Por ajuste fiscal e apoio federal
Aluysio Abreu Barbosa, Arnaldo Neto e Matheus Berriel 29/04/2017 15:01 - Atualizado em 03/05/2017 13:53
O Estado do Rio não tem solução sem o projeto de recuperação fiscal e o socorro da União? Não, segundo o governador Luiz Fernando Pezão (PMDB). Reflexo mais visível na região da situação financeira fluminense, considerada “falimentar” pelo secretário estadual de Fazenda Gustavo Barbosa, a crise da Universidade Estadual do Norte Fluminense (Uenf) só teria solução com a aprovação do plano de recuperação fiscal, que encontra forte oposição entre os servidores da universidade e todo o Estado. Pezão garantiu estar “equivocada” a visão de que seu governo promove o desmonte da maior instituição de ensino superior de Campos e da região. Nesta entrevista, ele afirmou duas vezes: “Reconheço a importância da Uenf”. Mas ressalvou que sua prioridade é pagar os servidores, incluindo os 950 da universidade, sem receber 13º de 2016 e março deste ano.
Folha da Manhã – O senhor foi vice de Sérgio Cabral (PMDB) nos quase oito anos dele como governador. E antes que se elegesse ao cargo, em 26 de outubro de 2014, já tinha assumido o Palácio Guanabara desde 4 de abril daquele ano, quando Cabral renunciou. Em que momento teve consciência do quadro que herdou nas finanças fluminenses?
Luiz Fernando Pezão – Assim como ocorreu em âmbito nacional, a segunda metade do ano de 2014 e, especialmente, o último trimestre daquele ano, trouxe um brusco agravamento do quadro econômico do país e, sobretudo, do Estado do Rio de Janeiro, que surpreendeu até mesmo os mais pessimistas. A receita de ICMS do Estado, que vinha apresentando crescimento consistente até junho de 2014, registrou, já no segundo semestre, os primeiros sinais negativos. A arrecadação real de ICMS, descontada a inflação, que havia aumentado 8,8% em 2013 ante o ano anterior, caiu 3,4% em 2014. As investigações sobre a Petrobras também se intensificaram a partir da segunda metade do ano, com influência negativa sobre os investimentos da empresa, que se agravaria muito no ano seguinte. O preço do barril de petróleo, que havia atingido o seu recorde na metade de 2014, já caía no fim do ano. Infelizmente, a situação se agravou muito a partir do início de 2015, com a retração abrupta nos preços do petróleo, a redução dos investimentos da Petrobras e, sobretudo, a depressão da economia brasileira.
Folha – O rombo nas contas do Estado neste ano é de R$ 22 bilhões, fruto de uma combinação de recessão econômica, retração nas atividades da indústria do petróleo, queda de arrecadação, déficit previdenciário e denúncias de corrupção generalizada. Seu secretário de Fazenda, Gustavo Barbosa, já admitiu que “a situação é falimentar”. Como sair dela?
Pezão – De todos os motivos que você cita para o agravamento da crise do Estado, ainda que todos sejam determinantes, o mais grave é o da Previdência. Somente a Previdência pública vai registrar no Estado, em 2017, um déficit em torno de R$ 13 bilhões. Lutamos muito para superar, internamente, esses desafios. No ano de 2015, foram gerados R$ 11 bilhões em receitas extraordinárias, com a expectativa de que, enquanto medidas estruturais de longo prazo fossem gestadas, a economia brasileira reagiria efetivamente, a partir do segundo semestre. Infelizmente, a situação se agravou substancialmente, no Estado e no país. A saída para a grave crise financeira do Estado do Rio de Janeiro é, como tenho enfatizado, o plano de recuperação fiscal dos estados. O plano enviado pelo governo federal ao Congresso nasceu do termo de compromisso firmado, no fim de janeiro passado, com o Estado do Rio. O plano significa, para o Estado, um ajuste em torno de R$ 62 bilhões em três anos. É, portanto, crucial para o reequilíbrio fiscal fluminense. Tenho lutado muito, em Brasília, para a aprovação do plano na Câmara e no Senado e já registramos vitórias importantes. Simultaneamente, estamos construindo medidas para elevação da receita, que poderá significar a geração de R$ 1,5 bilhão no curto prazo. Entre elas, está a securitização da dívida ativa, a antecipação da venda da folha de pagamento, a antecipação de pagamento de tributos de empresas, segundo condições previstas em projeto de lei enviado, nesta semana, à Assembleia Legislativa .
Folha – A Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan) prevê que, mesmo com o plano de recuperação fiscal, o Estado voltará a arrecadar mais do que gasta só em 2029. E apenas em 2038 seria capaz de pagar, integralmente, os juros e a amortização da dívida com a União. É possível encurtar o caminho dessas previsões? E como não se desviar delas?
Pezão – Na nossa avaliação, o reequilíbrio fiscal do Estado do Rio será realidade em três anos, caso o plano de recuperação fiscal seja aprovado. Vamos cumprir todas as contrapartidas e garantir o reequilíbrio. Ao mesmo tempo, é importante salientar que a recuperação das finanças do Estado depende, também, efetivamente, da recuperação da economia brasileira.
Folha – É possível ao Estado do Rio se reerguer, pelo menos para acertar as contas com seus servidores, sem a ajuda da União? Para obtê-la, basta a aprovação da Alerj à alienação dos ativos da Cedae? Se não, o que mais?
Pezão – Há muito temos dito que não há nenhuma solução possível para o Estado do Rio de Janeiro sem a participação do governo federal. Tanto ao Tesouro Nacional, ao ministério da Fazenda e à Presidência da República, já apresentamos todos os números que comprovam isso. Não existe outra saída.
Folha – Um dos seus trunfos para sair da crise é o aumento da alíquota previdenciária regular do servidor de 11% para 14%, e a criação de uma contribuição extra de 8%. As duas medidas se baseiam no regime de recuperação fiscal. A demora para aprová-la no Congresso Nacional atrasou os trabalhos na Alerj. E o presidente desta, Jorge Picciani (PMDB), já havia dito que só votaria aumento de alíquota depois que o salário dos servidores fosse colocado em dia. E agora?
Pezão – A Assembleia, por intermédio do presidente Jorge Picciani, já sinalizou que votará as medidas mesmo que os salários não estejam plenamente regularizados. A Alerj tem sido uma parceira importante do Executivo na busca de soluções para a superação da grave crise do Estado do Rio. Nossas expectativas são muito positivas em relação à aprovação das medidas de contrapartida na Assembleia.
Folha – E quanto a outras medidas que ainda faltam ser aprovadas na Alerj, como as suspensões de concurso público, de gratificação no triênio e de reajuste salarial. Além de obviamente impopulares entre os servidores, elas encontram resistência entre a própria base governista. Pretende insistir com elas?
Pezão – Ao assinar o plano de recuperação fiscal, o governo do Estado se comprometerá a aprovar, na Alerj todas as contrapartidas exigidas.
Folha – Entre as várias vítimas da crise fluminense está a Uenf, que não recebe verba de custeio, de cerca de R$ 2 milhões mensais, há um ano e meio. Isso sem contar o atraso no pagamento do 13º e de março aos seus servidores, e de dois meses dos bolsistas. Como uma universidade na qual estudam 6,2 mil alunos pode sobreviver nessas condições?
Pezão – Lamento profundamente não apenas a situação da Uenf, mas de todas as universidades estaduais e de todos os serviços que não estão sendo prestados pelo Estado como a população fluminense merece. No entanto, a gravidade da crise financeira tem exigido a máxima prioridade para o pagamento da folha de salários e vencimentos dos servidores ativos, inativos e pensionistas e para o funcionamento das áreas de Segurança, Educação e Saúde. A aprovação do plano de recuperação fiscal vai garantir o reequilíbrio fiscal do Estado, melhorando a prestação de serviços e as condições das universidades, incluindo a Uenf.
Folha – No último dia 17, o senhor se reuniu com seus secretários da Casa Civil e da Ciência e Tecnologia, respectivamente Cristino Áureo e Pedro Fernandes, mais os reitores da Uenf, Luis Passoni, da Uerj e da Uezo. O tema foi uma pauta das necessidades básicas para manutenção e custeio das instituições estaduais de ensino superior ao ano letivo de 2017. Apesar de considerar justa a reivindicação, disse que só iria atendê-la caso sejam suspensos os arrestos e bloqueios feitos pela União, ou se aprovado na Câmara Federal o projeto de ajuda financeira aos Estados. Não são muitas condicionantes?
Pezão – Infelizmente, a situação do caixa do Estado, hoje, só permite promessas com condicionantes. Do contrário, seríamos levianos. Tivemos uma conversa honesta e realista. Reafirmo o comprometimento com a melhoria das condições das universidades do Estado, mas, para que isso ocorra, será preciso aprovar o plano de recuperação fiscal e reduzir o déficit financeiro estimado em mais de R$ 20 bilhões em 2017.
Folha – Na mesma reunião, a Casa Civil apresentou a alternativa de obter, em curto prazo, até R$ 1,5 bilhão adicional, através da licitação da folha de pagamento, securitização da dívida ativa, suspensão de créditos de Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), antecipação de pagamento de tributos e licitação de linhas de ônibus intermunicipais. Uma nova reunião foi marcada com os reitores para o próximo dia 2. Espera ter boas notícias até lá?
Pezão – As iniciativas para implementação das medidas citadas já estão em andamento. Na última quinta-feira (27) enviamos à Alerj um projeto de lei para geração de receitas extraordinárias no âmbito do Fundo Estadual de Equilíbrio Fiscal do Estado do Rio de Janeiro (Feef). Também foi publicado decreto para criação de um grupo de trabalho que vai definir o edital para o leilão da folha de pagamento. As providências para a securitização da dívida ativa já estão avançadas, assim como para a licitação das linhas de ônibus intermunicipais.
Folha – Recentemente, a Villa Maria, prédio histórico de Campos, que já abrigou a Prefeitura e desde 1993 funciona como Casa de Cultura da Uenf, fechou as portas por seis dias devido à falta de luz, internet e água. Legada em testamento por sua proprietária como sede da futura universidade pública de Campos, ainda em 1970, o fechamento da Villa, por sua força simbólica, foi encarado como vanguarda do desmonte da Uenf. A visão está errada? Por quê?
Pezão – Sim, está equivocada. Reconheço a importância da Uenf e também a importância cultural desse prédio histórico. No entanto, estamos vivendo a maior crise financeira do Estado do Rio, com extrema escassez de recursos, e a nossa prioridade é regularizar o pagamento dos salários dos servidores ativos e inativos e pensionistas. Infelizmente, problemas como esse têm ocorrido em vários prédios do governo, até mesmo no Palácio Guanabara. De fato, só conseguiremos normalizar a situação se aprovarmos o projeto de recuperação fiscal dos Estados e não sofrermos mais arrestos e bloqueios feitos pela União.
Folha – Desde que teve sua ata de fundação assinada em 1990, pelo então governador Moreira Franco (PMDB), com o projeto abraçado por Darcy Ribeiro e levado a cabo em 93, no governo Leonel Brizola (PDT), a Uenf foi uma conquista da população de Campos e região, mantida nas gestões estaduais seguintes. Como o senhor foi eleito no segundo turno, com a vitória em cinco das sete Zonas Eleitorais do município, a despeito do seu adversário Marcelo Crivella (PRB) ter contado com o apoio incondicional do campista Anthony Garotinho (PR), não é estranho que em seu governo a universidade enfrente sua maior crise?
Pezão – Reconheço a importância da Uenf, e temos concentrado esforços na busca de soluções para a superação do quadro atual de graves dificuldades enfrentadas não só pela universidade, mas como todos os órgãos estaduais. Como você citou, me reuni com reitores e outros representantes de todas as universidades estaduais para expor nossas dificuldades financeiras. Na próxima terça-feira (02), voltarei a recebê-los. Apenas para citar alguns números, em 2016, o Governo do Estado repassou R$ 120,2 milhões para a Uenf. Sei que esse valor repassado corresponde a 65% da dotação orçamentária da universidade no ano passado, mas temos nos dedicado integralmente a resolver a questão.
Folha – Outra pauta dos servidores da Uenf se refere ao seu questionamento no Supremo Tribunal Federal (STF) do percentual de repasse fixado pela Constituição ao Instituto de Ensino Superior (IES) fluminense. Criticam também sua falta de um plano para dar autonomia financeira ao IES. No atual momento, isso seria possível? Por quê?
Pezão – A instituição tem autonomia administrativa.
Folha – O senhor e seu vice, Francisco Dornelles (PP), tiveram a cassação dos seus mandatos confirmada pelo Tribunal Regional Eleitoral (TRE), em 29 de março, por abuso de poder econômico e político. Qual sua expectativa para o julgamento do recurso no Tribunal Superior Eleitoral (TSE)?
Pezão – Tenho muita tranquilidade. Tudo foi feito dentro da legalidade. Estou há 32 anos na política e nunca tive problemas como esse. Sempre me coloquei à disposição da Justiça.
Folha – Nas delações do ex-presidente do Tribunal de Contas do Estado (TCE), Jonas Lopes de Carvalho Júnior, e seu filho, o advogado Jonas Lopes de Carvalho Neto, seu nome foi citado em denúncias. O senhor as classificou como “mentiras deslavadas” e ressalvou: “Delação em que eles (Jonas Júnior e Neto) não falem dos chefes, não vale nada! Você sabe melhor do que eu de onde ele (Júnior) veio”. Os “chefes” são Anthony e Rosinha Garotinho (PR)? Enxerga a mão deles nas delações do pai e do filho?
Pezão – Essa questão deve ser tratada pela Justiça.
Folha – Seu nome também foi citado nas delações dos executivos da Odebrecht, que geraram pedido abertura de inquérito do procurador-geral Rodrigo Janot encaminhando ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) pelo ministro Edson Fachin, relator da Lava Jato no Supremo Tribunal Federal (STF). Todos os políticos denunciados têm negado as acusações. Qual foi sua reação?
Pezão – Nunca recebi recursos ilícitos, jamais tive conta no exterior e as doações da minha campanha foram feitas de acordo com as regras da Justiça Eleitoral. Meu nome já havia sido citado anteriormente, e o vice-procurador-geral da República, José Bonifácio Borges de Andrada, pediu ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) o arquivamento da investigação, assim como a Polícia Federal (PF) também pediu o arquivamento do inquérito aberto no STJ. Continuo à disposição da Justiça para quaisquer esclarecimentos.
Folha – Em entrevista à Folha publicada em 26 de julho de 2015, o senhor disse sobre a eleição a prefeito de Campos no ano seguinte: “Quando chegar a hora, todos saberão quem terá meu apoio”. Quando chegou a hora, foi Jorge Picciani quem definiu o candidato: Geraldo Pudim, que terminou a eleição em quinto lugar, com apenas 2.160 votos. A crise limitou sua atuação política? Que avaliação faz do papel do PMDB no pleito de Campos?
Pezão – No ano passado, enfrentei um câncer e um tratamento muito agressivos e fiquei licenciado até novembro. Desde a minha volta ao trabalho, tenho me dedicado integralmente a resolver a crise financeira do Estado.
Folha – Então vereador, Rafael Diniz (PPS) o apoiou abertamente em sua eleição a governador de 2014. Por que não pôde lhe dar a recíproca em 2016? Qual a sua avaliação dos quatro primeiros meses dele de governo, que como o seu herdou uma situação financeira bastante complicada?
Pezão – Campos é um município de grande importância para a economia fluminense. Todos nós temos de nos unir para superar a crise econômica que se abateu sobre o nosso Estado. Farei tudo o que estiver ao meu alcance como governador para ajudar o Rafael. Com certeza, superados os momentos de crise financeira, ele fará uma bela administração.

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