Rumo ao Modernismo (IV): Lasar Segall
* Arthur Soffiati 22/08/2019 18:30 - Atualizado em 30/08/2019 13:10
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Lasar Segall nasceu na Lituânia em 1889 e iniciou seus estudos em artes em 1905 na sua cidade natal. No ano seguinte, mudou-se para a Alemanha a fim de se aprimorar. Cedo, ele mostrou descontentamento com o ensino clássico. Seus primeiros quadros se inspiram no impressionismo, que já havia sido ultrapassado por outras tendências modernas. A Europa é um ambiente fervilhante em termos intelectuais e artísticos. Movimentos nasciam e morriam. Muitos artistas surgiam e desapareciam. Restaram aqueles mais expressivos. Talvez Segall fosse um dos tragados pelos círculos europeus se permanecesse na Europa. Mas a condicional não existe em história.
Sua família tinha origem judaica. Três irmãos seus haviam se mudado para o Brasil. A Europa vivia o fim da Belle Époque, período de apogeu da burguesia e da hegemonia do continente no mundo. A Primeira Guerra Mundial (1914-18) ainda não havia eclodido, mas o clima hostil já rondava o que ainda era o centro da globalização. Em 1912, Segall fez uma viagem ao Brasil. Ele já estava na fase expressionista, que tinha raízes fortes na Alemanha e nos países nórdicos. Enquanto o impressionismo valoriza a luz sobre os objetos, o expressionismo prioriza as emoções do artista ao pintar.
Provavelmente alertado por sua irmã Luba Segall Klabin sobre o conservadorismo brasileiro em artes, Lasar trouxe quadros que pudessem mais agradar o público de São Paulo. Chegando ao Brasil no fim de 1912, ele fez uma exposição em São Paulo e outra em Campinas no ano seguinte, contando, em São Paulo, com a acolhida de José de Freitas Valle, senador da República e homem culto. Em São Paulo, ele expôs 52 obras. A crítica paulistana era bastante conservadora. Talvez por ser estrangeiro, contar com a proteção de Freitas Valle e contribuir para Cruz Vermelha, Segall tenha sido poupado de ataques severos. Talvez, o que é muito provável, o meio provinciano paulista se mostrasse indiferente a um artista que mostrava apenas obras pós-impressionistas, pré-expressionistas e pré-cubistas.
Sua exposição foi visitada por vários artistas, entre eles Antonio Parreiras e Benedito Calixto. Oswald de Andrade escreveu uma nota sobre o pintor. A crítica mais severa a Segall partiu de C.J.C.: “Lasar Segall é um temperamento esquisito, impetuoso, que se revela em concepções verdadeiramente bizarras. Cultiva, de preferência, o impressionismo, gênero dificílimo, em que só se podem tornar notáveis individualidades privilegiadas, dispondo de faculdades especiais. Lasar Segall não é, com certeza, um artista que assombre. Nem podia sê-lo. Muito moço ainda, ele ressente-se, naturalmente, de vários defeitos, que o tempo se encarregará de apontar-lhe”. O crítico bate e assopra. Escreve que a obra do artista apresenta defeitos, mas os atribui à sua mocidade. Depois, faz elogios que não serão transcritos aqui para não estender o texto.
Em Campinas, o artista expôs 51 trabalhos. A crítica lhe foi bem mais acolhedora. Se São Paulo ainda era provinciana, Campinas era então uma cidade do interior. Parece que um ambiente ainda não precavido se mostra mais favorável. A crítica assinada por Guibal Roland, que era também pintor e já havia visitado a exposição de São Paulo, é generosa. Os quadros de Roland são concebidos num impressionismo moderado. Nas duas exposições, o quadro mais apreciado e comentado foi “Violinista”. Tendo retornado à Europa, Lasar Segall não deixou marcas profundas em sua passagem pelo Brasil. Suas exposições não passaram de arranhões superficiais que rapidamente desapareceram.
Por que as exposições dessa artista não causaram o rebuliço motivado pela exposição de Anita Malfatti em 1917? Afinal, ela saíra do Brasil como uma pintora convencional, estudou na Europa e nos Estados Unidos, voltando ao Brasil com uma concepção de arte mais sintonizada com as vanguardas europeias. Talvez coubesse a Segall deflagrar o estopim da Semana de Arte Moderna, em 1922. No entanto, não havia clima cultural para tanto em 1913. O Brasil não estava maduro para isso. Vera d’Horta, em “1913: primeiro encontro com o Brasil”, assinala que, principalmente, faltou para Lasar Segall uma figura como Monteiro Lobato. Como se sabe, o artigo deste intelectual sobre a exposição de Anita Malfatti, em 1917, com o título de “Paranoia ou mistificação”, gerou enorme polêmica em São Paulo. Os admiradores de Anita compraram a briga. Vários compradores de seus quadros os devolveram depois da crítica severa de Lobato.
Mesmo assim, é difícil que uma só pessoa, criticando uma pintora brasileira que retornava ao Brasil com uma bagagem cultural e material sob forte influência europeia, deflagre um movimento cultural inovador. Parece mais convincente explicar a ausência de celeuma com Segall e a presença dela com Malfatti pelo contexto histórico. Em quatro anos, as mudanças foram acentuadas em São Paulo para justificar o rebuliço que a exposição de Anita Malfatti provocou nos meios intelectuais e a ausência dele com a exposição de Lasar Segall em 1913. Poucos sabem que Di Cavalcanti fez sua primeira exposição individual em 1917. Menos pessoas sabem ainda que Zina Ainda expôs seus trabalhos em Belo Horizonte no início de 1920, depois de voltar da Europa. A obra de ambos não tinha ainda traços que pudessem chocar o público. Quanto a Zina Aita, seu nome é mesmo bastante desconhecido.
Quando o artista russo se mudou para o Brasil, em 1923, outro era o clima reinante. A Semana de Arte Moderna já havia ocorrido. Sua arte não causava tanta estranheza. Até mesmo o Baile Futurista, no Automóvel Clube de São Paulo, foi decorado por ele. A luminosidade tropical do Brasil provocou mudanças notáveis nos seus quadros. Os produzidos na Europa eram sombrios. No Brasil, a pintura de Segall encheu-se de luz, como bem observou Mário de Andrade. Outros assuntos povoam suas obras, como favelas, prostíbulos, negros, pardos e pobres.
Segall passa a ser um grande nome na pintura, ao lado de Tarsila do Amaral, Di Cavalcanti, Cândido Portinari, Vicente do Rego Monteiro, Alberto da Veiga Guignard, Cícero Dias e tantos outros.
Em 2013, o Museu Lasar Segall homenageou o centenário da exposição de 1913. Foi difícil reunir todas as obras expostas em São Paulo e Campinas. Mostrou-se, então, o que foi possível. Todas as ilustrações desse artigo são cópias das obras apresentadas por Segall em 1913.
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