Arthur Soffiati - Em busca das raízes culturais (2)
* Arthur Soffiati - Atualizado em 10/08/2024 09:05
Português não é galego, mas deriva dele. A língua portuguesa nasce na Galícia e adquire vida própria no canto ocidental da Península Ibérica. Galego e português não são latim, mas derivam desta língua não mais falada cujo berço se situa na Itália. Os portugueses estão transformando o português falado numa língua quase incompreensível para os brasileiros. Eles estão comendo sílabas. Muitos pronunciam “tuguês” em vez de “português”. Deve ser exagero meu. É possível que um português afirme não entender um falante da língua morador no Nordeste do Brasil.
Há estudiosos sustentando que a língua falada no Brasil e nos países africanos colonizados por Portugal não é o português, mas o brasileiro, o angolano, o moçambicano, o cabo-verdiano etc. Como historiador, não é esta a minha compreensão. Em Portugal e na Romênia não se fala latim, mas as duas línguas derivam do latim. Por maiores que sejam as diferenças entre o romeno, o italiano, o francês, o castelhano (hoje a primeira língua da Espanha) e o português, não se pode ignorar a raiz latina dessas línguas.
Embora não considere a língua falada no Brasil como brasileiro, reconheço que o português no Brasil se diferenciou do português de Portugal. Era inevitável que isso acontecesse com uma língua falada num pequeno país passando a ser usada num grande país em termos de território. No Brasil, o português incorporou vocábulos dos povos indígenas, sobretudo dos tupis, e de nações africanas trazidas compulsoriamente para cá na condição de escravizadas. Esses vocábulos não foram tão importantes para o português falado em Portugal.
Considerando a grande dimensão territorial do Brasil, era de se esperar que o português, aqui, ganhasse vários sotaques. É notória a diferença de sotaques desenvolvidos no Norte, no Nordeste, no Sudeste e no Sul do Brasil. Percebe-se claramente que o “e”, no Norte, é pronunciado como um “i” molhado, enquanto no Nordeste soa como “i” seco. Até hoje, imito o sotaque sulista do português, como falava minha avó materna. Não basta o sotaque frio. É preciso entonação, soando como se fosse música.
Dentro das regiões, há sotaques mais circunscritos. Reconheço o sotaque dos mineiros, mas não sei imitá-lo. Com todas essas diferenças regionais e sub-regionais, um sulista consegue se comunicar muito bem com um nordestino, como mostra de forma convincente Caetano W. Galindo no livro “Latim em pó” (São Paulo: Companhia das Letras, 2022).
Por mais que minha viagem a Portugal e Espanha, em junho de 2024, visasse um contato mais íntimo com o catolicismo e a língua, eu não esperava surpresas. Eu pretendia apenas um contato mais íntimo com uma das três raízes da cultura brasileira. Reconheço que a globalização enfraqueceu as diferentes culturas desenvolvidas pela humanidade em todos os continentes, mas ela ainda não conseguiu impor uma cultura padrão. Não creio e não desejo que as diferenças sejam apagadas por uma cultura global. E, seguindo o antropólogo Claude Lévi-Strauss, entendo que a humanidade não suporta a uniformidade.
Portanto, a diversidade de fala e até de escrita existente nos países de língua portuguesa e nas suas regiões me agrada. Sinto humanidade nessa diversidade. Mesmo num pequeno país, como Portugal, existem diferenças de sotaque. O português de Trás-os-Montes não é pronunciado como o português do Alentejo. Senti essa diferença na ilha da Madeira e mais ainda no arquipélago dos Açores. Em Funchal, tive dificuldade de me comunicar com um atendente de hotel muito simpático, mas entendi se tratar de uma questão pessoal: ele parecia ter dificuldade de pronunciar as palavras. Mesmo assim, notei a diferença. Na ilha de São Miguel, um guia turístico exemplificou bem a diferença entre o português falado no continente e nos Açores.
Não tive dificuldade de compreender o português falado no Norte e no Sul de Portugal, assim como o falado nas ilhas, mas não tentei imitá-lo. Comuniquei-me com as pessoas falando o português carioca. Como no país vivem atualmente muitos imigrantes brasileiros e africanos, os portugueses parecem estar se acostumando com sotaques e palavras diferentes. Se usamos as palavras celular para telemóvel, trem para comboio e autocarro para ônibus, somos perfeitamente compreendidos. Na Espanha, não encontrei dificuldade de comunicação com as pessoas, assim como me entendi bem com turistas franceses em Coimbra. No geral, a gente sempre consegue se comunicar com quem fala o nepalês, por exemplo, como aconteceu comigo em Faro.
Mas não era o português falado nas regiões de Portugal que estava me interessando. Eu queria contato com outras línguas quase desconhecidas usadas ainda na Península Ibérica. Poucas pessoas ouviram falar do mirandês, do barranquenho, do manhego, do valverdeiro, do lagarteiro e do asturo-leonês. Este é o assunto de outro artigo.

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