Hamilton Garcia de Lima: A Positividade da Rotatividade no Poder
- Atualizado em 12/09/2023 12:25
Hamilton Garcia
Hamilton Garcia / Folha da Manhã
O Brasil atravessa uma fase de profunda polarização e personalismo que tem significado prejuízo para a solução dos seus graves e históricos problemas nacionais. A polarização em si, quando operada em termos político/programáticos, pode ser positiva para a solução desses problemas. Mas, quando encerrada exclusivamente na mera disputa da máquina do Estado — com baixo discernimento sobre os rumos a seguir e suas consequências —, torna-se verdadeira perda de tempo e recursos. É o que vem acontecendo desde 2006 com a maré montante do “nós contra eles”, cujo ápice, oxalá, pode ter sido 2018.
Um pouco antes disso, em 2015, a Uenf saiu dessa encruzilhada deletéria com a ascensão da “oposição sindical” — que promovia exacerbada oposição aos reitores de orientação centrista, acusados por ela de “direitistas” — ao poder sem enfrentar oposição da mesma natureza.
Embora crítico do sectarismo desde sempre, é preciso admitir que a rotatividade na Reitoria fez bem à Uenf. Dotou a oposição radical de um sentido de responsabilidade no poder e fez cessar as hostilidades pessoais contra os reitores — amiúde desrespeitados em sua autoridade institucional. Também freou o ativismo sindical e estudantil de alto perfil ideológico, que nos levou a uma luta interna fratricida e a consequente perda de vitalidade da vida comunitária, inclusive sindical.
Vencida esta etapa da pacificação democrática da Uenf, com os radicais experimentando os prazeres e as dores do exercício do poder — com uma oposição agora civilizada —, é também necessário reconhecer que as marcas do sectarismo de outrora ainda se fazem presentes numa gestão com baixa propensão ao diálogo e forte pendor impositivo. Além desses cacoetes autoritários, novos problemas surgiram, como a demagogia praticada durante a epidemia de Covid-19, buscando fidelizar o apoio estudantil.
A epidemia, em função de seu ineditismo em nossa época, ocasionou uma série de reações, algumas delas irracionais, que forçou o conjunto da sociedade a paralisar suas atividades abruptamente, em 13 de março de 2020, por efeito de um decreto do Governo Estadual. No final daquele mês, um punhado de professores, alguns contando apenas com o suporte de estudantes mais experientes em Tics (Tecnologia da Informação e Comunicação), se pôs a dar aulas remotas, evitando, assim, a interrupção total das atividades acadêmicas do semestre.
A iniciativa, também observada em outras instituições educacionais, não obstante o imobilismo do MEC, ajudou a minorar os prejuízos para os estudantes de todos os níveis. A Reitoria da Uenf, todavia, presa a velhas concepções, manteve-se inerte por cerca de quatro meses. Argumentava defender os estudantes vulneráveis, enquanto, na verdade, apenas retardou a inclusão destes numa realidade que veio para ficar, ampliando as fronteiras do conhecimento.
Passada esta abulia administrativa, a remediação sugerida pela Reitoria da Uenf, na contramão daquilo que a maioria das instituições irmãs começavam a fazer, foi a de elaborar “atividades acadêmicas motivacionais” para que os estudantes não perdessem o contato com a universidade. A ideia, naturalmente, foi repelida pelo corpo docente, que, através de suas Câmaras de Graduação e Pós-Graduação, propugnou pela adaptação plena das atividades acadêmicas à nova realidade. A legislação aprovada na Uenf, todavia, por pressão da Reitoria, não deixou de incorporar a perspectiva “motivacional” ao deixar de fora do arcabouço das AARE (Atividades Acadêmicas Remotas-Extraordinárias) a nota de desempenho dos estudantes, em prejuízo de seus currículos escolares.
Mas, isso não foi tudo: a normativa aprovada com tal concessão, sob protestos da Câmara de Graduação, ainda passaria pelo crivo da interpretação conjunta do Reitor com o DCE, numa nota assinada por ambos, que estabelecia a interpretação “correta” da Resolução Emergencial: um procedimento sem precedente e sem lastro no ordenamento institucional. Na prática, se descredenciava as instâncias acadêmicas, hierarquicamente dispostas, como locus decisório e interpretativo da legislação interna da universidade. Tudo embalado numa retórica bien engagé que presumia a inaptidão dos estudantes no acompanhamento do ensino remoto.
A subestimação da capacidade discente, que demandaria apenas o complemento do apoio instrumental para os mais carentes — que tardou a ser implementado —, demonstrou ser uma miopia grave. Porque superestimou a capacidade docente para dar aulas remotas sem qualquer apoio institucional. A única iniciativa de apoio veio, depois de muita pressão dos Coordenadores de Curso, com a flexibilização dos editais de monitoria, que serviram como suporte técnico aos não habilitados em Tics.
Ao cabo, não obstante os avanços obtidos sob pressão do corpo técnico e docente da Uenf, além dos discentes, ficou claro que a vontade continuísta de um grupo no poder, via fidelização do eleitorado, pode ter efeitos graves quando se ignora os desafios acadêmicos implicados na tomada de decisões, ocasionando o aumento da vulnerabilidade de todos.
Por isso, e por tudo o mais — inclusive a distribuição recente de novos meios de trabalho que deveriam ser de fluxo contínuo —, aqueles que votaram em Raul&Rosana e Medina&Rodrigo em 2019 devem se perguntar se não está na hora de votar em Carlão&Daniele (chapa de coalizão), ao invés de Rosana&Fábio (chapa situacionista). Por considerar que a “rotatividade no poder” é mais que um conceito explicativo do sucesso das democracias: é um princípio efetivo de indução da gestão eficiente dentro de qualquer instituição saudável.

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