Usina Cambahyba, em Campos, será formalizada como assentamento do MST
- Atualizado em 21/08/2023 17:53
Ocupação em Cambahyba (Fotos: Genilson Pessanha)
Ocupação em Cambahyba (Fotos: Genilson Pessanha)
O governo federal destinará à reforma agrária um dos mais simbólicos territórios de violência política da ditadura militar no Rio de Janeiro. A Usina Cambahyba, em Campos, será formalizada como assentamento do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). A informação é da jornalista Flávia Oliveira, do Jornal O Globo.

Nos fornos da unidade, os corpos de ao menos 12 vítimas do regime foram incinerados nos anos 1970. A área, que abriga sete fazendas em 3.500 hectares, está em disputa há quase três décadas. Em 2012, foi considerada improdutiva pela Justiça; dois anos atrás, desapropriada e destinada ao Incra pela 1ª Vara Federal de Campos.

De acordo com a reportagem, na última quinta-feira (17), em Brasília, na cerimônia de posse dos integrantes do recriado Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável, Kelli Mafort, secretária de Diálogos Sociais da Secretaria-Geral da Presidência, anunciou a inclusão da Cambahyba na reforma agrária à deputada estadual Marina do MST (PT-RJ).
O assentamento, de acordo com a publicação, levará o nome de Cícero Guedes, ativista que se libertou do trabalho análogo à escravidão em lavouras de cana-de-açúcar na infância, em Alagoas, e migrou para Campos. Aprendeu a ler aos 40 anos, integrou o MST, na virada do século foi oficializado no assentamento Zumbi dos Palmares, na área da extinta Usina São João, também no município. Em 2013, foi assassinado a tiros, nos arredores de um acampamento de sem-terra na cidade do Norte Fluminense. Acusado de ser o mandante do crime, José Renato Gomes de Abreu foi inocentado pelo Tribunal do Júri, em 2019.
O assentamento da Cambahyba abrigará lotes para 185 famílias. A formalização pelo Incra, explica a deputada Marina, é que organiza a atividade produtiva e a comunidade propriamente, com a construção de casas e escolas. O acampamento já produz hortaliças, aipim, milho, feijão e frutas, como banana, limão, laranja e acerola. Estudos técnicos do Incra e de universidades locais determinarão a vocação do território, que pode incluir também pecuária leiteira, aves e ovos.
Em 2014, Cláudio Guerra participou de reconstituição da usina
Em 2014, Cláudio Guerra participou de reconstituição da usina / Rodrigo Silveira
Em junho deste ano, a Justiça Federal de Campos condenou o ex-delegado do Departamento de Ordem Política e Social (Dops) do Espírito Santo, Cláudio Antônio Guerra, a sete anos de prisão, em regime semiaberto, pelo crime de ocultação de cadáver no período da ditadura militar. Cláudio foi investigado com base em seu próprio livro "Memórias de Uma Guerra Suja", no qual confessou ter recolhido os corpos de 12 pessoas e os levados para serem incinerados entre 1973 e 1975. Segundo a investigação, os corpos teriam sido incinerados na antiga Usina Cambahyba, em Campos. No local, foram incinerados os corpos dos presos políticos Ana Rosa Kucinski Silva, Armando Teixeira Frutuoso, David Capistrano da Costa, Eduardo Collier Filho, Fernando Augusto Santa Cruz Oliveira, João Batista Rita, João Massena Melo, Joaquim Pires Cerveira, José Roman, Luís Inácio Maranhão Filho, Thomaz Antônio da Silva Meirelles Neto e Wilson Silva. Fernando Augusto era pai de Felipe Santa Cruz, ex-presidente da OAB-Nacional.
A produção e o beneficiamento da cana-de-açúcar no Norte Fluminense ganharam relevância e escala a partir da segunda metade do século XIX. Por volta dos anos 1920, Campos se tornou o maior polo exportador de açúcar do Brasil, com 15% da produção nacional. Foi ali que se deu a transição dos velhos engenhos para as modernas usinas, escreveu Marcelo Carlos Gantos, da Uenf, em trabalho sobre o patrimônio agroindustrial na região. Em 1930, Campos tinha 21 usinas; restavam oito engenhos de aguardente e rapadura. Nos anos 1970, a cidade chegou a 24 usinas, mas terminou o século XX com não mais de uma dúzia.
A Usina Cambahyba foi uma das grandes propriedades agroindustriais do município. Pertenceu desde sempre à família de Heli Ribeiro Gomes. Desativada por completo na safra de 1995/1996, chegou à área total de 6.763 hectares, dos quais 85% foram dedicados à produção de cana. Nos anos do general Emílio Garrastazu Médici na Presidência, protagonizou o crime que a tornaria parte da história do arbítrio no Brasil. Segundo o historiador Lucas Pedretti, representantes e peritos da Comissão Nacional da Verdade (CNV) confirmaram que ali foram incinerados 12 corpos de presos políticos recolhidos da Casa da Morte, o centro clandestino de tortura em Petrópolis (RJ), e do DOI-Codi, na capital. O ex-delegado Cláudio Antônio Guerra, do Dops, afirmou que “atendia a chamados do capitão de cavalaria do Exército Freddie Perdigão Pereira e recebia os corpos diretamente da equipe do militar”, informa o relatório da CNV.
A Folha entrou em contato com a Secretaria-Geral da Presidência da República para obter informações sobre a previsão para que a Cambahyba seja formalizada como assentamento, mas ainda não recebeu respostas. 

Com informações do Jornal O Globo

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