Cinema: Perdidos e achados no espaço
Folha1 17/02/2021 09:38 - Atualizado em 17/02/2021 09:38
Depois da Segunda Guerra Mundial, os filmes sobre viagens espaciais mudaram seu enfoque. Júlio Verne, em “Da Terra à Lua” (1865), privilegiou a dimensão do conhecimento científico. George Méliès valeu-se da história para filmar uma curta película em 1902. H.G. Wells usou o ataque de E.Ts à Terra e uma viagem à Lua respectivamente em “A guerra dos mundos” (1898) e “Os primeiros homens na Lua” (1901) para ilustrar a devastação que os europeus causaram a outros povos com suas doenças na expansão marítima. Os dois livros inspiraram filmes. Registre-se ainda o caso de Yakov Protazonov, que dirigiu o filme mudo “Aelita, a rainha de Marte”, em 1924, com um terráqueo que lidera uma revolução socialista para derrubar uma monarquia retrógrada em Marte.
Terminada a Segunda Guerra com a detonação de duas bombas atômicas sobre o Japão, outros medos avultaram. Um deles era com os regimes totalitários, que foi muito explorado pelo cinema. O segundo era o de uma nova guerra nuclear e seus efeitos imediatos e mediatos. O terceiro era dos efeitos colaterais das experiências científicas. Este terceiro já vinha sendo explorado desde “Frankenstein”, de Mary Sheley, datado de 1818. Por fim, um medo não muito convincente, mas que deu margem a muita exploração pelo cinema: a invasão de E.Ts.
“Rocktship X-M” (que pode ter o título “Da Terra à Lua” no Brasil) inaugura a nova abordagem dos filmes de viagens espaciais. Ele foi dirigido por Kurt Neumann (EUA) e lançado às pressas em 1950 para ter prioridade sobre “A conquista da Lua”. Trata-se de um filme de baixo orçamento, em preto em branco, sobre a primeira viagem à Lua, que, na realidade, ainda não havia ocorrido. A nave tripulada por quatro homens e uma mulher perde o rumo e termina em Marte. Lá, os astronautas encontram pessoas remanescentes de uma civilização destruída por uma guerra nuclear. Dos três que restaram da expedição, dois relatam pelo rádio o que viram em Marte e o que podia acontecer na Terra com nova guerra nuclear. Eles encontraram em Marte um possível futuro trágico para a Terra, caso uma nova guerra fosse travada, na linha da resposta de Einstein: “Não sei como será uma terceira guerra mundial, mas sei que a quarta será travada com arco e flecha”.
Várias incongruências foram apontadas no filme. Pouco tempo antes de partir a nave, a tripulação dava uma entrevista coletiva à imprensa, embarcando apenas cinco minutos antes da partida. Uma chuva de meteoros passa pela nave sem atingi-la. Em 1950, Marte já era bem conhecido para se saber que não havia atmosfera nem temperatura adequadas para humanos. Notei ainda que uma marciana sobrevivente da guerra nuclear usava saiote sensual e maquiagem. As mulheres da década de 1950 deviam saber gritar. O clima é de machismo e galanteio. A mulher da tripulação é uma cientista, mas um companheiro seu a leva a perguntar se ele acha que lugar de mulher é tomando conta do lar e dos filhos. Tratada como sexo frágil, ela acaba se comportando como tal no fim. A nave se choca com a Terra e todos morrem. A mensagem está dada. O clima reinante entre as pessoas deve ser contextualizado. As próprias mulheres o alimentavam. A trilha musical ficou a cargo do conhecido compositor norte-americano Ferde Grofé.
“A Conquista da Lua” (“Destination moon”), dirigido por Irving Pichel nos Estados Unidos também em 1950, é uma produção mais cara. Em tecnicolor, a motivação agora é estratégica. Do ponto de vista geopolítico, o domínio da Lua permitiria o domínio da Terra. O nome da URSS não é mencionado, mas sugerido. As explicações científicas ficam por conta de uma animação do genial Walter Lantz com o popular Pica-Pau. Governo e iniciativa privada se unem para viabilizar o empreendimento. É o conhecido complexo industrial militar. Não há mulheres para gritar e serem cortejadas. Apenas uma tripulação improvisada de quatro homens numa nave que parte antes do tempo estipulado. A população temia efeitos radiativos e acionou a justiça, que proibiu o lançamento.
O conhecimento científico sobre gravidade e atmosfera já está bem definido e é apresentado com certa clareza pelo Pica-Pau. O filme é datado, como não podia ser diferente. Vale a pena conferir os dois para se perceber que a toada muda depois da Segunda Guerra. Os quatro tripulantes conseguem voltar sãos e salvos, mas deixam muito lixo na Lua.

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