Deixe a arma e pegue os cannoli
Edmundo Siqueira 28/01/2024 10:48 - Atualizado em 28/01/2024 11:12
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Era uma terça-feira, meados de fevereiro. A família se reunia em torno da decisão que iria permitir que continuassem no comando da casa. Era uma casa dividida, mas uma das famílias ainda tinha o comando total. Eram eles que confabulavam naquela tarde.

— Temos a maioria, chefe. Não há como perder — disse um dos líderes do baixo clero, Fredo.
— Pode ser, mas ainda temos que confirmar alguns pontos.
— Quais?
— Acho que é muito cedo para a votação. Preciso confirmar alguns pontos, já disse.

O chefe foi consultar Don Tommasino, um antigo capo que servia de consigliere — uma espécie de consultor.

“Há um traidor entre vocês”, Tommasino foi categórico. Embora o chefe confiasse na avaliação do experiente Don, preferiu arriscar. A consulta foi feita por telefone, e na sala estavam alguns associados, soldados e até capitães. Enquanto Tommasino falava, no viva-voz, e reafirmava a existência de um traidor, o chefe fazia sinal negativo aos seus subordinados, indicando que não aceitaria o conselho. A votação para o comando da casa iria acontecer naquele mesmo dia, no final da tarde.
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Por volta das cinco e meia, a votação seria iniciada. Os membros da família controladora estavam confiantes, e já não lembravam da ligação que ouviram algumas horas antes. A outra família, os Barzini, pareciam tranquilos, e alguns até esboçaram alguns sorrisos sarcásticos.

Clemenza, um capitão que comandava o território da baixada, pediu a palavra e defendeu que o comando deveria ir para a família Barzini. Mesmo se dizendo independente, e ligado apenas ao território que comandava, Clemenza se aproximava cada vez mais da família Barzini. Após terminar sua fala, o capitão recostou-se na cadeira e abaixou a aba de seu característico chapéu, o que o fez cochilar.

Enquanto Clemenza dormia, a votação terminou. Todos ficaram ansiosos para saber o resultado, e definir quem iria ficar comandando a casa pelos próximos dois anos. Fredo iniciou a contagem dos votos e seu semblante rapidamente se transformou. A eleição estava perdida. Um membro da alta cúpula da família Barzini era o novo presidente eleito da Casa.

“Don Tommasino estava certo, aquele velho carcomido! Alguém me traiu!”, pensou Fredo enquanto todos brigavam, entre gritaria e empurrões.

Os dias que se seguiram depois da votação foram desesperadores para Fredo. O chefe cobrava uma solução definitiva, e que ele fizesse o que fosse preciso para continuar controlando a casa, e que descobrisse quem era o traidor. Uma das alternativas para anular a votação foi tentar comprovar que Clemenza não havia votado, mesmo ele tendo declarado seu voto. Não deu certo, todos sabiam que ele dormia durante a votação, mas era claro sua posição a favor da família Barzini naquele momento.

Sobre o traidor, Fredo logo descobriu:

— Foi o Moe Greene, chefe. Aquele salafrário jurou que votava em mim. Fizemos até uma oração, como eu podia imaginar, pelo amor de Deus!
— Subestimamos a sabedoria do velho Tommasino, Fredo. Pagaremos um preço alto, e agora vamos ter que aguentar as consequências.
— Será? Acho que não vamos ter problema, chefe!
— Teremos, e não vai ser agora. Os Barzini são rancorosos, e tem aquela agressividade que o capo deles sempre traz à tona.
— Então vamos ao Joey Zasa, o Barzini que está na capital. Ele pode reverter isso tudo, ele é o chefe agora! — Fredo estava ficando ainda mais desesperado.
— Deixe de bobagem, homem. Quem você acha que arquitetou tudo isso? — finalizou o chefe.

Quase dois anos depois, o chefe confirmava seu receio. A cidade, mesmo controlada por ele e sem demonstrar que perderá o controle nos próximos anos, quase ficou paralisada por ação dos Barzini. Também como previa o chefe, o capo da família rival o atacou de forma dura e agressiva. Até tapas na cara foram prometidos, aos berros, no chefe e em Don Tommasino.

Mas o chefe tinha aprendido a lição de 2022. Era preciso controlar as crises, e tentar fazer com que os interesses das famílias rivais não fossem mais importantes. Mesmo ele sendo de uma família que há anos controla territórios, com interesses bem definidos. Carismático e com aprovação de suas ações pela maioria da cidade, o chefe sabia que precisava manter os amigos próximos, mas os inimigos mais próximos ainda.

Durante a crise mais recente, e após os ataques que recebeu, o chefe foi novamente ao encontro de Don Tommasino, desta vez disposto a seguir seus conselhos. “Nunca odeie seu inimigo, isso afeta seu julgamento”, disse o velho Don. O chefe logo entendeu como uma orientação valiosa, e decidiu acatar. Mesmo sabendo que pessoalmente Tommasini não agia assim, na maioria das vezes.

O chefe fez uma autocrítica, e percebeu que havia quebrado um acordo feito com o capo dos Barzini. Mesmo relativamente novo, sabia do peso de uma palavra dada e descumprida. Se arrependeu, mas conseguiu reverter, dada a reação descabida do capo. “Ele pensa que ainda estamos no tempo dos Bórgias”, pensou o chefe.

Após algumas batalhas, e mesmo tendo ficado ferido, o chefe conseguiu sair fortalecido do mais novo embate com a família Barzini. Seu braço direito, e agora subchefe, Tom Hagen, mesmo sem ser um familiar, ajudou a apaziguar os ânimos e pacificar novamente as brigas entre as poderosas famílias.

A casa continuou sob o comando dos Barzini, mas o chefe conseguiu a maioria dos votos. Até o astuto Clemenza hoje é aliado de primeira hora dele. Fredo saiu da casa, e hoje está tocando as obras da cidade. Don Tommasino mantém-se apenas como consigliere, para a alegria do chefe. Moe Greene ficou desacreditado por todas as famílias, mas ainda é protegido pelos Barzini.

Depois de mais uma batalha finalizada, o chefe aparenta cansaço. E faz uma proposta irrecusável para Tom Hagen: “cuide da cidade por um tempo, para mim”.

Enquanto isso, Vincent Mancini, filho de outro antigo capo da cidade, esse já aposentado, confabula mais uma traição, sedento por um lugar à mesa. Perguntado sobre como ficaria o acordo que fez com o chefe, Mancini finaliza: "Não é nada pessoal. São apenas negócios”.




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