Pressão de Calheiros só reforça o quanto somos reféns dos royalties
Rodrigo Gonçalves 10/06/2023 08:59 - Atualizado em 10/06/2023 11:32
Postagem de Renan Calheiros
Postagem de Renan Calheiros / Reprodução rede social
Se foi pressão o que o senador Renan Calheiros (MDB-AL) quis colocar ao anunciar que o Supremo Tribunal Federal (STF) iria julgar até o próximo dia 16 a questão da partilha dos royalties, a medida surtiu efeito e trouxe à tona mais uma vez preocupação de falência aos estados e municípios produtores de petróleo, provocando uma reação de políticos de diferentes correntes, principalmente do Rio de Janeiro e da região, até mesmo pela grande dependência financeira que há não só dos royalties, mas da participação especial, que cai a cada três meses.
Só para se ter uma noção, o orçamento de Campos para 2024 prevê a arrecadação de R$ 2,7 bilhões, sendo R$ 1,1 bilhão vindos de receitas da exploração de petróleo, o que representa cerca de 40% da arrecadação. Com uma folha de pagamento e encargos dos servidores municipais estimados em R$ 1,2 bilhão, sem a receita dos royalties, o município não conseguiria nem dar conta de pagar o seu funcionalismo e ainda manter os serviços básicos de Saúde e Educação, por exemplo.
Está claro que Campos já perdeu muito tempo na dependência dos recursos vindos do petróleo, que em um passado de fartura sem medidas causou um inchaço da máquina pública, ao ponto de a arrecadação própria da Prefeitura não cobrir a folha de pagamento, o que tem sido garantido justamente por meio dos royalties, graças a um Termo de Ajustamento de Gestão feito junto ao Tribunal de Contas do Estado, válido de forma gradativa até o fim de 2024. Sendo assim, sem os recursos, qual seria a saída, demitir ou incorrer em crime, descumprindo a Lei de Responsabilidade Fiscal?
Apesar de ser um assunto de longa data, muitos campistas ainda não têm a exata noção do que acontecerá se o STF validar a nova lei de partilha dos royalties do petróleo, aprovada em 2013 no Congresso Nacional. Um levantamento da Organização dos Municípios Produtores de Petróleo (Ompetro) revela que, em Campos, as perdas médias de royalties seriam de 80%, e as de participação especial de 60%. Em dinheiro, tomando como base o arrecadado em 2022, por exemplo, o município, que recebeu R$ 869,6 milhões em royalties, faturaria R$ 173,9 milhões; enquanto em participação especial cairia dos R$ 190,7 milhões para R$ 76,2 milhões. As perdas de Campos não seriam as únicas. Todos os municípios classificados como produtores de petróleo teriam quedas substanciais de receita.
A planície goitacá viveu um exemplo, principalmente na gestão do então prefeito Rafael Diniz (Cidadania), de como a queda brusca na arrecadação dos recursos vindos do petróleo pode impactar uma cidade, principalmente quando se registra, historicamente, duas participações especiais zeradas.
Independentemente da questão judicial, tivemos um exemplo de como é arriscado ter boa parte do orçamento baseado em uma commodity com precificação internacional e volátil, e ainda calculada em cima da incerteza do câmbio e da produção nas plataformas de petróleo muitas vezes declinante. Só para se ter uma noção, em 2008, Campos viveu o auge, com uma arrecadação anual de royalties e PE de mais de R$ 2 bilhões, sendo que em 2019, penúltimo ano do governo Rafael, o município faturou R$ 366 milhões. O reflexo disso, todos lembram, salários atrasados e muitos problemas na administração municipal, que ainda herdou uma “venda do futuro” da gestão anterior, quando a ex-prefeita Rosinha Garotinho (União) fez um empréstimo dando como garantia royalties para ajustar as contas que já estavam de mal a pior, justamente pela instabilidade dos repasses vindos da produção de petróleo.
Como imaginar que passadas mais de duas décadas desde o primeiro repasse gordo a Campos e região, ainda não termos uma situação econômica confortável? Seriam más administrações? Há quem se aproveite desse argumento justamente para engrossar o coro de pedido pela federalização dos royalties, sob a alegação de “que o petróleo é uma riqueza do país, portanto, todos estados e municípios supostamente teriam direito sobre ele”.
Infelizmente, o risco de queda da liminar da ministra Cármen Lúcia, que deu estabilidade aos produtores em 2013, sempre é apontado como iminente quando casos de corrupção envolvendo o Rio de Janeiro acontecem, inclusive em Campos, que amarga exemplos da má aplicação dos royalties no passado. Só que isso, como pressão de outros entes federativos, é até entendível, mas de forma alguma pode ser o argumento maior, até mesmo porque muitos dos que reivindicam esse recurso também não são exemplos de administração pública e estão marcados por casos de corrupção.
O argumento tem que ser o preço que os municípios produtores de petróleo pagam com os impactos sociais, que vão além do que define a lei em vigor de que os royalties são para compensar os estados e municípios produtores dos danos ambientais causados pela extração do petróleo, sendo uma forma de captura de recursos não só para investimentos em preservação do meio ambiente, mas também de desenvolvimento das regiões produtoras.
Mas, até mesmo o estado do Rio de Janeiro, que é o primeiro autor da ação que resultou na liminar, não está mais certo de que esse argumento é suficiente e já trabalha por um acordo desde 2020 com as outras partes. Ao reacender o assunto, Renan Calheiros, que presidia o Congresso na época da votação da nova partilha, parece estar conseguindo trazer de volta uma discussão que estava em alta um pouco antes da pandemia da Covid-19, mas o processo acabou sendo retirado do calendário de julgamento do STF em 2020, a pedido dos estados do Rio e Espírito Santo e, ainda, pela Ompetro, além de outras partes nas ações, sob o argumento de que as tratativas para a elaboração de uma decisão consensual, bem como as iniciativas legislativas compreendidas na agenda de reformas políticas, foram temporariamente impactadas e naturalmente suspensas pela necessidade de priorização das medidas de combate à pandemia.
Mas passado esse período avassalador de danos à saúde pública e à economia mundial, era de se esperar que o assunto da partilha dos royalties voltaria a movimentar o Judiciário e o cenário político, mesmo que no STF alguns assuntos têm tomado bastante espaço, como os julgamentos dos ataques aos Três Poderes.
E pensar que nós, municípios produtores, estamos tão fragilizados que uma postagem feita por um senador nas redes sociais, sem nem que seja confirmada pelo STF, seria o que nos despertaria mais uma vez para um assunto tão importante e de gravidade tão avassaladora.
O que virá daqui para frente é incerto, mas serviu para fazer com que todos se unam em busca de uma saída. Desde setembro de 2020, o estado do Rio de Janeiro aderiu a uma proposta de acordo apresentada pelo governo do Espírito Santo para encerrar a discussão que se arrasta há 10 anos no STF.
Se essa será a estratégia mantida pelo governador Cláudio Castro (PL) não se sabe, já que ainda não houve qualquer pronunciamento oficial sobre o assunto. Mas, segundo o prefeito de Campos, Wladimir Garotinho (PP), que se reuniu com Castro na última quarta-feira (7), o governador já tem uma estratégia para lidar com a situação. No entanto, o prefeito informou que não pode, ainda, adiantar qual é. O discurso de Wladimir, que também é o presidente da Ompetro, é de que a união de todas as correntes políticas neste momento é indispensável ao melhor resultado em um acordo, principalmente por se considerar que o cenário hoje é diferente de quando o Congresso aprovou a nova partilha, pois atualmente outros estados também passaram a produzir petróleo e engrossariam a defesa.
As articulações precisam ganhar força para afastar de vez esse fantasma que volta e meia assombra o estado, principalmente a região. É torcer por efeitos práticos também da Frente Parlamentar em defesa dos royalties criada na Alerj, que será presidida pelo campista Rodrigo Bacellar (PL), e até mesmo pelo movimento iniciado pelos deputados federais da bancada do Rio, que vão se reunir na próxima terça-feira para juntos buscarem no STF uma segurança maior sobre o tema.
Não há por que ter protagonistas neste momento, qualquer garantia de que não viveremos uma falência é bem-vinda, assim como a mesma união é necessária para que possamos ser menos dependentes da produção de petróleo, explorando todo potencial de desenvolvimento que temos, e que agora parece estar sendo mais enxergado.
*Artigo publicado na edição da Folha da Manhã deste sábado 10/06

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