Existem variáveis tipos de arrogância - da soberba até a falsa modéstia -, mas uma das mais curiosas que observo é aquela em que o sujeito se autointitula algo que não é.
Pode ser uma ideia meio quadrada, mas acredito fielmente na necessidade de uma formação mínima - ou de experiência comprovadamente agregadora - para que uma pessoa seja, de fato, determinada coisa.
Dar uma única aula não torna ninguém professor - assim como, talvez, uma licenciatura mal feita também não torne -, de modo que é preciso insistir na valorização das vivências formativas reais.
Nem tudo depende de uma graduação, mas um profissional não se faz em dois dias - talvez nem sequer em dois anos. E, além de tudo, a autointitulação gera a óbvia desvalorização dos reais profissionais que dominam os saberes e técnicas de suas profissões.
Porém, é claro que não resolvi rascunhar essas linhas para falar sobre profissionais verdadeiros. Este texto fala, mesmo, dos não profissionais: pessoas que, reconhecidamente, afirmam ser sem nunca terem sido.
Minha curiosidade sobre essa categoria de arrogância reside no fato de a pessoa promover o autoconstrangimento de se apresentar como alguém que todos sabem que ela não é, mas persistir nisso e divulgar por aí sem nenhuma vergonha.
Numa sociedade de aparências, o título é mais valioso do que o fato, então apresento abaixo dicas valiosas para você enxertar seu currículo - ou sua bio do Instagram.
Mudou a mesinha de um canto para outro da sala? Que tal expor ao mundo sua badalada carreira de designer de interiores?
Já fez uma pesquisa no Google? E se eu dissesse que você se tornou um pesquisador por esse gesto tão singelo e sem prestígio na academia?
Cantar no chuveiro é outro ofício pouco reconhecido. Já imaginou se vender como cantor a partir de então?
E você que vive de contar histórias por aí? Pode, agora mesmo, ostentar o título de historiador.
Mas, dentre os tantos ramos profissionais, o que eu mais pratico, embora sem me intitular, é o da arte teatral. Vivo atuando quando me deparo com a inflada autoestima de quem nada é, mas diz ser.
*Esta crônica faz parte da série “Manual de desutilidades”, que tem como finalidade trazer reflexões críticas sobre questões cotidianas, brincando com o pragmatismo dos manuais de instruções – mas sem a pretensão de instruir ninguém.
**Ronaldo Junior tem 27 anos, é carioca, licenciando em Letras pelo IFF Campos Centro e escritor membro da Academia Campista de Letras. www.ronaldojuniorescritor.com