Santo Mercado em SP: um divino exemplo para Campos
Edmundo Siqueira 02/07/2023 19:25 - Atualizado em 02/07/2023 19:36
Interior do Mercado Municipal de Santo Amaro - Professora Adozinda Caracciolo de Azevedo Kuhlmann, reaberto após um incêndio em 2017.
Interior do Mercado Municipal de Santo Amaro - Professora Adozinda Caracciolo de Azevedo Kuhlmann, reaberto após um incêndio em 2017. / Santo Mercado - ASCOM
Na manhã de 25 de setembro de 2017, a comerciante Joana Farani chegava para abrir sua loja no Mercado Municipal de Santo Amaro, na região sul de São Paulo, como fazia há mais de 30 anos. Naquele dia, foi impedida de entrar em seu estabelecimento, assim como todos os outros permissionários. O interior do Mercado foi consumido por um incêndio de grandes proporções que havia começado na madrugada.

Mesmo naquele cenário de desolação, Joana concedia uma entrevista para uma rede de televisão local em tom otimista, agradecendo por não ter havido nenhuma vítima no local, e disse, esperançosa, que tudo iria dar certo. Passados cinco anos do incêndio, a comerciante pôde dizer que estava certa. No fim do ano passado, o Mercado de Santo Amaro reabriu, dessa vez quatro vezes maior e com um novo nome: Santo Mercado.
Fachada do Santo Mercado, em Santo Amaro, zona centro-sul de São Paulo.
Fachada do Santo Mercado, em Santo Amaro, zona centro-sul de São Paulo. / Santo Mercado
O Santo Mercado trouxe uma proposta completamente nova, inspirada nos grandes mercados europeus, reunindo compras, serviços e lazer em um projeto arquitetônico contemporâneo. Mas sem ignorar — como toda razão de ser — sua história, que começou em 1897, no mesmo local desde 1961. A ideia foi integrar a tradição com conceitos modernos, sem prescindir dos permissionários que deram alma ao empreendimento.


A escolha da prefeitura de São Paulo à época foi abrir uma licitação para conceder a exploração do Mercado à iniciativa privada. O vencedor foi o Consórcio Fênix, formado pelas empresas Engemon, Houer, Supernova e Urbana Arquitetura e Projetos, sendo definido como outorga o valor de R$ 1,3 milhão por ano.
Campos e Santo Amaro

O conceito aberto, sem presença de muros, com calçadas e áreas para pedestres estendidas e boulevards externos, seguem as tendências mais atuais da arquitetura e do urbanismo, que valorizam o conceito de integração entre o público e o privado e a chamada “cidades para pessoas”. Foi o conceito seguido pelo Santo Mercado, e pode ser o mesmo para o Novo Mercado de Campos dos Goytacazes.

No caso de Campos, o boulevard externo se justificaria no entorno do prédio centenário, à margem do Canal Campos-Macaé — segundo canal artificial mais longo do mundo, uma das maiores obras de engenharia do Brasil Império. Atualmente o Mercado está estrangulado por duas estruturas, que sufocam a construção o deixando invisível à população.
Prédio centenário do Mercado em Campos, tombado pelo Coppam (Conselho de Preservação do Patrimônio Arquitetônico Municipal - Campos dos Goytacazes), estrangulado por construções do entorno.
Prédio centenário do Mercado em Campos, tombado pelo Coppam (Conselho de Preservação do Patrimônio Arquitetônico Municipal - Campos dos Goytacazes), estrangulado por construções do entorno. / Google Maps


O Camelódromo como centro de comércio popular estabelecido aos fundos, e recém reformado, não permitiria sua remoção, porém na face que está à frente do Canal, a estrutura metálica usada como cobertura da feira e da peixaria pode ser removida e ali um boulevard ser criado para compor a paisagem, servir de área de consumo e lazer e permitir a visão completa do belo prédio do Mercado construído em 1921.

Assim como o Santo Mercado, a história e as vivências construídas em um centro comercial popular potencializam qualquer revitalização e justificam os esforços do poder público para criar condições dela acontecer. No exemplo paulista, o Mercado aumentou em quatro vezes seu tamanho, ficando com três pavimentos, passando de 25 para 120 estabelecimentos, e 37 quiosques, com hortifruti, peixarias, casas de carne, empórios, opções de lanches diversos, lojas de vinho, padaria, bares e restaurantes.

O investimento no Santo Mercado foi na casa de R$ 80 milhões, onde optou-se por um projeto biofílico, ou seja, que valoriza o contato com a natureza, com o máximo de iluminação e ventilação naturais, com o verde incorporado com árvores internas. O conceito também privilegia a integração visual do entorno através dos vidros da fachada, que integra o projeto na cidade, e vice-versa.

Além de árvores internas, os cobogós — tradicionais tijolos vazados criados na década de 1920 da arquitetura original — foram mantidos. Em Campos há uma proposta de mudança do local da feira, que sairia da frente do prédio centenário e iria para uma praça arborizada, a 200 metros dali. O exemplo de Santo Amaro indica que a arborização e a nova construção podem conviver perfeitamente.
Projeto arquitetônico do Santo Mercado, assinado pela AFGM Arquitetos Associados, com participação da KT Retail Art, privilegia o verde e a iluminação natural.
Projeto arquitetônico do Santo Mercado, assinado pela AFGM Arquitetos Associados, com participação da KT Retail Art, privilegia o verde e a iluminação natural. / Santo Mercado - ASCOM

Os feirantes, a comunidade e o Mercado

Qualquer mudança imposta às pessoas que moram ou estabelecem suas atividades comerciais há décadas em um mesmo local, se mostra conflituosa. Em Campos, a mudança da feira para a Praça da República, proposta pela prefeitura, encontra resistência entre os permissionários.

“O Mercado é uma extensão da casa das pessoas, uma história que veio dos avós e bisavós, de pai para filho, e temos muitas histórias. E uma obra nunca é muito bacana, mas os permissionários acompanharam e cobraram durante todo processo. Estamos aqui para dizer que retomamos nossa confiança com nosso bairro, afinal de contas são eles que sempre estiveram aqui, e a gente precisa ir com calma, carinho e cuidado, e queremos abraçar essa comunidade”, disse Stella Pinheiro, superintendente do Santo Mercado em entrevista recente ao jornalista Carlos Tramontina.

Mesmo depois de um incêndio que destruiu todo Mercado em Santo Amaro, a construção de uma nova estrutura gerou conflitos e desconfiança, mas que começaram a ser amenizados com a conclusão das obras. A iniciativa privada administra o local, mas como concessionária do poder público. Os permissionários, agora lojistas, receberam uma condição especial: continuarão com o mesmo valor que repassavam à gestão municipal antes da concessão, no lugar do valor atual de mercado. A condição especial foi prevista para durar dois anos.

Além disso, foi acordado que não haveria no novo local nenhuma franquia ou grandes marcas, privilegiando o comércio local. Assim como em Campos, o Santo Mercado está localizado em área central, próximo a terminais rodoviários, e no caso paulista a apenas duas quadras da estação Adolfo Pinheiro do metrô. Buscando a adoção de meios de transportes mais sustentáveis e que favorecem a mobilidade urbana, o Santo Mercado dispõe de um amplo bicicletário com mais de 60 vagas e área de embarque e desembarque para carros de aplicativos.
Mercado Municipal em Campos dos Goytacazes
Mercado Municipal em Campos dos Goytacazes / Reprodução


Mercados municipais são excelentes pontos de convivência harmônica e plural, aberto a toda comunidade. E podem se constituir em um espaço turístico de grande apelo, contribuindo para empregabilidade e retorno financeiro ao município.

Mas para tanto, não podem ser locais insalubres e descaracterizados. Que o Santo Mercado sirva de exemplo do que pode vir a ser um novo conceito em Campos. Permissionários e população só tem a ganhar.
Reprodução do antigo Mercado Municipal  em Campos, construído no início doas anos 1920.
Reprodução do antigo Mercado Municipal em Campos, construído no início doas anos 1920. / Reprodução

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