'Mãe do teatro de Campos', Marisa Almeida enfrenta dificuldades financeiras
Matheus Berriel 25/02/2021 15:59 - Atualizado em 27/02/2021 12:27
Marisa está atualmente com 80 anos
Marisa está atualmente com 80 anos / Acervo pessoal
Intitulada “Mãe atriz dos grupos de teatro de Campos” pelo Sesc, em forma de homenagem pelo período de 12 anos interpretando Maria na “Paixão de Cristo”, Marisa Almeida passa por momentos delicados com as cortinas fechadas. Aos 80 anos, 45 deles atuando no teatro, ela está prestes a ser despejada da casa onde mora de aluguel com uma filha, no distrito de Atafona, em São João da Barra, devido a atrasos no pagamento em função de dificuldades financeiras. Uma vaquinha virtual foi criada pela família e por amigos com objetivo de arrecadar dinheiro para amenizar o problema.
— Moramos em casa alugada, numa meia água aqui em Atafona. Pagamos aluguel, com água e luz incluídas. A senhora que alugou a casa tinha que tirar do bolso dela para estar pagando isso tudo, e aquilo já estava com mais de seis meses da gente devendo. Eu, que nunca deixei minhas dívidas atrasarem dois dias, fui entrando em pânico — conta Marisa: — Tenho amigos que vêm até de longe para trazer sacolão para a gente, por isso não estamos passando fome. Comida temos dentro de casa, graças a Deus.
Se não falta comida, por outro lado, o dinheiro é curto. Vivendo apenas de um salário mínimo próprio, com parte dele comprometida para ajudar um dos quatro filhos a reformar sua casa, que estava com goteiras, Marisa ainda perdeu a ajuda que recebia de duas filhas. Ambas estão desempregadas há mais de dois anos, e desde então começaram os atrasos no aluguel. Outro filho, que trabalha com transporte de passageiros, precisou se afastar do emprego durante a pandemia da Covid-19 por ter asma. Não bastasse tudo isso, a própria Marisa também luta contra problemas de saúde — já são quase 13 anos fora do meio teatral por conta deles. Enquanto ainda atuava, mais de uma vez teve algum espetáculo paralisado para que seus braços fossem recolocados no lugar, de onde haviam saído por conta de uma falha congênita nas articulações.
Até 2005, a atriz fez parte do Ônibus da Educação, levando atrações de teatro mambembe a escolas da rede municipal de Campos. Após o fim do projeto, já fora dos palcos, passou a trabalhar apenas como manicure, profissão que exercera no passado, para ajudar na criação dos filhos, e que abandonou definitivamente apenas em 2008, devido a uma artrose que a impossibilitou de atender a muitos clientes. Na época, Marisa já havia se mudado de Campos para Grussaí, em São João da Barra, mas uma enchente destruiu móveis e levou outros dos seus pertences. Foi então que ela passou a residir em Atafona. Primeiro sozinha, por aproximadamente seis anos, em uma casa emprestada por uma amiga, e depois junto à filha com quem mora até hoje.
— Estou acamada há seis anos, porque tenho doenças que causam dores no corpo. Não consigo ficar de pé três minutos, porque já vou desmontando toda. Tenho problema renal, problema de cartilagem... — lamenta Marisa, que recentemente precisou passar por uma cirurgia no joelho.
Uma realidade muito diferente dos tempos em que brilhou sob as luzes da ribalta. Foram vários os grupos de teatro dos quais fez parte, entre eles o Teatro Escola de Cultura Dramática, então liderado pelo diretor, jornalista e professor Orávio de Campos Soares.
— Marisa Almeida, pelo seu talento interpretativo, poderia ter sido estrela cintilante dos melhores elencos de telenovelas; ou participado das grandes montagens do teatro nacional. Dona de casa, sempre se imolou em função da família, e isso não lhe permitiu alçar voos mais altos — recorda Orávio. — Dirigi-a em muitas montagens, com destaque para “Abre a janela e deixa entrar o ar puro e o sol da manhã”, de Antônio Bivar; e “A casa de Bernarda Alba”, de Garcia Lorca. No Grupo Experimental do Sesc, brilhou na montagem de ”O pagador de promessas, de Dias Gomes”. Atuou no Grupo Mambembe, com Prata Tavares, e se destacou, ainda, no balé afro Ilê Sain. Participou das montagens do Grupo Sacro da Catedral, com a direção de saudoso Félix Carneiro. Grande atriz que o destino não concedeu a glória maior e nem a riqueza merecida. Marisa é uma artista que sempre vou aplaudir de pé — enfatiza.
As oportunidades para Marisa Almeida decolar até vieram. No início da carreira, na década de 1970, ela recebeu convite de um diretor da Rede Globo para morar no Rio de Janeiro e expandir sua carreira. Mas, já com três filhos e então casada com o ator Nilson Carvalho, optou por ficar na planície goitacá.
— Eu estava fazendo uma peça e fui convidada. O diretor disse que tinha me visto atuar, havia gostado do meu trabalho e montaria a minha carreira, mas que eu iria sozinha, a família ficava. Eu já era casada, tinha três filhos. Agradeci o convite, mas falei que não deixaria meus filhos de jeito nenhum, por dinheiro nenhum deste mundo — rememora a atriz.
Em Campos, ela faria parte ainda de tantos outros grupos teatrais, como o Jogral e o Grupo Éramos Quatro. Atuou em inúmeras peças, até mesmo em filmes, como “O passageiro da alegria”, de Antônio Roberto Fernandes, e “Maldição”, de Gildo Henrique, e gravou comerciais de televisão. Sempre acolhedora, é natural que tenha feito muitos amigos durante a carreira.
— Era nossa simpática mãezona, amiga e grande atriz, disputada por diretores para os principais papéis. De peça em peça, travamos uma amizade que perdura até hoje, quando nos falamos quase diariamente. E ela vinha escondendo de nós, nos últimos tempos, essa condição de estar em dificuldades financeiras, somadas aos fatos de seu ex-marido, de quem nunca deixou de ser amiga, estar com Alzheimer, e das suas filhas estarem desempregadas — conta Gildo Henrique, companheiro de palco de Marisa em algumas montagens e quem a dirigiu nas peças “O escravo”, de Lúcio Cardoso, e “Testemunha da Acusação”, de Agatha Cristhie, além do filme “Maldição”, que ele mesmo escreveu: — Recentemente, ela deixou a vergonha de lado e passou a nos informar da real situação: anos de aluguel em atraso, contas de água e luz sem pagar etc., morando numa casa em Atafona.
O próprio Gildo Henrique iniciou uma vaquinha com amigos, cuja renda, somada a cerca de R$ 2 mil então arrecadados na vaquinha virtual, viabilizaram o pagamento de dois meses de aluguel. Ainda assim, quatro meses estão atrasados. Na campanha pela internet, a arrecadação atual é de R$ 2.675,00, com 31 apoiadores.
— Quando comparo a enorme contribuição de Marisa à arte campista com sua situação atual, emociono-me por saber que pessoas como ela vão ficando à margem, sem o carinho que recebiam, sem os aplausos efusivos ao final de cada espetáculo, sem mãos que contribuam — lastima Gildo Henrique.
São muitas as dificuldades, mas que não tiram de Marisa Almeida a alegria e as lembranças de tudo o que viveu. É cena forte na sua memória, por exemplo, um episódio ao lado da célebre atriz Dercy Gonçalves (in memoriam), que estava de passagem por Campos.
— Já tive um bar no Teatro de Bolso e, durante uma vinda de Dercy à cidade, levava as coisas no camarim dela. Sempre conversávamos, e uma vez a Dercy me perguntou porque eu ainda estava perdida em Campos, pois era simpática e talentosa. Me perguntou se a cidade não tinha cultura — relembra Marisa. — Eu respondi que lamentava a falta de apoio; não por mim, porque não tive chance de estudar. O que sei, aprendi com a vida. Mas, tive amigos com cultura de sobra e que não receberam apoio de ninguém. E a Dercy respondeu, daquele jeito dela: “É, essa é realmente uma cidadezinha filha da p***”, (risos).
Embora confesse que não gostava muito de dar entrevistas no período em que atuava, ser lembrada nos dias atuais é uma das coisas que deixa Marisa feliz. Ela diz ter sentido dupla alegria na última quarta-feira (24), quando atendeu à Folha horas depois de ter sido vacinada em casa contra a Covid-19. Valoriza também os sete cachorros que vivem em sua casa, e momentos simples, como o de tomar um copo de cerveja em família, algo que a idade não lhe tirou. “Para mim, um abraço, um sorriso gostoso, isso é o que dá vida para a gente. Hoje, estou sentindo tanta falta”, afirma.
O mesmo vale para conversas com os amigos, ainda que pelas redes sociais. De vários ela teve que se despedir nas últimas décadas, mas a memória destes também é preservada. “Meu coração é um campo de futebol: é o Maracanã. Tenho perdido muitos amigos, muitas pessoas já se foram, mas do meu coração eles não saem, só acrescentam cada vez mais”.
Bem humorada, Marisa não se chateia com qualquer coisa. Entretanto, também não esconde a angústia com as incertezas quanto ao futuro: “Se não tenho dinheiro para pagar o aluguel daqui, como posso alugar outra casa? Com que dinheiro, se estou vivendo com sacolão dado por amigos? Fica muito difícil”.
Igualmente lhe incomoda a falta de apoio à classe artística, um problema crônico no Brasil: “Não falo por mim, porque eu passei, fiquei no passado. Mas, tem muita gente boa aí. Meus filhos continuam ralando, trabalhando... Tem escritores, pessoas super inteligentes, de uma cultura imensa e que não têm apoio nenhum. Isso não é de agora, sempre foi assim”.
Atriz foi vacinada contra a Covid-19 na última quarta-feira
Atriz foi vacinada contra a Covid-19 na última quarta-feira / Divulgação
Marisa Almeida atuou no teatro por 45 anos
Marisa Almeida atuou no teatro por 45 anos / Divulgação
Marisa Almeida atuou no teatro por 45 anos
Marisa Almeida atuou no teatro por 45 anos / Divulgação
Marisa Almeida atuou no teatro por 45 anos
Marisa Almeida atuou no teatro por 45 anos / Divulgação

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