Indicações de 'Ainda estou aqui' sob olhar de profissionais do cinema
- Atualizado em 25/01/2025 14:46
Fernando Sousa, Adriana Medeiros, Aristides Soffi ati, Felipe Fernandes e Lucia Talabi
Fernando Sousa, Adriana Medeiros, Aristides Soffi ati, Felipe Fernandes e Lucia Talabi / Divulgação
As três indicações do filme “Ainda estou aqui” ao Oscar também repercutiram em Campos. Profissionais ligados ao cinema avaliaram o desempenho da obra e da atriz Fernanda Torres e os reflexos para a arte brasileira e de Campos.
— O cinema feito por brasileiros recebe indicações ao Oscar desde 1963, sendo o “Pagador de Promessas” o primeiro indicado. Na sequência vem “O Quatrilho” 33 anos depois. “O Que é Isto Companheiro” em 1998, e “Central do Brasil” 1999. “ Ainda Estou Aqui”, 26 anos depois , traz Walter Salles de volta ao rol de finalistas. Inegável a importância das indicações recebidas por este filme. Além do reconhecimento da potência da arte brasileira, abrindo possibilidades para o nosso mercado de audiovisual, a seleção oportuniza também o não apagamento da memória dolorosa da ditadura do Brasil, que não pode ser esquecida. Negar a existência desses anos de torturas física e psicológica é aceitar os comportamentos indignos de grupos que querem, ainda hoje, a qualquer custo, manter seus privilégios e a impunidade para seus agentes — destacou a atriz Lucia Talabi.
A atriz, entretanto, diz ter dúvidas se essas indicações são incentivos para que a escola de cinema de Campos saia do papel. “Tivemos oportunidade concreta de ter essa escola trazida por Darcy Ribeiro através da Uenf. A ideia foi abortada e perdemos toda estrutura, inclusive os equipamentos já comprados. Até o momento, nenhuma gestão local demonstrou sensibilidade e vontade política de valorizar e fortalecer o fazer cultural de grupos, que durante muitos anos vêm trabalhando pela construção da linguagem cinematográfica na cidade. As condições reais, que enfrentamos no universo da Educação e da Cultura campista, em minha opinião, são de grande falta de percepção do potencial de agentes como Victor Van Ralse e Carol Abreu, que estão produzindo trabalhos relevantes sem receber o devido apoio e valorização. Sem esquecer que o tema abordado em ‘Ainda estou aqui’ teve um fragmento dignamente filmado sobre os fornos da Usina Cambaíba por Vitor Menezes em ‘Forró em Cambaíba’. E recentemente, também, no espetáculo multimídia do Grupo Erosão ‘A Convivência é uma Ilha’, direção de Fernando Codeço. Acredito que esses exemplos já seriam o suficiente para sensibilizar as autoridades em Campos de que temos necessidade e potencial para que a Escola de Cinema saia do papel”.
— A premiação já recebida no Globo de Ouro, a sua aclamação em Veneza e essas três indicações do filme, em diferentes categorias do Oscar, reafirmam internacionalmente a força artística da cinematografia brasileira. Como cineasta e produtor, destacaria em primeiro lugar que tudo isso reaproxima de forma muito afetuosa a sociedade do nosso cinema, com os nossos artistas e o fazer cinematográfico, ofício que requer muita dedicação e trabalho. É uma enorme alegria a gente ter como principal pauta do dia o feito internacional de um filme brasileiro, não é mesmo? E isso é um feito extraordinário, que nos enche de orgulho, afirma a nossa brasilidade e que precisa ser celebrado. Dito isso, a gente espera que o filme impulsione e desperte ainda mais a audiência do público com filmes brasileiros, com os livros, com a nossa literatura, o teatro e as nossas artes em geral. Viva o Cinema Brasileiro! — destacou Fernando Sousa.
O cineasta e produtor destaca, ainda, espera que esse prêmio e indicações abram uma reflexão profunda sobre a necessidade de ser criada uma secretaria de Cultura que se dedique ao tema da cultura, do audiovisual e da economia criativa em geral na cidade. “Contar com uma secretaria de Cultura é fundamental para que se tenha políticas públicas consistentes, estratégias articuladas de investimento público na área e para que se possa atrair novos recursos e investimentos, públicos e privados. A cidade de Campos e a região Norte Fluminense possuem uma diversidade potente de desenvolvimento e criações artísticas, que precisam de investimentos e reconhecimento. Para que isso aconteça precisamos de uma atuação mais articulada do poder público local. Além disso, é muito significativo que essa premiação aconteça no contexto em que estamos trabalhando na realização do Festival Internacional Goitacá de Cinema, que abrigará o Seminário de Cinema e Audiovisual do Norte e Noroeste Fluminense, o Cine Market Goitacá e um programa de formação, realizações que terão como foco a afirmação e valorização do fazer cinematográfico numa cidade do interior do estado do Rio de Janeiro. Essas iniciativas acontecem junto com a retomada do novo projeto da Escola de Cinema e Audiovisual volta a ganhar corpo na Uenf (Universidade Estadual do Norte Fluminense) e na cidade, iniciativa que está alinhada com a necessidade contínua de formação de obra qualificada para atuar num setor que cada vez mais demanda alta qualificação”.
— Acordar com essa notícia foi emocionante! Foi uma surpresa sermos indicados para três categorias. Fernanda é um acontecimento. Não só pela indicação de melhor atriz, mas por sua escrita e postura como uma mulher humanamente engajada nas questões culturais e políticas. Fernanda entregou uma performance emocionante, cheia de silêncios e adornos que só grandes artistas sabem entregar. Depois de vivermos anos tão obscuros, assistindo o quanto a arte e a cultura estavam fragilizadas, saber dessas indicações é um prêmio. Sinto uma festa dentro de mim quando sei que temos um filme — nosso primeiro — concorrendo ao maior prêmio da indústria cinematográfica. Isso é um feito raro e de extrema riqueza para o cinema nacional que bravamente resiste aos arrogantes e ignorantes que permeiam a política do nosso país. Não é apenas um filme político, mas é também. Todas as conquistas deste filme trazem à tona a importância de se investir, aqui, na nossa Campos, no audiovisual, algo tão sonhado pelo visionário Darcy Ribeiro. É passada a hora de formar talentos de nossa cidade e no entorno dela, descentralizando a produção cultural do país — destacou a atriz Adriana Medeiros.
— Hoje, o cinema brasileiro vive um momento histórico. As três indicações ao Oscar de ‘Ainda Estou Aqui’ representam um marco, principalmente pela indicação inédita na categoria de Melhor Filme. Independentemente das indicações, o filme já vem sendo um marco por outros motivos, como o fato de atrair o público brasileiro para as salas de cinema e resgatar o orgulho da população pelo nosso cinema. Esse, tantas vezes criticado pelo grande público, que, embora não tenha o hábito de assistir às produções nacionais, frequentemente gosta de julgá-las. Junto a ‘O Auto da Compadecida 2’, ‘Ainda Estou Aqui’ tem sido um dos grandes responsáveis pelo retorno do público às salas de cinema. Essas indicações certamente reforçam esse movimento, não apenas pela expansão do número de salas exibindo essas produções, mas também pelo crescente interesse de um público mais engajado com as obras nacionais. O Oscar ainda exerce esse poder. O reconhecimento da Academia representa o ápice do crescimento do cinema nacional no cenário internacional. Todos os anos, vários filmes brasileiros concorrem a diferentes prêmios nos maiores festivais do mundo. O Oscar talvez seja a última barreira a ser superada. Esse reconhecimento e especialmente o interesse renovado do público são fundamentais para o fortalecimento do cinema brasileiro como indústria. Essas indicações são uma vitória para nossa cultura e para o nosso cinema, que, certamente, a longo prazo, refletirão em um desenvolvimento significativo da produção nacional. Este momento de crescimento é propício para a formação de novos públicos, para o fortalecimento da indústria e, principalmente, para a criação de novas escolas de cinema e a possibilidade de inserção de disciplinas sobre a sétima arte no currículo escolar. Lembrando que a exibição de filmes nacionais agora é obrigatória em escolas da educação básica. A determinação é da Lei de Diretrizes e Bases Da Educação Nacional, a Lei 13.006/2014, que institui em seu artigo 26, § 8º que ‘a exibição de filmes de produção nacional constituirá componente curricular complementar integrado à proposta pedagógica da escola, sendo a sua exibição obrigatória por, no mínimo, duas horas mensais’. Como professor, constatei de perto o impacto positivo que o contato com o cinema, além da experiência artística, pode ter nos jovens, incentivando-os a explorar um caminho que antes parecia inexistente. Com as novas tecnologias, os meios de produção cinematográfica se tornaram mais acessíveis, e a descentralização da produção é um movimento essencial para o crescimento do setor como uma indústria sólida. Este momento de resgate do orgulho pelo cinema nacional, aliado ao forte engajamento na internet em torno, por exemplo, da possível vitória de Fernanda Torres, demonstra que os efeitos vão além das indicações. Se o Oscar vier, todos esses fatores serão ainda mais potencializados. No entanto, os feitos de ‘Ainda Estou Aqui’ já são sentidos e, provavelmente, terão impactos ainda mais profundos a longo prazo. O tempo dirá — afirmou o cineasta e crítico de cinema Felipe Fernandes.
— Filme premiado no Globo de Ouro é indicação quase segura de que ele concorrerá ao Oscar. Por mais que Fernanda Montenegro (mãe) afirme que a arte brasileira não precisa de reconhecimento acima da linha do Equador, nunca se falou tanto em ‘Ainda estou aqui’ depois do prêmio nos Estados Unidos. Ele não mereceu tanto destaque com os prêmios anteriores. Parece que Trump tem razão ao dizer que os Estados Unidos não precisam do Brasil, mas o Brasil precisa dos Estados Unidos. ‘Ainda estou aqui’ tem qualidades indiscutíveis, mesmo que não ganhe um Oscar sequer. Mas não vejo reflexos para Campos. A Escola de Cinema da Uenf, por exemplo, não depende de Hollywood, mas de verbas e de empenho dos seus professores — ressaltou o crítico de cinema Aristides Soffiati.

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