Irregularidade além da rejeição de contas
Arnaldo Neto 31/03/2018 21:01 - Atualizado em 01/04/2018 12:15
Felipe Quintanilha
Felipe Quintanilha / Folha da Manhã
“A gente não comemora essa decisão. Isso é muito triste para o município. Mas, de certa maneira, não deixa de ser um alento de justiça sendo feita. Para a gente que viveu as entranhas das finanças públicas em 2017, e eu posso falar porque trabalhei o ano inteiro mergulhado nisso, a gestão de 2016 foi surreal, foi muito malfeita. Mais de R$ 200 milhões de despesas contraídas sem empenho. Isso é flagrante, é ato de improbidade! A irregularidade vai além da rejeição de contas: é ato de improbidade, em minha visão”, afirmou Felipe Quintanilha, ex-secretário de Transparência e Controle do governo Rafael Diniz, sobre a recente decisão do Tribunal de Contas do Estado (TCE) do Rio de Janeiro, que emitiu parecer pela reprovação das contas de 2016, último ano da gestão Rosinha Garotinho.
O relatório será votado pela Câmara Municipal. Caso confirmada a reprovação, Rosinha fica inelegível. Contudo, de antemão, a rejeição atestaria os dados apresentados pela auditoria realizada pela equipe de Rafael nas contas municipais. Por outro lado, o marido da ex-prefeita, o ex-governador Anthony Garotinho, atribuiu à gestão atual uma “oposição odiosa” ao seu grupo político que teria influenciado na decisão da Corte de Contas.
Na última terça, o TCE reprovou pela primeira vez as contas da ex-prefeita, que ficou oito anos à frente do cargo em Campos. Primeira vez também que a decisão foi tomada exclusivamente pelo corpo técnico do colegiado, já que a maior parte dos conselheiros está afastada após ter sido presa na operação O Quinto d’Ouro. A ação foi deflagrada a partir da delação do ex-presidente Jonas Lopes de Carvalho — que chegou à Corte de Contas por indicação, em 2000, do então governador Garotinho — e do filho dele, o advogado Jonas Lopes Neto.
Em seu voto, a conselheira substituta Andrea Siqueira Martins apontou sete irregularidades. Segundo ela, a administração municipal abriu créditos adicionais sem cobertura suficiente, o que gerou déficit de R$ 94.913,97; não enviou documentos contábeis relativos à comprovação de superávit financeiro nas fontes específicas mencionadas nas aberturas de créditos adicionais totais de R$ 387.974.595,71; realizou despesas no total de
R$ 210.560.314,88 sem a devida cobertura orçamentária, sendo R$ 188.556.981,26 não empenhadas e R$ 22.003.333,62 que tiveram seus empenhos anulados, além de cancelar, sem justificativa neste processo, Restos a Pagar de despesas liquidadas no valor de
R$ 11.562.161,90.
O voto da conselheira substituta indica também que o mandato da ex-prefeita Rosinha Garotinho, encerrado em 2016, teve déficit de
R$ 220.298.800,35; utilizou
R$ 554.392,90 da verba do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb) de forma irregular; retirou recursos da conta do mesmo fundo, no montante de R$ 2.374.020,12, sem a devida comprovação; assunção de obrigação de despesa, nos dois últimos quadrimestres do mandato, que não possa ser cumprida integralmente dentro dele, ou que tenha parcelas a serem pagas no exercício sem que haja suficiente disponibilidade de caixa para sua cobertura, considerando a insuficiência de caixa apurada no valor de R$ 222.350.553,88.
— É tudo aquilo que a gente já tinha reconhecido no relatório que a gente fez. A questão da maior parte das contratações sem cobertura de empenho, são mais de
R$ 200 milhões. A ementa do voto fala isso, que é o flagrante maior: mais de R$ 200 milhões de despesas contraídas sem empenho. A questão dos cancelamentos de empenho também. Eram os dois pontos, em minha opinião, mais visíveis — destacou Quintanilha, atual secretário de Desenvolvimento Econômico de Campos.
O processo trouxe ainda 13 impropriedades, 22 determinações e três recomendações. A equipe da Prefeitura já está destrinchando o voto que pode ter recomendações, inclusive, sobre as dívidas sem empenho com empresas.
Total da dívida herdada chega a R$ 2,4 bilhões
Logo no início do governo Rafael Diniz, a equipe apresentou os saldos financeiros encontrados nos cofres do município de Campos e as dívidas herdadas da gestão anterior. O total de dívidas foi de R$ 2,4 bilhões, enquanto em caixa teria menos de
R$ 25 milhões. Nesse montante de débitos estão incluídas as parcelas da “venda do futuro”. Segundo Quintanilha, o parecer do TCE comprova tais números.
Nos últimos anos, a gestão Rosinha Garotinho “vendeu o futuro” de Campos por três vezes. Foram dois empréstimos com a Caixa: um de cerca de R$ 200 milhões e outro de mais de R$ 762 milhões, sendo que do segundo empréstimo ficou com
R$ 562 milhões, já que utilizou parte desta segunda “venda” para quitar o primeiro. Em 2014, a gestão da ex-prefeita Rosinha Garotinho já havia pegado um empréstimo de cerca de
R$ 200 milhões junto ao Banco do Brasil.
Quintanilha explica que além da “venda do futuro”, os valores de débitos incluem obras sem empenho; mais de R$ 30 milhões não pagos a hospitais filantrópicos; dívidas com os servidores públicos; o RPA de dezembro de 2016; plano de cargos e salários da Educação; indenização dos funcionários do CCZ; rescisões de todos os comissionados e a chamada dívida fundada (que pode ter sido contraída na gestão Rosinha ou em anteriores). A soma chega aos R$ R$ 2,4 bilhões apresentados no início da gestão.
— Temos um universo de R$ 400 milhões de dívidas que ela efetivamente deixou, R$ 1,3 bi da “venda do futuro” e cerca de R$ 700 milhões de dívida fundada que pode ter parte dela, mas pode ter de outros prefeitos também.
Garotinho tenta apontar outros “culpados”
No dia seguinte à decisão do TCE, coube ao marido dela, secretário de Governo da gestão, a missão de encontrar “culpados”. Em seu blog, Anthony Garotinho afirmou que “a Prefeitura de Campos, cujo governo atual, de Rafael Diniz, é de oposição odiosa ao nosso grupo político, prestou informações ao TCE incompletas e erradas”. Quintanilha rebate tal tese.
— Eles estão chateados porque a gente fez um relatório que substanciou o voto, certamente. O relatório que a gente faz é obrigação. Eu mandei absolutamente tudo que a gente encontrou da gestão passada para que o Tribunal analisasse. Não estou fazendo juízo de valor. Quem analisa as contas e faz o parecer é o Tribunal de Contas.
De acordo com Garotinho, Rosinha luta para “corrigir essa injustiça”. A publicação do político da Lapa destaca que a ex-prefeita não foi citada pessoalmente para prestar as informações. Na sessão do TCE a relatora do processo, a conselheira substituta Andrea Siqueira Martins, ressaltou que a defesa da ex-prefeita tentou retirar o processo da pauta. O pedido foi apresentado pelo advogado Matheus da Silva José, ex-procurador de Campos, mas foi indeferido.
A atual secretária da Transparência e Controle, Marcilene Daflon, observa que “toda a documentação apresentada na prestação de contas foi a encontrada na contabilidade da Prefeitura de Campos, em janeiro de 2017, e refere-se à execução orçamentária ocorrida durante o ano de 2016”.
A Folha não conseguiu contato com Suledil Bernardino, secretário de Controle e Orçamento de Campos na gestão Rosinha Garotinho.
Análise sobre empresas que não receberam
Felipe Quintanilha diz que o município ainda avalia formas de resolver a situação de quem prestou serviço na gestão anterior, mas não conseguiu receber. Segundo ele, pelo menos 100 empresas têm dinheiro preso de 2016 ou anos anteriores.
— Imagina a situação: você é contratado, executa uma obra ou entrega um bem, tem o empenho na mão. Tira a nota fiscal e a Prefeitura cancela seu empenho, como se a sua dívida não existisse. Isso é mais esdrúxulo do que qualquer outra coisa. Tanto é que a primeira coisa que o relatório do TCE traz na ementa é isso: mais de
R$ 200 milhões sem cobertura de empenho — disse.
Ainda de acordo com Felipe, a Prefeitura analisa uma forma de reconhecer as dívidas. Ele acrescenta que, de fato, muitas empresas tinham notas fiscais atestadas por servidores, mas sem cobertura de empenho. “O que estamos tentando viabilizar é — como Curitiba e Petrópolis fizeram — enviar um projeto de lei para Câmara para buscar fazer o reconhecimento de dívidas. Agora, com a rejeição das contas, esse relatório vindo, é mais um documento que a gente vai analisar. Quando eu mandei o relatório para o Tribunal, isso lá em maio, eu mandei inclusive uma planilha com cada uma das empresas e com os processos de pagamento que estavam sem empenho. A licitude do pagamento precisa de um reconhecimento de dívida. A gente está em discussão sobre esse procedimento”.

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