou a posição brasileira entre os produtores mundiais, tem direcionado os novos investimentos a porções da Bacia de Santos. Os campeões das rendas petrolíferas (royalties mais participações especiais) já não são Campos e Macaé, mas sim Maricá, Niterói e Saquarema. Se em janeiro de 2013 a Bacia de Campos (BC) respondia por 74,7% da produção nacional, em novembro de 2023 sua participação já era de apenas 19,8%. Em termos absolutos, considerando as duas datas de referência, a produção na BC caiu a menos da metade (de 1,89 milhão para 930 mil barris por dia). Esse cenário pode ser um indicativo do futuro da região em relação aos royalties.
Do ponto de vista das finanças municipais de Campos, Macaé e São João da Barra, essa distribuição incentiva o debate acerca da dependência das transferências nas receitas das prefeituras, sobretudo em um cenário de queda no volume de recursos recebidos. Mais de um terço das receitas totais desses municípios (em média 38,1%) tinha origem nas transferências de royalties e participações especiais, enquanto as receitas próprias (como IPTU, ISS e ITBI) representavam 19,7% do total. Os dados são do portal FINBRA, Finanças do Brasil.
Longe de esgotar o debate, mas oferecendo breves considerações sobre a dinâmica da região, o cenário atual indica que a região tem forte dependência das atividades de extração, mesmo que com volume menor de recursos financeiros diretos. A atividade logística ganha destaque. Essa realidade traz o risco de os municípios investirem nela os seus recursos e assim promoverem novas rodadas de remoções e deslocamentos da população, consequentemente aprofundando a segregação e as desigualdades na região.
Não faltam vozes questionando e incentivando planejadores locais quanto à adequação dos municípios a iniciativas que possam fazer prevalecer o interesse público e não o privado, pelo bem do futuro da região.
Por enquanto ficamos na expectativa quanto às eleições municipais no final do ano. Será que os candidatos repetirão o discurso de desenvolvimento apoiados em empreendimentos desse mesmo tipo ou dessa vez estarão dispostos ao debate amplo com a população para enfrentar os velhos conflitos e desenhar novas alternativas?

Guilherme Vasconcelos Pereira é doutorando em Sociologia Política/UENF e pesquisador do Núcleo Norte Fluminense do Observatório das Metrópoles

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