Descendo longa ladeira de skate
Folha da Manhã, Campos dos Goytacazes, 04 de junho de 2017
Descendo longa ladeira de skate
Arthur Soffiati
 
Na minha avaliação, o processo de ocidentalização a que assistimos agora, começou em 1415, quando Portugal tomou a cidade muçulmana de Ceuta, no norte da África. Sei muito bem que, em história, uma tendência ou uma estrutura não muda da noite para o dia. Não é em um ano que se passa de um mundo fechado para um mundo aberto. Não se dorme numa Europa centrada em si mesma e se acorda na Europa disseminada pelo mundo. Estou adotando 1415 como data simbólica, assim como se faz com o sete de setembro de 1822 para a independência do Brasil.
Sugiro um exercício metafórico: transformar os 602 anos decorridos entre 1415 e 2017 em espaço. Em vez de um tempo de 602 anos uma rampa de 602 metros. No alto dela, um skatista incumbido de descer. Ele dá a partida. A velocidade aumenta à medida que ele avança. Logo no início, avisam-no de que existe um precipício no fim da rampa. Ele pode frear o skate por não ter desenvolvido ainda grande velocidade e ter muito espaço na rampa. No entanto, o buraco no fim da pista só é percebido pelos técnicos da corrida quando o skatista está no final dela. A velocidade é muito alta e não é mais possível frear o pequeno veículo.
Esta é uma metáfora que vale para a globalização ocidental. Estamos na ponta mais baixa da rampa, em alta velocidade, e só agora nos avisam do perigo. Os socialistas nos advertiram com ênfase sobre as contradições sociais ampliadas com o avanço do capitalismo. Primeiramente, entre o início da expansão marítima e a revolução industrial, que eles denominam período da acumulação primitiva. Depois da revolução industrial, as contradições se acentuam e caminham para uma revolução proletária. Ela foi deflagrada na Rússia há exatamente um século. Dizem que o socialismo representaria um rompimento com o capitalismo e início de uma nova era da humanidade. Alguns países mais acompanharam a Rússia: Mongólia, China, Europa Oriental, Cuba...
As relações sociais se transformaram, mas não tão profundamente. Prometeu-se uma sociedade sem classes, promessa não cumprida. O projeto socialista era romper com o capitalismo nos planos econômico e social, mas não no tecnológico. A tecnologia predatória que o ocidente desenvolveu seria colocada a serviço de uma sociedade sem classes. Não houve o projeto de uma nova tecnologia. Não houve uma discussão sobre as relações da sociedade com a natureza. Os países socialistas destruíram a natureza tanto quanto o capitalismo. E de forma triunfal. Eles deram significativa contribuição para agravar a crise ambiental da atualidade.
Depois da Segunda Guerra Mundial, começamos a perceber que as alterações nos sistemas naturais estavam nos causando problemas. Durante nove por cento da história da globalização, abusamos da atmosfera, dos mares, da água doce, das florestas, da biodiversidade, de toda a natureza. Não nos demos conta de que não podemos ficar sem respirar por mais de alguns minutos. Não percebemos a importância dos mares para o clima, da água doce para a nossa vida, da biodiversidade para garantir a qualidade da nossa vida.
Acreditamos substituir os sistemas naturais e até mesmo potencializá-los com fertilizantes químicos, agrotóxicos, produção de vegetais e animais em massa. Na perseguição dessa quimera, estamos causando um estrago muito grande no ambiente natural. Com toda a ciência e tecnologia humanas, ainda não conseguimos engenhos que consigam, em larga escala, sustentar uma população de oito bilhões de habitantes, a capacidade de troca catiônica do solo, a produção de fotossíntese, o desempenho dos equilíbrios naturais como a biodiversidade, que mantenham a composição adequada da atmosfera para a vida, que promovam o controle climático das florestas. Bem ao contrário, estamos destruindo essas tecnologias que a natureza construiu em milhões de anos sem pensar em nós, até porque o conjunto da natureza não pensa.
Por outro lado, ainda não inventamos naves espaciais ultra velozes que possam transportar um número considerável de humanos, animais e vegetais para os planetas habitáveis próximos do nosso sistema solar. Tenho atualmente a sensação de que alguém está transtornado: ou os otimistas ou uns poucos realistas entre os quais me incluo. A esmagadora maioria da humanidade não participa dessa discussão, mas também contribui significativamente para a destruição da Terra.
Pela ótica do meu melancólico realismo, examino os entusiastas do chamado progresso. Eles parecem presidiários que destroem o que lhes permite viver dentro de suas celas enquanto que, pelas grades, assestam poderosos telescópios para o espaço. Então, eles ficam eufóricos em delirar que sairão de suas celas e que se transferirão para outro planeta. Depois da destruição do novo lar, perambularão pelo espaço.
Se não temos como sair da prisão, o jeito é cuidar bem dela. Isso custará tempo. Temos o século XXI para frear o skate e mudar seu rumo.

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    Aristides Soffiati

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