Folha Letras: Max de Vasconcellos
Vanda Terezinha Vasconcelos - Atualizado em 22/12/2020 19:12
Max de Vasconcellos
Max de Vasconcellos
Patrono da cadeira número 30 da Academia Campista de Letras, atualmente ocupada pelo magnânimo Dr. Fernando da Silveira, ilustre advogado campista.
Max Vasconcellos Azevedo nasceu em domicílio situado à rua José do Patrocínio, nº 23, em Campos, no estado do Rio de Janeiro, em 25 de maio de 1891. Filho de Sebastião de Vasconcellos de Azevedo e Ernestina Ribeiro de Azevedo. “O avô materno de Max de Vasconcellos (1814-1890), primeiro e único Barão e Visconde de São Sebastião — natural da Freguesia de São Sebastião, em Campos dos Goitacazes – RJ, era filho de Miguel Ribeiro da Motta e Rita Maria de Azevedo. Fazendeiro, produtor de açúcar e aguardente. Presidiu o banco de Campos em 1885. Foi coronel da Guarda Nacional e condecorado com a Imperial Ordem da Rosa pelos serviços prestados à cidade de Campos”. (Eigenneer, Emílio Maciel p. 110).
“A mãe era filha do Barão, Visconde, de São Sebastião e, segundo Ruy Gonçalves, teve grande dificuldade de relacionamento com o pai, ‘odiado pelo pae, que não o podia supportar, sem se ter averiguado bem a razão deste ódio(...).’
Uma possível explicação para este fato seria o rumoroso caso da internação de sua mãe, em 1897, no Hospício Nacional de Alienados, esteve antes em um hospício de Barbacena, por suposta doença mental. Pela documentação disponível, ao que parece, tratava-se de uma artimanha do pai de Max para se apoderar dos bens da esposa. Depois de muita polêmica, foi ela retirada do hospício. O caso foi um marco para demandas jurídicas deste tipo em sua época, contrapondo advogados e médicos” (Eigenheer, Emílio Maciel, p. 13).
“Estudou numa das filiais do renomado Colégio Abílio, em Niterói. A escola funcionava na casa que pertencera ao Barão de Icaray e onde se estabeleceu, mais tarde, o Colégio Brasil.”
“Em 1910, com 19 anos, empreendeu uma viagem à Europa citada por Gilberto Freyre. Esteve na Itália (Genova) e depois em Paris (via Suiça), em uma viagem aventureira e sem dinheiro”.
Max e o amigo Astrogildo Pereira, sempre sem dinheiro, tiveram que ser repatriados por brasileiros generosos que, além das passagens, deram a cada um 50 frs, que usaram comprando 100 frs de livros. Retornaram ao Brasil sem dinheiro, mas abastecidos de livros.
“Eigenheer, Emílio Maciel, em seu livro; ‘Max de Vasconcellos: O Poeta da Agonia’, 2012, relata que “este trabalho, dedicado ao resgate da produção do poeta Max de Vasconcellos, é fruto de parcerias e apoios institucionais diversos.”
Cita o autor a colaboração do centro comunitário de São Francisco (Niterói), que, através do Programa de coleta seletiva de lixo, propiciou o contato inicial com materiais relativos a Max de Vasconcellos, encontrados no arquivo de Lourenço de Araújo e recuperados pela coleta seletiva do bairro. Continua relatando que estão dando assim, continuidade à serie “Boêmios do Café Paris” e ao estudo do mais importante movimento literário de Niterói, a “Roda Literária do Café Paris”, com influência em outras cidades do Estado do Rio de Janeiro. E teve destaque a figura de Max de Vasconcellos na vida literária e boêmia de Niterói, na década de 1910, tornando-se uma referência do Café Paris. Destaca a beleza de seus poemas, “notadamente os que tratam da enfermidade da vida (vanitas).”
Segundo Lourenço de Araújo, foi Max o primeiro a designar como “Cenáculo” a roda literária (a mais antiga de Niterói) que se reunia neste célebre café. O grupo passou depois a se chamar Cenáculo Ambulante e deu origem, em setembro de 1923, ao até hoje ativo Cenáculo Fluminense de História e Letras, sediado em Niterói.
“As referências a ele, por parte de seus contemporâneos, destacam seu brilhantismo desde os bancos escolares, o temperamento às vezes explosivo, a solidariedade humana, além da vida desregrada de boêmio que o levou a falecer, tuberculoso, ainda jovem, antes de completar 28 anos, em precária situação. Não publicou livros apesar de ter deixado uma produção elogiada e, segundo alguns, até volumosa, parcialmente dispersa em jornais e revistas da época. Nos bares, compunha seus versos em guardanapos, e não hesitava em declamá-los, o que fazia, com maestria, nos recintos que frequentava e até mesmo nas ruas”.
“Escreveu-se que material por ele deixado teria sido reunido para publicação e estaria em mãos de amigos ou mesmo de posse da Academia Campista de Letras. Lamentavelmente, como já acontecido com outros autores, isto não ocorreu, e sua produção jamais foi publicada. Teme-se que se tenha perdido.”
Poliglota, escreveu em romeno a poesia “Doina” (canção popular típica do país, que pode ser comparada ao fado).
Doina
 
Alegria das brandas madrugadas
Com mugidos nos campos e currais
E, das velhas aldeias nos casais
Galos cantando frescas matinadas.

Calma farta das tardes estivais
Quando há cantigas broncas e magoadas
Que se perdem na poeira das estradas,
A ave batendo pelos arraiais.

Noites macias, sonhos a escorrer
Na frescura do linho que as Avós
Fiam às portas, prestes a morrer.

Boas Horas de Paz do meu Lugar,
Dez anos maus de vida errante após,
Quando vos lembro ponho-me a chorar ...
Em relato primoroso de Armando Gonçalves tratou Max de Vasconcellos como o poeta da “agonia”.
“Foi um torturado durante toda a sua vida de boêmio, no sonho eterno de uma arte que não chegou a realizar plenamente”.
Também descreveu Max: “Tipo franzino, cabelos castanhos, olhos excessivamente brilhantes, gestos bruscos e, às vezes, violentos, ora um feixe de nervos a vibrar; todo o seu organismo transmitia o que lhe ia na alma de estranha e incontida sensibilidade.”
“De todas as matérias do curso ginasial, a sua predileção pelo vernáculo se acentuava e, nos exames, como nas aulas, discutia com seus examinadores e seus Mestres.”
“Não se convencia de primeira vista; contrariava, assim, o dognatismo científico, revelando-se um inimigo terrível de quantos pretendiam impor as suas opiniões sem prévia análise.”
“Fora das aulas, em lugares ocultos às vistas do diretor, simulava junto aos colegas da mesma força verdadeiros processos criminais contra um colega que, imaginariamente, se achava no banco dos réus.”
“Organizando o corpo de jurados, lidos pelo escrivão as peças e os depoimentos das testemunhas, o promotor iniciava, após a leitura do libelo, a acusação perante uma assembleia de foragidos das aulas do dia.”
“Max se constituía o advogado de defesa; ei-lo no galho de uma árvore transformada em tribuna, a recitar, ainda uma vez, o sermão de Mont’ Alverne para o início de um discurso brilhante em que se revelava o advogado que não chegou a ser.”
“Do Colégio Abílio, Max seguiu para a capital da República, numa época em que a corrente anarquista conseguia adeptos.”
“No testemunho de um de seus amigos de crença libertária, ‘Max não lia Tolstói, porque considerava um brando o grande romancista russo, preferia as teorias de Kropolkine, Karl Marx ou Paulo Berthelot, o grande revolucionário que morrera num convento dominicano,.”
Resolveu, um dia, formar-se em direito; é Lourenço de Araújo quem o conta em uma página bem inspirada.
Não podendo pagar a matricula, requereu ao ministro a sua gratuidade no curso que pretendia iniciar. O requerimento foi indeferido.
Negada a sua pretensão, Max faz outro requerimento, mas em versos. Reune-se a congregação, e o candidato é admitido pela revelação de seu talento brilhante naquelas “rimas de ouro”.
Passou a vida dos párias dormindo nos bancos dos jardins e, às vezes, com dez ou doze companheiros, num tugúrio mal iluminado onde apenas três encontrariam abrigo.
Foi, no dizer de um dos seus biógrafos, “o diamante negro que um dia terá o seu lugar de direito, o lugar merecido — será engastado na História da Boemia Brasileira. Sonhou, sofreu, e, no crepúsculo dourado e azul da Primavera, morreu como artista”.
Eduardo Tourinho, em seus relatos sobre Max de Vasconcellos — citaremos algumas partes do seu texto, da mencionada bibliografia: “Café Belas Artes”, “Jeremias”, “brasserie” —, diz que varava a noite a sustentar o espírito romântico e o corpo linfático a excitantes álcool e fumo.
Tinha, também, “lacunas de caráter”, a “educação cortada de contratempos”, impaciências sutis, movimentos nervosos, um ódio calado à vitória do medíocre e do banal, uma surda revolta contra as injustiças da vida...
Detestava a disciplina e era um cordial inimigo da rotina e do sistema...
“Representava ao vivo — quase um século depois — as figuras de Murger. Nascera artista e boêmio. E, tal ‘O homem dos miolos de ouro’, de Daudet, a cada instante arrancava do cérebro pepitas de gênio. Ah! Era de vê-lo naquele trajar descuidado — uma de suas características.”
“Ao voltar de certa vilegiatura na Itália, afastara-se da família e da cidade de Campos — que o viu nascer. À mingua de afeições e à carência de recursos, afundava-se na inutilidade e — nevrose suicida — abismava-se nos tóxicos. O espírito pulcro, somente, guindava-se ao azul, às alturas infinitas, como que em busca de um bem que a terra não possui.”
“Um traço de sua boêmia: — Numa excursão de estudantes a São Paulo, afastara-se dos companheiros logo ao saltar do trem. Durante vários dias não foi visto. E quando — à véspera do regresso ao Rio — reapareceu, estava transfigurado: roupa nova no corpo e dinheiro nas mãos. Estranho milagre que ele explicou nestas palavras:
— Disse no Brás, a quanto italiano me quis ouvir, versos de Stechetti a quinhentos réis por cabeça...”
“E ele — pobre passante das calçadas da Avenida e da Lapa de outros tempos — morreu assim, a tossir sangue, a mirar a agonia da tarde, pelas vidraças de uma enfermaria de hospital, a curtir ânsias, mágoas, pesares, abismais dores de noite sem fim...”
Continua na próxima edição da Folha Letras com autoria da presidente da ACL*

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