Tráfico impõe medo em Guarus
31/03/2018 20:00 - Atualizado em 02/04/2018 15:45
Escolas chegaram a ficar sem aulas
Escolas chegaram a ficar sem aulas / Folha da Manhã
A guerra do tráfico na disputa por pontos de drogas, em Guarus, deixou cerca de três mil alunos de oito escolas dos bairros Parque Eldorado e Codin, sem aulas na semana passada. A suspensão das aulas ocorreu na última quarta-feira (21). A secretaria de Educação, Cultura e Esporte suspendeu as aulas sob a justificativa de preservação da integridade física de funcionários e alunos. No mesmo dia, através de redes sociais, formam divulgadas fotos de cartazes colados em postes próximos das escolas desses bairros, com “avisos” de supostos integrantes da facção do tráfico de drogas Amigos dos Amigos (ADA), rival de outras facções presentes tanto no Eldorado como na Codin. No entanto, perto de escolas do Parque Santa Rosa, onde haveria traficantes ligados a ADA, também havia cartazes em postes. Antes, mensagens, supostamente de traficantes, circularam nas redes sociais, com a ordem de fechamento das unidades. Moradores do bairro também se viram impedidos de transitar, pelo temor de confrontos. O 8º Batalhão de Polícia Militar (BPM), disse não ter sido informado, pela Prefeitura, sobre as ameaças a escolas. O caso foi parar no Ministério Público Estadual, que dentre as medidas, ajuizará o Estado para que o efetivo do 8º BPM receba reforço e possa dar ao comando da unidade a capacidade de aumentar o patrulhamento em Guarus.
Fato é que, em meio à intervenção federal na Segurança Pública do estado do Rio, a insegurança reina em Guarus, com as recorrentes “brigas de gangues” do tráfico. Com a população e a comunidade escolar reféns do medo e a violação do direito de acesso à Educação, de crianças e adolescentes, chamaram a atenção do Ministério Público Estadual, que abriu inquérito para apurar o incidente e anunciou que ajuizará ação para obter, do governo do Estado, mais policiais para Campos.
Tudo teria começado na segunda-feira (19), após um tiroteio no conjunto habitacional do Eldorado, que se repetiu na terça (20), quando, por redes sociais, circulou a informação de uma possível invasão de traficantes que seriam do Terceiro Comando Puro (TCP), que “comanda” o tráfico no bairro. Na quarta (21), o fechamento das escolas do Eldorado e Codin teria sido ordenado também pelo TCP, por mensagens de WhatsApp.
— Eles (traficantes) não costumam mexer com os trabalhadores das escolas, não. Estranhei quando fui levar meu filho e as ruas estavam vazias, nem tinha gente indo pro trabalho e os comércios, tudo fechado. Mas era cedo. Aí, chegamos e ia ter aula e, depois, não ia ter mais. Tive de voltar com meu filho, pegamos a maior chuva e num pude ir trabalhar também — contou uma mãe, que, por questões de segurança, teve a identidade preservada, assim como o nome da unidade escolar e o bairro em que o filho estuda.
No mesmo dia, já fora das redes sociais, nos postes de áreas de Guarus com atuação do tráfico, integrantes da ADA avisavam que quem insistisse em assaltar comércios locais, usar drogas ou traficar perto das escolas, além de desrespeitar crianças, meninas e funcionários das escolas seriam “abraçados pelo papo”. “Bem na verdade, depois desses avisos, não teve mais morte e assalto por aqui. De primeiro, todo dia morria um e quem tinha de passar por perto do Rotary II (Custodópolis) já ia sabendo que ia ser assaltado”, contou um morador de Guarus, também não identificado por questões de segurança.
O fechamento das escolas e o aviso nos postes teriam sido desencadeados por ocorrências de violências em áreas de facções rivais. No domingo (18), uma adolescente de 17 anos e um jovem de 22 foram baleados na comunidade do Sapo I, Eldorado, e buscaram refúgio dentro de uma igreja. A adolescente morreu no local. Na mesma noite, na Codin, três jovens foram baleados por terem se recusado a fazer o sinal representativo de uma facção criminosa. Na mesma área, um homem de 33 anos foi atingido por vários tiros quando chega à casa. Na segunda-feira (19), já no Parque Santa Rosa, uma guarda mirim de 16 anos foi morta a tiros, no portão de casa.
PM reforça patrulhamento
PM reforça patrulhamento / Folha da Manhã
Insegurança que fecha escolas
“A cidade toda sofre o impacto da violência e as escolas também sofrem consequências”, resumiu o secretário municipal de Educação, Cultura e Esporte, Brand Arenari, sobre a situação em Guarus.
— O município, nesta região dos bairros Parque Eldorado e Codin, foi impactado por uma onda de violência pouco vista na sua história e isso fez com que alguns pais ficassem com medo de levar seus filhos para estudar e que algumas escolas precisassem fechar por falta de segurança. Nós, que cuidamos das escolas, temos a expectativa que os órgãos responsáveis pela segurança funcionem, para que nos preocupemos tão somente com o aprendizado e com o cuidar dos nossos alunos — complementou, anunciando ainda, para os próximos meses, a implementação de uma série de projetos sociais nas unidades escolares atingidas.
A Guarda Civil Municipal intensificou o patrulhamento do Ronda Escolar nas escolas da região, assim como a permanência de guardas nas unidades enquanto houver necessidade para garantir o funcionamento das unidades. O comandante Fabiano Mariano disse que o patrulhamento também foi intensificado nas ruas e praças dos bairros citados.
O comando do 8º Batalhão de Polícia Militar também se comprometeu, em reunião no Ministério Público, a reforçar o patrulhamento na região, dentro das possibilidade do reduzido efetivo. Ante à deficiência de pessoal, o Ministério Público, vai ajuizar ação para que governo estadual aumente o número de policiais em Campos. Com relação ao fechamento das escolas, o delegado da 146ª Delegacia de Polícia (Guarus), Luís Maurício Armond, faz uma alerta.
— Nós fomos a todas as escolas fechadas e nenhum professor ou funcionário relatou qualquer violência. Há um conflito em Guarus e eu entendo que as pessoas ficam receosas, mas dar credibilidade ao que pessoas irresponsáveis divulgam em redes sociais, levando à suspensão de aulas, acaba gerando mais conflito. A orientação é que, antes de tomar qualquer atitude, a polícia seja comunicada — concluiu.
Sociólogo da Uenf faz análise
O posicionamento dos moradores e da comunidade escolar e a violência desencadeada por facções criminosas em Guarus condizem com a análise da situação feita pelo sociólogo e professor da Universidade Estadual do norte Fluminense - Darcy Ribeiro (Uenf), Roberto Dutra, que foi diretor do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) e acompanhou uma pesquisa sobre o tráfico, em 2015.
— O Estado detém o monopólio da força e, se não controla essa força, não faz mais nada. Aí, o tráfico se propõe a criar ‘regras de boa convivência’, substituindo o Estado e não há como ter escolas funcionando nessa situação. Para entender essa situação é preciso diferenciar área do tráfico de áreas deflagradas. Todos sabemos, por exemplo, do tráfico estabelecido na Tira Gosto. Pesquisas mostram que o tráfico estabelecido tende a pacificar, pois a violência custa caro, não é racional para a máfia. O que acontece em Guarus é a presença de gangues juvenis, uma inexistência de comando — explicou o sociólogo, acrescentando que não acredita ser impossível extirpar o tráfico, mas que diz serem necessárias essas “regras de boa convivência para a própria sobrevivência dos moradores e da comunidade escolar.
No último dia 8, as polícias Civil e Militar prenderam Francio da Conceição Batista, 34 anos, na Operação Caixa de Pandora. Conhecido como Nolita, ele seria o chefe do tráfico de drogas do Parque Santa Rosa. Para as autoridades policiais, a prisão de Nolita representaria uma redução da violência em Guarus. No entanto, desde então, aumentou o número de vítimas de assassinatos e tentativas de homicídio na região. Moradores comentam que a área virou “terra de ninguém”.

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