Como ser um pseudo-tudo
Ronaldo Junior - Atualizado em 27/05/2023 17:07
Fonte: Pixabay.
Existem variáveis tipos de arrogância - da soberba até a falsa modéstia -, mas uma das mais curiosas que observo é aquela em que o sujeito se autointitula algo que não é.
 
Pode ser uma ideia meio quadrada, mas acredito fielmente na necessidade de uma formação mínima - ou de experiência comprovadamente agregadora - para que uma pessoa seja, de fato, determinada coisa.
 
Dar uma única aula não torna ninguém professor - assim como, talvez, uma licenciatura mal feita também não torne -, de modo que é preciso insistir na valorização das vivências formativas reais.
 
Nem tudo depende de uma graduação, mas um profissional não se faz em dois dias - talvez nem sequer em dois anos. E, além de tudo, a autointitulação gera a óbvia desvalorização dos reais profissionais que dominam os saberes e técnicas de suas profissões.
 
Porém, é claro que não resolvi rascunhar essas linhas para falar sobre profissionais verdadeiros. Este texto fala, mesmo, dos não profissionais: pessoas que, reconhecidamente, afirmam ser sem nunca terem sido.
 
Minha curiosidade sobre essa categoria de arrogância reside no fato de a pessoa promover o autoconstrangimento de se apresentar como alguém que todos sabem que ela não é, mas persistir nisso e divulgar por aí sem nenhuma vergonha.
 
Numa sociedade de aparências, o título é mais valioso do que o fato, então apresento abaixo dicas valiosas para você enxertar seu currículo - ou sua bio do Instagram.
 
Mudou a mesinha de um canto para outro da sala? Que tal expor ao mundo sua badalada carreira de designer de interiores?
 
Já fez uma pesquisa no Google? E se eu dissesse que você se tornou um pesquisador por esse gesto tão singelo e sem prestígio na academia?
 
Cantar no chuveiro é outro ofício pouco reconhecido. Já imaginou se vender como cantor a partir de então?
 
E você que vive de contar histórias por aí? Pode, agora mesmo, ostentar o título de historiador.
 
Mas, dentre os tantos ramos profissionais, o que eu mais pratico, embora sem me intitular, é o da arte teatral. Vivo atuando quando me deparo com a inflada autoestima de quem nada é, mas diz ser.
 
*Esta crônica faz parte da série “Manual de desutilidades”, que tem como finalidade trazer reflexões críticas sobre questões cotidianas, brincando com o pragmatismo dos manuais de instruções – mas sem a pretensão de instruir ninguém.
**Ronaldo Junior tem 27 anos, é carioca, licenciando em Letras pelo IFF Campos Centro e escritor membro da Academia Campista de Letras. www.ronaldojuniorescritor.com
Escreve aos sábados no blog Extravio.

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    Ronaldo Junior

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    Professor e membro da Academia Campista de Letras. Neste blog: Entre as ideias que se extraviam pelos dias, as palavras são um retrato do cotidiano.