Arthur Soffiati - Goa e Campos no contexto da globalização (IV)
* Arthur Soffiati - Atualizado em 06/03/2024 14:03
Tanto em Goa como na região de Campos, a língua dominante era o português na primeira e continua sendo na segunda. Depois da integração de Goa, Damão e Diu à Índia, o português foi perdendo falantes. Hoje, o português está em franco declínio nos antigos domínios portugueses por motivos culturais e políticos. A língua oficial de Goa é o concani. O Brasil (e Campos, consequentemente) proclamou sua independência política em 1822. A maior colônia portuguesa não foi integrada a nenhum outro país, como Goa. Mas, no Brasil, o português não foi substituído por outra língua. Ele continua sendo falado de um extremo a outro do país, incorporando muitos vocábulos dos povos nativos, sobretudo dos tupis, e de línguas africanas, faladas por negros escravizados. Além do mais, é falado com sotaques os mais diversos. Aos poucos, foi ganhando uma literatura distinta da portuguesa, principalmente depois do movimento modernista de 1922.
O cristianismo católico romano também aproxima as duas ex-colônias portuguesas. A cidade de Goa Velha brilhava com suas igrejas. Os estilos ocidentais acabaram incorporando elementos hinduístas e islâmicos. Menciono apenas o exemplo da Igreja do Priorado do Rosário (Mario Tavares Chicó. “A Igreja do Priorado do Rosário de Velha Goa, a arte manuelina e a arte do Guzerate”. Lisboa. 1954). No Brasil (incluindo a região de Campos, é claro), não houve tanta influência dos povos nativos e africanos. Sabe-se que integrantes dos povos nativos foram convertidos ao catolicismo. Nos domínios do Distrito de Campos, havia reduções indígenas com missionários europeus. Os nativos trabalharam na construção de templos, como na igreja de São Fidélis. Já as religiões de matriz africana tiveram de usar roupagem cristã para se esconder. Mas, houve uma certa adaptação da cultura católica romana ao Brasil. Os exemplos mais famosos são as esculturas do Aleijadinho, a música religiosa do Padre José Maurício Nunes Garcia e os elementos orientais na Igreja Nossa Senhora do Ó, em Sabará/MG. As igrejas católicas da antiga Capitania de São Tomé não diferem muito da matriz portuguesa. Em resumo, as influências orientais sobre a cultura ocidental em sua versão portuguesa, na Índia, foram muito mais fortes que as influências nativas e africanas no Brasil.
Mas voltemos ao plano da economia e da botânica. Continuo seguindo a lista de plantas feita por D. G. Dalgado (“Flora de Goa e Savantvadi”. Lisboa: Imprensa Nacional, 1898), valendo-me da contribuição de José E. Mendes Ferrão (“A aventura das plantas e os descobrimentos portugueses” - Lisboa: Instituto de Investigação Científica Tropical/Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses/Fundação Berardo, 1992).
O arroz (Oryza sativa) é originário do sul da Ásia, numa área que abrange o sul da China, o Japão, o Sudeste Asiático e o sul da Índia. A planta foi difundida pelo Oriente Médio por Alexandre. Na África, existe uma espécie nativa de arroz (Oryza glaberrima), assim como na América (Oryza mutica). Contudo, o arroz que hoje predomina no Brasil é o asiático. Não se pode afirmar que essa espécie de arroz tenha sido trazida de Goa pelos portugueses para o Brasil. Sabe-se que a espécie ganhou grande desenvolvimento em Goa e no Brasil. A região correspondente à antiga Capitania de São Tomé apresentava ambiente muito favorável ao cultivo do arroz com suas lagoas, banhados e brejos. No entanto, optou-se pela cana, que exigiu a macrodrenagem da planície aluvial.
As pesquisas indicam que a banana (Musa paradisiaca) é originária do Sudeste Asiático. Tanto o império alexandrino quanto os árabes tiveram destacado papel na sua difusão. A fruta ganhou variedades por meio das hibridações produzidas pelo ser humano. Na Europa, ela já era conhecida antes das grandes navegações. Garcia de Orta registrou sua presença em Goa. Ela foi levada pelos portugueses à África e à América. Supõe-se que, tanto na África quanto no Brasil, existiam espécies da família da banana (Musácea). No Brasil, registra-se o caso da pacoba. Enfim, ela se tornou uma fruta difundida pelo mundo todo, tanto plantada quanto vendida. Na área da antiga capitania de São Tomé, ela é plantada e vendida, embora seu valor econômico não se compare à cana.
A carambola (Averrhoa carambola) origina-se da Ásia ou das ilhas Molucas. Está presente em Goa, como registra Dalgado, e foi introduzida no Brasil com sucesso. Garcia de Orta registra a carambola em Goa e acredita que a planta veio das Molucas quando os portugueses andaram por essas ilhas à procura de cravo. Assim, ela teria sido introduzida em Goa, no Brasil e demais colônias portuguesas. A carambola é cultivada e muito conhecida em Campos e região, embora com baixo valor econômico. Costuma ser plantada em quintais e chácaras.
A manga (Mangifera indica) é a fruta mais apreciada em Goa, com diversas variedades, assim como na área da antiga Capitania de São Tomé. Seja na restinga, na planície aluvial, nos tabuleiros ou na zona serrana, a mangueira se adaptou muito bem a Campos e região. Trata-se de uma espécie facilmente encontrada nos quintais e nas ruas. É tão comum no Brasil e em Campos que passa por espécie nativa.
Existe grande polêmica sobre a origem do coqueiro (Cocos nucifera). Há pesquisadores sustentando sua origem asiática (Sudeste Asiático), enquanto outros atestam que ele já existia na América antes de Cristóvão Colombo. Não há dúvida de que espécies da família do coco (Arecaceae) encontravam-se em todos os continentes. Mas a hipótese mais aceita é que a fruta seja proveniente da Ásia. Garcia de Orta registra o coco em Goa. Da planta, obtém-se não apenas a poupa do fruto, como também a água com sódio, a cuia e as folhas e fibras. Ele se adaptou tão bem ao Brasil que é conhecido como coco-da-Bahia. Na área da antiga capitania de São Tomé, ele é encontrado tanto em quintais quanto nas ruas.
Supõe-se que a jaqueira (Artocarpus integrifólia) seja de origem indiana. Foi na Índia que os portugueses a viram pela primeira vez. Ela se adaptou muito bem ao Brasil. Chega a passar por espécie nativa da América. A planta cresce muito bem em florestas nativas, como no Parque Nacional da Tijuca, e apresenta variedades. É facilmente encontrada no território da antiga Capitania de São Tomé, tantos em quintais quanto nas ruas.
Em menor escala, a fruta-pão (Artocarpus communis) também está presente em Goa e no Brasil. É originária da Malásia. Foi levada para o oriente (Oceania) e para o ocidente (África e América). No Brasil, foi introduzida a partir de Caiena, em 1801. As primeiras mudas no Rio de Janeiro chegaram em 1809 e daí se alastraram para o interior da província.
O jambo (Syzygium jambolanum) é originário da Malásia ou da Índia. Deve ter se disseminado pela Ásia antes da chegada dos portugueses. Já existia em Goa e deve ter sido introduzido pelos portugueses no Brasil, onde se adaptou bem. Aqui, encontrou muitas outras plantas da próspera família das mirtáceas. Na área da antiga Capitania de São Tomé, o jambo encontrou condições ambientais favoráveis ao seu desenvolvimento.
Outro representante da família das mirtáceas é o cravo-da-Índia (Syzygium aromaticum), uma das famosas especiarias que chegavam da Ásia pelos muçulmanos e venezianos. Embora traga a Índia em seu nome, a planta é originária das ilhas Molucas e da Nova Guiné. Os portugueses devem tê-la trazido dessas ilhas. Mas a planta se adaptou muito bem na Índia e, particularmente, em Goa. O cravo é muito utilizado na culinária, principalmente na doçaria. Embora o craveiro não seja tão popular quanto a manga, trata-se de uma árvore que se adaptou bem ao Brasil e à capitania de São Tomé.
Já a canela (Cinnamomum verum), outra apreciada especiaria, é originária do Sri Lanka (antigo Ceilão). Também se adaptou bem ao clima tropical do Brasil, embora seu cultivo seja mais raro. É, como o cravo, muito usada na doçaria.
A amendoeira (Terminalia catappa) é também chamada de amendoeira-da-praia. Segundo estudiosos, tem sua origem na Índia e na Nova Guiné. A espécie se adaptou facilmente aos trópicos em todos os continentes. É muito comum considerá-la como espécie nativa do Brasil. É grande sua resistência às intempéries, sobretudo aos ventos. Germina com facilidade e está presente na arborização urbana. Sua sombra é muito apreciada, embora a arvore acarrete problemas ambientais. É muito comum em todo o território da antiga Capitania de São Tomé.
Por fim, duas árvores asiáticas que se adaptaram bem em Goa e no Brasil: o eucalipto (Eucalyptus sp.) e a Casuarina (Casuarina sp.). A primeira é originária da Austrália, mas já havia alcançado o Sudeste Asiático antes da chegada dos europeus ao oceano Índico. Tanto em Goa quanto no Brasil, é cultivada como planta de lavoura, acarretando impactos socioambientais. Plantado em larga escala, configura monocultura. Originária do Pacífico ocidental, a casuarina foi introduzida em Goa e no Brasil. É uma das poucas espécies arbóreas que resistem aos fortes ventos e à salinidade das praias da antiga Capitania de São Tomé. Suas folhas filiformes formam um tapete no solo que impede o desenvolvimento de plantas nativas dessas praias.
Mas espécies vegetais dos ecossistemas brasileiros foram introduzidas em Goa? No último capítulo dessa série, examinaremos esse tema.
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