Aguardando a vez
Ronaldo Junior - Atualizado em 28/04/2023 00:09
Fonte: Pixabay
Braços cruzados, falatório nos passos que correm ao lado, calor esfumaçante trincando o asfalto, e eles todos ali, reunidos na calçada, diante da vidraça do banco à espera da abertura das portas.
 
Lá dentro, uma pequena multidão ainda mais antecipada já disputa o privilégio de ser um dos primeiros a acessar a porta giratória para, deixando seus perigosos pertences num acrílico, obter a atenção de um engravatado que inicia o dia já cansado pelo acúmulo de trabalho - o Whatsapp pipocando no bolso.
 
As conversas, ali fora, alternam os interesses entre a aposentadoria - queria ver se os políticos recebessem essa miséria -, o alto preço dos alimentos - o que eu recebo não dá pra duas compras num mês, tudo só piora - e o calor que faz lá fora - parece que o verão não foi embora.
 
Quando os primeiros começaram entrar – entre giros e solavancos e uma voz robótica dando boas-vindas -, os passos sincronizados chegaram para a frente, no sentido da entrada, na ânsia pela atenção da menina do "posso ajudar?", a fim de tentar resolver o problema no caixa eletrônico mesmo.
 
Entre aquele amontoado de gente, estava Felipe - cabelos grisalhos, bigode penteado, óculos escuros, sapato de calçar escondido sob a calça social marfim e camisa verde abotoada até o pescoço -, que cismava em puxar papo com quem estava ao redor.
 
Mesmo com preferência pela idade, ele estava na fila comum, cercado dos passantes e dos esfuziantes clientes do banco que tinham hora marcada.
 
Mais uma leva de pessoas entrou, e Felipe se esquivou, passando a vez sob a justificativa de estar aguardando seu neto, que entraria com ele, mas tinha ido logo ali.
 
Ele não parava, porém, de puxar assunto. Era o preço da carne, era o gol do Germán Cano, era o tempo que não lhe parecia tão firme, era a onda de violência que assola o país, era o fato de o tempo da juventude ser muito melhor.
 
Não chegava nunca o neto, e ele seguia passando a vez e tagarelando até chegar o meio da tarde, cansar e ir embora para casa ler o jornal do dia.
 
Na solidão da viuvez, buscava mesmo a companhia aleatória de quem estava ali pela necessidade da fila, com os ouvidos abertos para ouvir suas histórias e pontos de vista. Queria mesmo era guardar seu lugar enquanto participante daquele mundo vivo fora de casa, observando pessoas e pressas no centro da cidade.
 
*Esta crônica faz parte da série “Cenas urbanas”.
**Ronaldo Junior tem 27 anos, é carioca, licenciando em Letras pelo IFF Campos Centro e escritor membro da Academia Campista de Letras. www.ronaldojuniorescritor.com
Escreve aos sábados no blog Extravio.

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    Sobre o autor

    Ronaldo Junior

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    Professor e membro da Academia Campista de Letras. Neste blog: Entre as ideias que se extraviam pelos dias, as palavras são um retrato do cotidiano.