Caixa dois "onde vendia Bíblia"
Arnaldo Neto 18/04/2017 09:31 - Atualizado em 19/04/2017 12:17
O dinheiro de caixa dois da Odebrecht recebido pelos ex-governadores Anthony Garotinho (PR) e Rosinha Garotinho (PR) era entregue na Palavra de Paz, onde “tinha um escritório que ele vendia Bíblia”, segundo o delator Leandro Andrade Azevedo. A afirmação consta no depoimento, de mais de uma hora, prestado pelo ex-superintendente da empreiteira no Rio. Foi ele que, no ano de 2009, esteve em Campos para assinar o contrato da primeira fase do Morar Feliz com a então prefeita Rosinha. Leandro também afirma que o valor dos recursos ilegais recebidos pelo casal Garotinho era maior que o revelado até aqui por Benedicto Barbosa da Silva Júnior, outro que assinou o contrato do Morar Feliz, o maior da história do município. Para BJ da Odebrecht, que controlava o setor de operações estruturadas, o caixa dois foi de R$ 12 milhões. Leandro, designado por Benedicto para acertar os pagamentos com campistas ex-governadores, afirma que as doações não contabilizadas chegariam a R$ 20 milhões, sem contar a campanha de 2010, quando Garotinho se elegeu deputado federal.
Segundo Leandro, a Odebrecht fez o primeiro repasse de recurso não contabilizado para a campanha de Rosinha à Prefeitura em 2008: “Eu me lembro que era mais ou menos em torno de R$ 5 milhões, que esse valor seria pago através de caixa dois. Dinheiro não contabilizado”. Em 2012, Leandro disse que foi feito um novo repasse “uma nova programação de R$ 5 milhões para participar da reeleição da Rosinha” e a operacionalização ocorreu “da mesma forma que foi da primeira vez, através de dinheiro não contabilizado, caixa dois”.
A maior doação de campanha ocorreu em 2014, quando Garotinho disputou o Governo do Rio e se quer chegou ao segundo turno: “Antes de se lançar oficialmente, ele chamou o Benedicto Júnior e disse que seria candidato a governador e que contaria com o apoio da Odebrecht. Nossa avaliação era que o Garotinho tinha condições de ser o governador do Rio de Janeiro. Ainda existia uma crise no governo Cabral grande. (...) O Benedicto Júnior aceitou a combinação de valores de campanha. Foi em torno de R$ 10 milhões para a campanha de governador”.
Azevedo delatou também que todo dinheiro de caixa dois era entregue a pessoas designadas por Garotinho, na Palavra de Paz, onde “tinha um escritório que ele [Garotinho] vendia Bíblia”. Ao declarar tal fato, gerou risos de um dos presentes na sala. Ainda segundo Leandro, somente uma vez a entrega do dinheiro ocorreu em outro local. Devido a algum “problema operacional”, como definiu o delator, uma pessoa que seria ligada ao ex-governador foi a um escritório de obras da Odebrecht na Barra da Tijuca para pegar a quantia de R$ 1,5 milhão.
Em 2009, a coluna “Ponto Final” antecipou em maio que a Odebrecht venceria a licitação para o Morar Feliz, fato confirmado quase quatro meses depois e que, com os aditivos e novas fases, gerou o maior contrato da história do município, a quase R$ 1 bilhão. A afirmação da coluna era com base em uma das exigências, que eliminaria as construtoras do município. As exigências também chamou atenção de Leandro:
— Um dos primeiros editais que ela [Rosinha] homologou logo depois da eleição foi um edital para a construção de 5.100 casas populares. No valor mais ou menos de R$ 357 milhões. Isso chamou minha atenção porque casas populares geralmente você vê no mercado sendo construídas em vários lotes e aqui foi feito em lote único e a esse valor. Isso fazia com que as empresas pequenas não tivessem condições de participar. E as empresas grandes não tinham interesse. E de fato aconteceu isso. Para não participarmos sozinhos da licitação, nós pedimos para que a Queiroz Galvão e a Carioca Engenharia dessem um preço acima do nosso. Essas duas empresas aceitaram fazer isso.
Todos os problemas da obra eram debatidos direto com Garotinho, segundo o delator. Com Rosinha, Leandro afirmou só ter encontrado uma vez: para assinar o Morar Feliz.
Garotinho assegura, em nota, “que nunca recebeu qualquer contribuição não contabilizada em seu nome ou em nome da família”. Diz ainda que “se a petição chegar a virar inquérito, vai provar que o delator está mentindo” e “se coloca à disposição da Justiça para qualquer esclarecimento”.
Folha da Manhã
/Folha da Manhã

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