Alberto Aggio: 'Estelionato eleitoral' com Lula na linha de confronto
Aluysio Abreu Barbosa, Rodrigo Gonçalves, Cláudio Nogueira e Matheus Berriel - Atualizado em 12/04/2023 11:04
“Com essa história do ‘golpe’ de 2016 e etc, esse governo (Lula 3) não tem muito futuro. A sua ‘virtude’ não está numa resposta à sociedade, está numa resposta aos seus. Nesse sentido, há uma simetria perversa do lulismo com o bolsonarismo”. A constatação é do historiador e professor da Universidade Estadual de São Paulo (Unesp) e especialista de História da América Latina, Alberto Aggio, entrevistado nessa terça-feira (11), no Folha no Ar, na Folha FM 98,3. Além de falar sobre seu novo livro, “Ainda respira… a democracia sob ameaça”, lançado também nessa terça, em São Paulo, o escritor analisou o Brasil de Jair Bolsonaro (PL) aos 100 primeiros dias do terceiro governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT). “Quando Lula, na entrevista dos primeiros 100 dias, fica falando mais de Bolsonaro do que propriamente do seu projeto de governo, é como se ele estivesse retornando à situação do embate eleitoral e desprezando nesse sentido os problemas reais que a sociedade está passando hoje; problemas econômicos graves”, comentou Aggio, ressaltando, ainda que Lula tem se colocado em “linha de confronto não só contra Bolsonaro, o que seria justo, mas em linha de confronto com o que surgiu do pós-Dilma Rousseff”.
100 dias de Lula como reflexo a Bolsonaro — Há um ponto muito forte na avaliação crítica que muita gente tem feito do governo Lula nesses primeiros 100 dias, que é uma postura não só retórica, mas de orientação política, de olhar mais para o passado do que enfatizar a projeção de futuro diante dos problemas existentes no Brasil. Há uma crítica pesada nesse sentido, que é relevante e faz com que nós, que estamos analisando a política, chamemos a atenção. Ficar falando do governo Bolsonaro para evitar uma discussão do que se fez nesses 100 dias e do que se propõe fazer... Passados esses 100 dias, interessa o que se fez e o que não se fez, mas interessa mais o que se vai fazer no governo. Então, eu acho que o Lula perde a oportunidade de ganhar mais pontos nesse sentido. Ganha, porque os seus apoiadores vão, de qualquer maneira, aprovar o comportamento do Lula; seus eleitores fiéis vão aprovar esse comportamento, e isso a gente vê também na imprensa. Se você acompanhar o Twitter de grandes jornalistas, são poucos aqueles, como nosso amigo Luiz Carlos Azedo, que colocam pontos de interrogação estratégicos para a questão do futuro desse Lula 3. Nessa perspectiva, eu acharia importante analisar com alguma profundidade.

Populismo — Queria chamar a atenção para um conceito que, de certa forma, dominou o nosso debate político, a linguagem jornalística dos últimos anos, que é o conceito de populismo. Perceba bem: Bolsonaro e Lula caracterizados como populistas não resolvem, de maneira nenhuma, o nosso entendimento sobre o que foi o governo Bolsonaro ou o que é Lula como presidente da República. O conceito de populismo, que acabou sendo adotado generalizadamente, ele é absolutamente inútil como capacidade analítica e inútil do ponto de vista político. Se eu caracterizo Bolsonaro como um populista de direita, a perspectiva é saudar a emergência de um populismo de esquerda, e isso nós sabemos que é um problema para a democracia. Veja a situação na Argentina: é uma situação complicadíssima; uma situação em que, obviamente, o Brasil não pode regressar a esse tipo de posicionamento.

Esquerda sem conceito — Outra coisa que escrevi também, está no meu livro é que o PT, como uma esquerda, é uma esquerda sem conceito. Seu projeto não tem uma execução sistemática, orgânica, porque falta um conceito norteador para o que ele quer para o Brasil num contexto mundial tão complexo como o que nós vivemos hoje. Então, uma esquerda sem conceito estará fragilizada frente aos ataques da extrema direita; estará fragilizada na composição que poderia ter com outros setores ao centro e outros setores de esquerda diferente do PT. Essa esquerda sem conceito, que é o PT, vive do tempo curto, vive em busca de respostas diretas a determinados setores. Não tem tempo longo, não tem aquilo que houve, por exemplo, no governo Fernando Henrique, que, ao mesmo tempo, dava respostas à questão hiperinflacionária e dava aquilo que Fernando Henrique chamava de um rumo para o Brasil. Naquele momento, era uma nova inserção do país na globalização, e foi isso o que o Fernando Henrique buscou. Certo ou errado? Isso, do ponto de vista analítico, não importa muito. A sensação que se tem é essa ausência de uma nova orientação. Então, eu acho que esse ponto é um que se evidencia quando Lula, na entrevista dos primeiros 100 dias, fica falando mais de Bolsonaro do que propriamente do seu projeto de governo. É como se ele estivesse retornando à situação do embate eleitoral e desprezando nesse sentido os problemas reais que a sociedade está passando hoje; problemas econômicos graves, inclusive, várias empresas estão deixando o país. Isso é um problema seríssimo. Você vê: o tipo de atitude que está se tomando em relação à reforma do ensino médio, na educação, fragiliza muito um governo, mostra que ele não tem uma orientação precisa nesse sentido: uma hora diz que vai revogar; outra, diz que vai reformar. Se desqualifica a reforma do ensino médio atacando o governo Temer, “porque o governo Temer é um golpista, etc e tal”, quando isso não importa(...) Havia um consenso de que era isso (a reforma do ensino médio) que se tinha que alcançar.

Acerto nas bolsas — De outro lado, o Lula aumentou as bolsas de pesquisa. Há medidas excelentes no Ministério de Ciência e Tecnologia, na área de pesquisa e pós-graduação no Brasil. É tudo contra o que fez o governo Bolsonaro. Mas, é necessário enfatizar e fazer com que as pessoas percebam o que é isso, o que isso significa, vinculando isso às fundações de pesquisa no Brasil, como a Fapesp, a Faperj e outras instituições que colocam o Brasil numa perspectiva mundial. É disso que se trata: entender por que apoiar um governo desse, que enfrenta o que foi a destruição bolsonarista. Agora, ficar enfatizando que “o Bolsonaro destruía, e agora nós vamos construir”, sem dizer por que, sem dar a orientação, ou seja, falar mais do que “nós vamos fazer” do que o Bolsonaro não fez ou destruiu é perder uma oportunidade valiosa para fazer com que a sociedade brasileira compreenda o motivo de ter valido a pena não reeleger o Bolsonaro e ter uma nova perspectiva, na verdade, de um transformismo positivo, que seja compreendido pela sociedade, que dê respostas, que faça entregas, como se diz hoje na linguagem jornalística econômica. A democracia precisa entregar coisas para a sociedade. Então, outra vez, eu enfatizo que foi uma perda de oportunidade.

Castro, Zema e Tarcísio como legados de Bolsonaro? — Não acho que seja uma vitória do bolsonarismo a eleição desses três governadores (Cláudio Castro, Romeu Zema, e Tarcísio de Freitas), que são governadores muito importantes na estrutura do Estado brasileiro, no Rio, em Minas Gerais em São Paulo. Não é uma vitória de bolsonarismo, ainda que eles tenham recebido os votos bolsonaristas. É uma vitória de uma direita que se fortaleceu no governo Bolsonaro, mas que vem de muito antes, vem de 2013, vem das manifestações de 2016, que vão eleger parlamentares com uma votação explosiva. Vale chamar a atenção que, rompendo com o bolsonarismo ou não, não conseguiram se reeleger, e outros tiveram uma votação muito menor do que a de 2018.

“A extrema direita veio para ficar” — É um novo ator político que precisa ser pensado com seriedade. Por outro lado, eu diria que não é uma extrema direita igual ao comportamento político do Bolsonaro. Acho que são líderes políticos de uma nova direita no Brasil que se distanciam, de uma medida que eles acham correta, do que foi o Bolsonaro. O Bolsonaro também teve muita resistência, razão pela qual o Lula venceu a eleição. Então, esses líderes políticos que governam esses três estados entendem, acho que de maneira muito precisa, a razão pela qual eles conseguiram se eleger governadores. E eles são diferentes entre si. O Tarcísio, o Castro e o Zema são políticos distintos, de estados também distintos. Veja que há uma aproximação de determinados setores da chamada esquerda democrática, uma aproximação com o Tarcísio, em São Paulo, do que com o Zema, em Belo Horizonte, e o Castro, no Rio. Em SP, diversos setores do Cidadania, do PSB, etc, não são hostis ao governo do Tarcísio, que resgata muito da organicidade daquela velha direita, que teve como grande protagonista o Maluf, que é a direita das obras públicas, a direita que trabalha esses investimentos numa lógica associada entre Estado e grande capital. E isso é algo que a esquerda perdeu em SP, RJ e MG. Não é a esquerda explosiva, mas a centro-esquerda perdeu. E perder isso significa perder a possibilidade de uma relação positiva, de interesses bem fundamentados na democracia e no desenvolvimento do país, com os setores do capital brasileiro, do empresariado brasileiro. Foi a esquerda quem perdeu nessa relação, e a direita agora se aproveita disso e mostra que tem capacidade de fazer com que essa relação possa ganhar um novo sentido. É muito bom que esses políticos (Castro, Zema e Tarcísio), agora, cuidem dos seus afazeres e respondam politicamente à sociedade do que fiquem montando uma coisa para 2016.

Sem força — O Bolsonaro era uma liderança fraca, que emerge numa situação conjuntural e oportunística. Por isso, a sua possibilidade de existência era a vitória em 2022, que, ainda bem, não se consumou. Ele é uma liderança fraca, um líder político fraco, que se agarrou na lógica internacional da extrema direita. É um líder político que quis militarizar o Estado brasileiro, e isso não resultou em vitória para ele, hoje se vê muito claramente. Aqueles militares que estiveram envolvidos no 8 de janeiro estão sendo convocados a depor. Isso é um desprestígio para uma liderança como a do Bolsonaro. Então, veja, a extrema direita está aí, mas acho que a extrema direita não mais vai se fiar em Bolsonaro.

Pós-8 de janeiro — Eu acho que se aproveitou bem no sentido de garantir uma unidade do Estado democrático de direito frente à agressão do dia 8 de janeiro, a tentativa de golpe. Na verdade, foi isso que foi feito. Foram horas ameaçadores à democracia, mesmo. Eu acho que a reação do Estado democrático e dos poderes reorganizados no Estado democrático foi precisa e justa. E eu acho que tem que haver consequência mesmo, como diz o ministro Alexandre de Moraes, até o fim. Foi claríssimo o que aconteceu, e agora é preciso avaliar e julgar, tudo dentro da legalidade, como foi o impeachment da Dilma Rousseff. Tudo dentro das instituições do Estado brasileiro. Então, eu vejo que os setores políticos da grande política brasileira entenderam o fracasso do 8 de janeiro e se movimentaram muito rapidamente. Se movimentaram muito rapidamente, primeiro, no sentido da composição institucional, e depois, da ocupação de espaços políticos, o que o novo governo, de certa forma, sabia que ia enfrentar, mas que foram antecipados pela reação necessária ao 8 de janeiro. Então, nesse sentido, eu acho que ficou claro que nós retornamos a um jogo democrático, a um jogo político, onde a sociedade brasileira, representada por essas lideranças, se expressa. A sociedade se expressa através deles. E eles, obviamente, guardam uma tradição que não é tão boa, de um transformismo muito negativo para a democracia brasileira. Nós temos, hoje, uma carência de uma centro-esquerda propositiva dentro do Parlamento brasileiro; uma carência de lideranças como foram José Serra, Mário Covas, Roberto Freire... A centro-esquerda da redemocratização do país não encontra muito mais expressão. Esse é um problema que precisa ser avaliado com muita seriedade.

Estelionato eleitoral? — Eu chamei de regresso, num artigo quando o Supremo, de certa forma, autoriza o retorno do Lula, a sua libertação e a reentrância do Lula na cena política, que alterou todo o quadro político-eleitoral para a presidência da República. É um regresso. Parece que, diante de Bolsonaro, um elemento imediato da política, de tempo curto... Uma rara destruição bolsonarista das instituições democráticas... Não se tem como desdobramento e como continuidade uma perspectiva mais clara do novo andamento. Você tem uma reiteração. O Lula mostra sinais de mobilização da vingança, contra o Sérgio Moro principalmente. O petismo mostra isso de maneira muito evidente. Determinados intelectuais aderentes a esse tipo de visão martelam isso diuturnamente nas mídias. Um governo que tem como perspectiva um ajuste de contas dessa natureza, que obriga, inclusive, a uma reescritura da História brasileira, com essa história do ‘golpe’ de 2016 e etc, esse governo não tem muito futuro. A sua ‘virtude’ não está numa resposta à sociedade, está numa resposta aos seus. Nesse sentido, há uma simetria perversa do lulismo com o bolsonarismo. O Bolsonaro queria resgatar o regime da ditadura militar. E se colocava em linha de confronto com tudo aquilo que emergiu da superação da ditadura. Agora, o Lula se coloca em linha de confronto não só contra Bolsonaro, o que seria justo, mas em linha de confronto com o que surgiu do pós-Dilma Rousseff. Então, 2016 é um ‘golpe’, o governo da Dilma Rousseff e seu desempenho econômico sequer é mencionado, a Lava Jato destruiu as empresas de engenharia no Brasil, tudo isso orquestrado pelo imperialismo americano. Essa perspectiva para o governo Lula 3 não tem futuro. Ficar aí, de certa forma, é um estelionato eleitoral. Se elegeu o Lula com a perspectiva de reorganizar o Brasil, de superar a destruição bolsonarista, de fazer com que as forças democráticas tivessem um governo de forças democráticas. Na vitória do Lula, um amigo chileno me mandou: “Vamos esperar que o Lula consiga trabalhar em frente democrática, e não como um governo petista, de perfil forte lulopetista”. Então, eu tenho a impressão de que se vai numa linha equivocada nesse sentido, e, desse ponto de vista, eu lamento muito. Agora, faz parte desse tipo de esquerda imaginar que os diferentes da esquerda têm que ser deslocados, se possível têm que desaparecer, e a sua base ser incorporada (...) Não é um bom negócio centralizar tudo no PT. Uma boa perspectiva seria a capacidade que o Lula tem de incorporar os elementos progressistas da sociedade. O Lula incorpora, mas não exatamente os setores mais progressistas, porque ele teme isso. Ele incorpora outros setores, que são setores mais conservadores. Ele incorpora numa medida pragmática, para aprovação dos seus projetos, e não esses setores mais progressistas da sociedade brasileira.

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