Crítica a lockdown gera reações
Aluysio Abreu Barbosa 26/12/2020 10:20 - Atualizado em 26/12/2020 13:12
Os casos de infecção por Covid-19 em Campos continuam a alarmar as autoridades em Saúde. Até quinta-feira (24), a cidade tinha 13.235 pacientes contaminados pelo vírus e 524 mortos. Do total, 11.359 foram considerados recuperados. A ocupação de leitos clínicos e de UTI, das redes pública e contratualizada, era de 48% e 71%, respectivamente. Apesar dos registros crescentes, o vereador eleito Anderson de Matos (Republicanos), pastor da Igreja Universal do Reino de Deus (Iurd) e segundo mais bem votado (4.905 eleitores) para a Câmara Municipal, questionou o posicionamento do futuro secretário de Saúde, Geraldo Venâncio, sobre a possibilidade de lockdown no começo de 2021, caso os índices do coronavírus permaneçam em alta. Em resposta, médicos reafirmaram a necessidade de medidas duras.
No vídeo publicado contra o lockdown em Campos, Anderson dirigiu seus questionamentos a Geraldo Venâncio e afirmou que medida pode “piorar a situação”. Em tempo de eleição da nova Mesa Diretora da Câmara Municipal, Geraldo não quis responder ao vereador eleito, postura política que foi seguida pelo novo subsecretário municipal de Saúde, o também médico Paulo Hirano.
Outros médicos, porém, fora da política, que também defenderam o lockdown pelos mesmos motivos científicos de Geraldo e Hirano, reagiram às declarações do vereador eleito e pastor da Iurd:
— O vereador eleito diz que “sempre meu posicionamento será a favor da ciência”. O que os estudos mostram, os maiores especialistas dizem, é exatamente o contrário do que ele afirma. A população não adere satisfatoriamente ao distanciamento, mesmo com toda orientação passada. A obrigação do Estado é proteger a população mesmo que, para isso, medidas impopulares tenham que ser tomadas — destacou o médico infectologista Rodrigo Carneiro, cuja entrevista no dia 17, ao programa Folha no Ar, da Folha FM 98,3, gerou o debate sobre a necessidade da adoção imediata do lockdown para Campos.
— Com todo o respeito ao ilustre edil recém-eleito, seu posicionamento apresenta uma série de contradições, principalmente no que diz respeito a dados científicos de eficiência de lockdown. Isso é totalmente compreensível por não se tratar de um profissional da área de saúde. Acho que todos têm direito a opinião, porém, ao se tratar de assunto técnico e relacionado à área de saúde pública, devemos deixar as autoridades sanitárias, dr. Geraldo Venâncio principalmente, à vontade para tomar suas condutas com o objetivo claro de salvar vidas. Sabemos de todas as dificuldades econômicas, mas o que vemos diariamente no hospital é o reflexo da total irresponsabilidade da população em não seguir medidas de isolamento e a falta de ação do governo municipal para conter a Covid-19. Espero que o próprio vereador e a população campista entendam que medidas amargas devem ser adotadas para salvar vidas — disse o médico Cléber Glória, diretor-clínico da Santa Casa de Misericórdia, e um dos primeiros a alertar sobre o novo aumento dos casos em Campos.
— O lockdown deve ser avaliado considerando diversas variáveis, desde as taxas de transmissão à ocupação de leitos hospitalares, assim como também questões econômicas. É uma decisão de política pública de grande responsabilidade. O vírus continuará transmitindo mesmo com um lockdown mais radical e, caso haja uma decisão técnica pela secretaria de Saúde, o objetivo seria prevenir uma saturação na rede de assistência e impedir filas para leitos de UTI, por exemplo. O lockdown não é desejado por ninguém, porém liberar serviços sem a devida fiscalização resultará em um início de ano bem conturbado, após perspectivas reais de novas aglomerações. Quanto menos restrições, maiores devem ser as responsabilidades — alertou o médico infectologista Nélio Artiles.
Procurada pelo blog Opiniões para comentar as declarações do vereador, a médica infectologista Andreya Moreira, chefe da Vigilância em Saúde do governo Rafael Diniz (Cidadania), preferiu deixar a resposta com o gabinete de crise criado para combater a pandemia da Covid em Campos. Com a demanda gerada à superintendência de Comunicação (Supcom), o gabinete de crise enviou a nota:
— A decisão de mudança ou permanência de fase é tomada a partir de avaliação técnica criteriosa da Prefeitura, somada à análise do departamento de Vigilância em Saúde sobre o cenário epidemiológico. O modelo matemático e estatístico para avaliação da pandemia no município considera 12 indicadores que avaliam constantemente dois grandes grupos. Um diz respeito à disseminação do coronavírus nos últimos sete dias no município e o outro, à capacidade de atendimento da Saúde. Esse plano existe desde 1º de junho, vem surtindo efeito até o momento e continua em vigor. Essa avaliação inclui a ocupação de leitos.
Fala de vereador é criticada por acadêmicos
Nas redes sociais, a matéria com o vídeo do vereador eleito e pastor da Igreja Universal do Reino de Deus, questionando a orientação de vários médicos de Campos pela adoção do lockdown, também gerou críticas de acadêmicos da área de ciências humanas e de uma fiel da Iurd, que também é estudante da Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro (Uenf).
— Essa notícia (o questionamento do vereador ao lockdown em Campos) lembra uma cena da série da HBO sobre Chernobil (usina nuclear da extinta União Soviética que, em 1986, teve um incêndio em um dos seus reatores, causando contaminação e mortes por radiação). Um chefão do Partido (Comunista) esnoba o alerta de uma cientista, e ela lembra que é física nuclear, enquanto ele era gerente de uma fábrica de sapatos. Ao que o burocrata responde: “eu trabalhei numa fábrica e agora comando o Partido em Minsk, viva a República Socialista dos Trabalhadores Soviéticos”! Pois só faltou o cidadão (o vereador eleito) dizer igual: “vocês são médicos e eu sou vereador”! — comparou o historiador João Monteiro Pessôa, professor da IFF-Guarus, no grupo de WhatsApp do blog e do Folha no Ar.
— Esse futuro vereador é uma piada. Sou da Universal, mas nem em sonho votaria em alguém que nem a cidade conhece, e o que conhece é por terceiros. Deveriam se preocupar com a capacidade máxima que a Igreja não está controlando. A Igreja tem colocado as faixas de contenção nos bancos sim, tem álcool em gel e medição de distância. Porém, os fiéis e até mesmo alguns obreiros retiram as faixas e sentam. A Igreja fica aberta o tempo todo durante o horário de culto e isso acaba fazendo com que as pessoas entrem e sentem. Não há obreiros, pastores ou seguranças para conter a capacidade. Acho que são 2.000 lugares sentados, o que deveria ser aí por volta de 600 pessoas por culto. Mas não é o que parece. Além do mais, pessoas sintomáticas, tossindo e espirrando, frequentam normalmente. As obreiras e obreiros usam luvas para proteção. Porém, ao pegar as crianças que choram no salão, estão com as mesmas luvas que estão usando o tempo todo. Apenas acho que deveria haver um controle maior e mais cuidado. Sou e tenho orgulho da minha fé, mas estão deixando a desejar — comentou, no Facebook, a estudante universitária Patrícia Matias, fiel da Igreja Universal.

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