Brizola: "Perdão por ter criado Garotinho"
Aluysio Abreu Barbosa 05/03/2019 13:07 - Atualizado em 08/03/2019 16:21
Genilson Pessanha
Em 27 de novembro de 2000, o ex-governador Leonel Brizola recebeu a reportagem da Folha, em seu apartamento em Copacabana, para uma entrevista exclusiva. As perguntas giraram em torno dos arranjos que se faziam à eleição presidencial de 2002, primeira vencida por Lula e também disputada pelo então governador do Rio, Anthony Garotinho. Embora o político de Campos vivesse o auge da sua carreira política, Brizola foi profético: “tudo que acontece, numa linha de coerência de nossa parte, há de ser sempre no sentido de diminuir, de ir afastando a influência desse personagem”. E chegou a pedir perdão ao povo do Estado do Rio por ter criado Garotinho. Brizola morreu em 2004, aos 82 anos, antes de Garotinho não chegar nem ao segundo turno a governador em 2014, e ficar inelegível no mesmo pleito de 2018. No intervalo chegou a ser preso três vezes, somando a condição de ex-presidiário à de ex-governador. Antes de ver suas palavras confirmadas, Brizola disse: “Darcy Ribeiro sempre dizia que o homem é o ser vivo que cora. E o Garotinho não cora. Ele fica sempre com a mesma cara macilenta. Não se altera porque ele é frio nesses objetivos, e é por isso que ele mente, tem tão pouco amor pela verdade”.
Folha da Manhã – Qual a sua expectativa para o encontro de daqui a pouco com (o então governador de Minas) Itamar Franco?
Leonel Brizola – A melhor possível. Será uma visita de cortesia. Eu cultivo muito apreço pelo governador Itamar, em função das suas posições nacionalistas, pela forma como ele colocou-se em oposição a este governo desastroso do (então presidente) Fernando Henrique Cardoso...
Folha – O modelo neoliberal.
Brizola – Quando eu me refiro contra este governo federal, eu estou me referindo até mais do que ser contra o modelo neoliberal, é aos métodos, ao despreparo de um homem que parecia um grande intelectual e no fundo era um despreparado para uma função de tanta relevância como é governar o Brasil.
Folha – Há a possibilidade da costura de uma aliança à presidência (para a eleição de 2002, que seria vencida por Lula) tendo ele, Itamar, como candidato?
Brizola – Em verdade, o que há de concreto é que o governador Itamar é um homem público credenciado para ser candidato a presidente. Foi vice, foi presidente da República, governa Minas Gerais, foi senador. É um homem cuja trajetória na vida pública e sobretudo agora, com essa posição firme, essa visão concreta que vem assumindo na defesa dos interesses nacionais, está sem dúvida nenhuma credenciado para ser candidato. Talvez nesta hora da vida brasileira não exista outro mais credenciado que ele.
Folha – Nem o senhor?
Brizola – Não, eu sou... Estou fora... Eu já cheguei a um ponto, tais os problemas que tive que enfrentar na vida brasileira, como homem público, sendo candidato tantas vezes, lutando contra obstáculos muito grandes, questionando esse modelo econômico todo de fora para dentro, sem participar lá da rosca, do poder. De modo que neste momento eu sou um coadjuvante, sou alguém que está aqui mais para ajudar a compor uma solução viável para o país.
Folha – A aproximação com Itamar também não seria uma tentativa de inviabilizar a entrada de Garotinho no PSB e, por conseguinte, uma possível candidatura dele, Garotinho, à presidência da República (que aconteceu, mas não chegou ao segundo turno)?
Brizola – Olhe, quando nós tratamos dessas grandes questões, o papel que tem a desempenhar um personagem tão pequeno quanto Garotinho e com a inspiração tão medíocre, uma inspiração tão imediatista, tão impatriótica...
Folha – Impatriótica?
Brizola – É, uma inspiração impatriótica. Porque quando a gente só pensa em si, quando a gente só pensa a curto prazo, quando a gente só pensa no carreirismo, isso é uma atitude impatriótica. O povo brasileiro está sofrendo, nosso país está sendo colonizado, o colonialismo se aprofunda cada vez mais, e é com isso que nós temos que nos preocupar. Por isso que nem passa pelo nosso pensamento o que pode significar um personagem como Garotinho.
Folha – Voltando à aliança com o PTB, do (então) prefeito (do Rio) César Maia, até que ponto ela também não ser para tentar anular a consolidação do governador Garotinho no Estado do Rio de Janeiro?
Brizola – Olha, tudo que acontece, numa linha de coerência de nossa parte, há de ser sempre no sentido de diminuir, de ir afastando a influência desse personagem (Garotinho) na vida do Estado, que nós achamos que foi nefasta. Eu tenho até pedido perdão ao povo do Rio de Janeiro, por ter criado esse personagem, permitindo que ele se desenvolvesse. Mas às vezes penso que isso é parte do processo social, à custa de experiências, às vezes mais desastradas, conseguimos aprender nossas lições.
Folha – O senhor se sente como o Dr. Frankenstein, do romance de Mary Shelley, por ter criado um monstro?
Brizola – Não, nem chega a isso. É mais um macaco em loja de louça.
Folha – (Risos) O senhor acredita que com as medidas que ele vem tomando recentemente, como o restaurante popular e o salário mínimo de R$ 220, Garotinho tenciona assumir o posto de “pai dos pobres” deixado por Getúlio?
Brizola – Creio que são todas iniciativas marcadas pela demagogia. Mesmo aquelas que possam conter algum mérito, ele faz um aproveitamento publicitário tão grande, tão tendencioso, que tira o valor. Por exemplo, vamos tomar o caso do restaurante. Isso é uma improvisação, porque é uma medida que ele já podia ter feito um planejamento a esse respeito e até conquistado mais o apoio geral. Mas não, ele prefere surpreender. Eu não aposto em ações desse tipo porque como elas vêm, vão; são fogos de palha. Amanhã, ele toma outra iniciativa desse tipo e esquece esta. Eu quero ver como vai estar esse restaurante, pela falta de seriedade da administração dele, que em geral é um caos. É claro que eu não estou, com isso, querendo desfazer da realização propriamente dita. Estou desfazendo é dos seus métodos. Está procurando transformar aquilo ali numa bandeira político-eleitoral, quando o dever dele era fazer muito mais a esse respeito.
Folha – Falando mais especificamente para o campista, que elegeu um prefeito e seis vereadores do PDT que continuam apoiando veladamente Garotinho, mas não saem da legenda por paúra de perder o mandato. Como fica a situação do prefeito Arnaldo Vianna e seus seis vereadores? Há risco de uma intervenção no diretório de Campos, por exemplo?
Brizola – Nós estamos estudando, tranquilamente, os efeitos dessa infidelidade do governador, desse uso indevido, criminoso da máquina pública e dos recursos públicos, e das funções, dos empregos públicos, num processo totalitário, em prejuízo do próprio partido dele, o próprio partido que o fez, que o colocou no governo. E você irá ver o que iremos assistir todos daqui por diante. Nós vamos, tranquilamente, tomar as nossas posições. E vamos verificar que a maioria dos nossos companheiros responsáveis, companheiros sinceros, gente de convicção política trabalhista, principalmente os nossos companheiros pequenos, não vão atrás dessa onda de políticos que acabaram acompanhando o atual governador. Têm muitos que já vieram com ele próprio e fazem parte dos seus áulicos, da sua curriola. É natural que, como eles vieram, se vão. Não tem nada a ver com o partido. O partido existiu antes deles e vai continuar existindo. O partido inteiro, do Brasil inteiro, está censurando o procedimento desse Garotinho. E, aqui no Rio, a massa vai falar. Vamos deixar correr porque esse tempo dele, de força no governo, força que nós lhe demos, também vai acabar. E nós queremos ver o que vai acontecer com esses que se consideram políticos, quadros políticos, que estão indo com o Garotinho. Vão para onde? Vão pra os braços do Moreira Franco? Ou vão para o PFL? Ou vão para Fernando Henrique? Porque, no PDT, eles perderam toda a chance.
Folha – No PT também.
Brizola – O PT está cortando pela base. Eu quero ver para onde Garotinho vai levar essa gente.
Folha – O senhor entende Garotinho como um político de esquerda?
Brizola – Não, eu acho que ele é um político oportunista, ele é um político carreirista. Ele tanto pode entrar fazendo carreira pela direita, como pela esquerda. Por acaso, ele entrou pela esquerda, porque vinha de uma família de pequenos recursos, entrou por ali. Mas ele faz a política das vantagens, dos interesses, sempre somando poder. Ele é um político que corre na direção do poder, assim como é o (então governador do Paraná) Lerner. Isso é um tipo de política que eu considero antibrasileira.
Folha – O senhor colocaria Jaime Lerner no mesmo barco de Garotinho?
Brizola – No barco da política antibrasileira, da mentalidade que domina as atitudes, os pensamentos, de camadas de pessoas que ainda não construíram um verdadeiro amor por esta terra. Falta estágio social para eles, para serem bem brasileiros. Então, entendem a política só como a busca do poder. Francamente, esse Lerner, aqui nesta mesa, quando ele veio aqui se despedir, tentando me explicar porque deixaria o nosso partido, disse: “Governador, eu preciso de mais poder. Poder, eu só vou encontrar com o governo, com o Fernando Henrique. Então, eu vou ao encontro dele”. Eu digo: “Lerner, então vai já. A porta está ali, se é isso que você anda buscando”. Fui muito duro com ele, como competia. Eu acho que as pessoas como Garotinho, a rigor não são nem de direita nem de esquerda. Tudo é conforme as conveniências. Ele trança, ele faz política com gente de esquerda, com gente de direita, com a mesma cara, sem nenhum sentimento de vergonha. O Darcy Ribeiro sempre dizia que o homem é o ser vivo que corava, é o único ser vivo que corava. E você percebe que o Garotinho não cora. Ele fica sempre com a mesma cara macilenta. Ele não se altera, porque ele é frio nesses objetivos, e é por isso que ele mente, tem tão pouco amor pela verdade. Então, são políticos que não são nem de direita, nem de esquerda, são políticos dos interesses. Não deixa de ser política, uma política de direita...
Folha – Fascista?
Brizola – Fascista, totalitária.
Folha – Como Goebbels, ministro da propaganda de Hitler: Repita sempre a mesma mentira ao povo que ela vai acabar virando verdade. É por aí?
Brizola – Exato.

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