Venda de "ilusões" a vereadores?
19/03/2017 10:55 - Atualizado em 20/03/2017 23:32
Quanto Campos tem que pagar por mês pela “venda do futuro”, sacramentada pela gestão Rosinha Garotinho (PR) e que só será quitada quase 20 anos após a sua saída? Essa é mais uma dúvida que permeia a administração pública e, parece, uma discussão longe do fim. Nem mesmo os vereadores que, à época, aprovaram o projeto afirmam qual o máximo mensal que pode ser pago pelo poder público. Alguns deles apontam, inclusive, que podem ter “comprado” como legisladores uma “ilusão” vendida por quem estava no poder. Acreditaram que o máximo cobrado seria de 10% do valor arrecadado com royalties, mas, de acordo com o secretário de Transparência e Controle do governo Rafael Diniz (PPS), Felipe Quintanilha, isso não corresponde à realidade:
— Participei das discussões, à época, como parte da sociedade civil organizada. Me recordo claramente de afirmações que o valor da parcela não poderia comprometer mais de 10% dos royalties. Quando entramos, em janeiro, recebemos R$ 24 milhões de royalties. A fatura da Caixa foi de R$ 4,9 milhões, muito mais de 10%. No mês seguinte, recebemos R$ 35 milhões de participação especial. A Caixa nos cobrou quase R$ 35 milhões. Pagamos o que acreditamos ser o valor que devemos à Caixa e partimos para tentar negociar. Não houve calote –
O valor apontado por Felipe como valor que o município deve à Caixa é o de 10% do que foi arrecadado. “Já não é fácil, da forma que encontramos o município, pagar os 10%. Mais que isso se tornaria inviável”, explicou Quintanilha, destacando que só com a chamada “venda do futuro” a gestão Rosinha deixou para seus sucessores na Prefeitura um débito de R$ 1,3 bilhão, num total de dívidas encontradas superior a R$ 2,4 bilhões.
O projeto que autorizou o município a negociar a “venda do futuro”, apesar da pressão popular contrária a transação, teve 16 votos favoráveis e algumas peculiaridades. A primeira votação que autorizou o município a buscar o empréstimo aconteceu no dia 10 de junho de 2015. No entanto, o ato foi anulado pela Justiça, uma vez que o então suplente de vereador Kellinho (PR) participou da votação mesmo com a volta do titular Fábio Ribeiro (PR). A manobra consistiu em um “pedido de alteração do motivo de licença” do então vereador Paulo Hirano (PR), à época em tratamento de saúde no exterior, para “tratar de assuntos particulares”. No caso de tratamento saúde não há convocação de suplente, mas no segundo caso sim.
Com essa manobra, o grupo do governo conseguira os 13 votos necessários para aprovar a autorização para empréstimos dando por garantia os royalties futuros.
Foi nessa sessão de 10 de junho que o vereador Marcão (atual presidente da Câmara) tentou incluir uma emenda defendendo o pagamento total das parcelas até o final do mandato de Rosinha. Em resposta, Mauro Silva (PSDB), então líder do governo na Casa, chegou a citar o comprometimento de 10% dos royalties e participação especial (confira no infográfico ao lado). A resolução do Senado que dá base à lei municipal prevê que a amortização anual do empréstimo não pode ultrapassar 10% do valor recebido em royalties e participação especial.
Em agosto de 2015, o projeto foi aprovado na Câmara com a força máxima do “rolo compressor rosáceo”.
Três vezes — Apesar de outros municípios da região terem tentado a transação, Campos foi o único a “vender o futuro”. E por três vezes. A primeira transação foi um empréstimo com o Banco do Brasil, firmado em novembro de 2014, no valor de R$ 304.060.246,84, sendo cerca de R$ 54 milhões somente de juros. O segundo, já com a Caixa, após a aprovação da lei, foi em dezembro de 2015, no valor de R$ 308.791.113,78, ficando para Campos R$ 200,8 milhões. O último, em maio do ano passado, foi no valor de R$ 562 milhões, mas o município recebeu R$ 367 milhões. A diferença foi utilizada para pagar empréstimo anterior.
Iludidos? — Indagado sobre a possível diferença no valor cobrado pela Caixa e o limite de 10% debatido na Câmara à época da discussão do projeto, o vereador Neném (PTB) afirmou que a votação favorável foi por acreditar no líder do grupo político do qual participava à época, o ex-governador Anthony Garotinho (PR): “Vou ser obrigado a pedir desculpas à sociedade, mas foi dito uma coisa e foi feita outra”, disse.
O vereador Abdu Neme (PR) pediu para analisar o projeto votado. “Se não foi aquilo que eu votei naquele momento, e a Caixa Econômica, por outros motivos, tenha cobrado além do que nós votamos, eu mesmo vou entrar na Justiça para que (o município) não pague à Caixa”.
Os ex-vereadores Altamir Bárbara (SD) e Albertinho também defenderam que o contrato seja reflexo daquilo que à Câmara aprovou. Todos se recordam de discussões que limitariam o pagamento limitado a 10% da arrecadação com royalties.
Legalidade — Também parlamentares na legislatura anterior, Edson Batista (PTB), ex-presidente da Câmara, e Thiago Virgílio (PTC) defendem o projeto. Segundo Edson, a atitude da gestão passada foi correta para manter a cidade funcionando. Histórico aliado do casal Garotinho, Edson ainda mandou um recado para o atual governo: “As pessoas que estão no governo têm que pensar no hoje, no amanhã, não ficar em busca de fantasmas no passado”.
Thiago Virgílio lembrou que muitos municípios tentaram a transação e não conseguiram, o que, segundo ele, reflete que havia uma “organização” da administração passada. “Votei tranquilamente e se tivesse de votar de novo, votaria tranquilamente”. 
No infográfico ao lado é possível conferir as declarações de alguns vereadores que atuaram na legislatura anterior e votaram pela autorização para empréstimos com royalties futuros. A Folha tentou contato com todos, mas não conseguiu.
Negociação — Felipe Quintanilha considera toda discussão sobre o empréstimo muito complexa. Nesta semana, representantes da Prefeitura vão a Brasília novamente para dar sequência às negociações com a Caixa Econômica Federal.

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