Queda de Lula nas pesquisas, Israel, Brasil e a passação de pano
Aluysio Abreu Barbosa 16/03/2024 09:59 - Atualizado em 16/03/2024 10:02
No último domingo (10), republiquei em meu blog, Opiniões, o artigo de Elio Gaspari, a quem considero o maior jornalista brasileiro entre os vivos, publicado em O Globo e na Folha de S.Paulo naquele mesmo dia. Pela precisão da sua análise da queda brusca de popularidade do presidente Lula (PT), registrada pelas recentes pesquisas Quaest e Ipec (antigo Ibope).
Como faço com outros textos que publico sobre política, mesmo quando não de minha autoria, enviei o link daquela republicação por WhatsApp a pessoas que julgo balizadas, em suas múltiplas visões. No intuito de divulgar e, eventualmente, colher alguma repercussão.
Entre as respostas, uma pretendeu justificar a fala de Lula em 18 de fevereiro, em Adis Abeba, capital da Etiópia, sobre os crimes cometidos por Israel na Faixa de Gaza. Que tropeçou no desastre quando Lula comparou Hitler aos judeus, 6 milhões deles exterminados pela Alemanha nazista na II Guerra Mundial (1939/1945). E que, junto à subida de preço dos hortifrutigranjeiros, sangrou a popularidade do presidente do Brasil de hoje.
A tentativa de passar pano não só simulou desdém à realidade presente. Avançou ainda mais no delírio ao apelar à futurologia: “Lula não está tão preocupado com índices de aprovação política. Os posicionamentos dele indicam uma preocupação de sua imagem em nível mundial e a longo prazo. Como ele será lembrado daqui a 30, 50 anos, quando a História for contada?”
Além do sofisma da bola de cristal, a resposta veio com a pessoalidade pretensiosa do “não sejamos ingênuos, Aluysio”. Tanto pior quando o passador de pano é uma referência em sua área profissional, gente boa e dotado de razoável cultura geral. E tudo se esvai no comportamento de seita política, sem tirar nem pôr ao que há de pior no bolsonarismo.
A tréplica ao passador de pano lulopetista, não por acaso, se deu em 13 pontos. Que, por se tratar do debate de um tema de interesse público, estão reproduzidos abaixo:
1 – Sim, aos 78 anos, a idade de Lula pode ser responsável pelas estultices que anda regurgitando, sempre que fala de improviso. Assim como o isolamento e o ressentimento dos 580 dias preso. Como o fato de não ter mais figuras como José Dirceu e Genoíno, caídos em desgraça, e Luiz Gushiken, falecido em 2013, para lhe dizer as verdades.
2 – Hoje, infelizmente, Lula parece dar mais ouvido a Janja e Celso Amorim do que ao seu líder no Senado, Jaques Wagner: “Sou amigo do presidente Lula há 45 anos e tive a naturalidade de visitá-lo e dizer: 'Não tiro uma palavra do que você disse, a não ser o final, que, na minha opinião, não se traz à baila o episódio do Holocausto para nenhuma comparação’”.
3 – Como todo historiador foge como o diabo da cruz da futurologia, melhor deixar esta às cartomantes. De como a História contará o presente, saberão os pósteros. Pretender legar a ela o julgamento que hoje já faz o eleitor brasileiro, além da bravata, não é nem só ingenuidade; é desinteligência. Oposta ao pragmatismo político que deveria ter quem pretendia recuperar o voto evangélico perdido à disrupção cognitiva do bolsonarismo. Do qual a passação de pano companheira é cópia carbono. Nos dois casos, aprofunda o problema.
4 – Em resposta aos crimes de guerra do Hamas em 7 de outubro, Israel promove de lá até aqui crimes de guerra na Faixa de Gaza. Ambos sem pudor a civis, crianças e mulheres. Se é genocídio em um caso, ou no de quem propõe publicamente em seu estatuto a eliminação do Estado de Israel, o juízo cabe ao Tribunal Penal Internacional de Haia. Que já analisa a denúncia neste sentido feita pela África do Sul, com apoio do Brasil e mais de outros 70 países.
5 – De qualquer maneira, como disse em entrevista ao Folha no Ar do último dia 6 a Letícia Haertel, especialista em Direito Internacional com atuação na Corte Interamericana de Direitos Humanos e na Comissão de Direito Internacional da ONU, o que é necessário para se configurar genocídio é a intenção (Art. 6º do Tratado de Roma). E, a despeito de julgar que, sim, é genocídio, ela também ressalvou que o dolo será objetivamente difícil de provar.
6 – Sim, os EUA ainda se arvoram de “polícia do mundo”. Mas é inverdade que sejam os únicos que determinam “o que pode e o que não pode”. No Conselho de Segurança da ONU, também têm poder de veto GBR, França, Rússia e China. Pelo “pode” dos dois últimos, por exemplo, Putin continua a perpetrar crimes de guerra na Ucrânia. Entre eles a deportação forçada de crianças ucranianas à Rússia. Que já rendeu o mandado de prisão a Putin pelo Tribunal Penal Internacional. Sob o silêncio seletivo e cúmplice de Lula e da esquerda pré-Muro de Berlim.
7 – Tanto quanto seria julgar o Brasil pelas estultices que Bolsonaro ou Lula regurgitam como presidentes, confundir Israel com o governo Benjamin Netanyahu é um erro grosseiro. Que só pode ser cometido por quem ignora a história do povo judeu e da formação do seu Estado moderno. Para a eventual surpresa dos ditos “socialistas” de hoje, mais próximos aos nacional-socialistas (nazistas, na corruptela) de ontem em seu galopante antijudaísmo — antissemitismo ignora que os povos árabes são tão semitas quanto os judeus —, Israel foi arquitetado na mente gigantesca de Ben Gurion, com o socialismo sem aspas como base.
8 – Em seu 6º mandato como primeiro-ministro, Netanyahu não é um político de extrema-direita e/ou fundamentalista religioso. Por oportunismo, tornou-se! Em 2022, na aliança do seu conservador Likud aos partidos ultraortodoxos Judaísmo Unificado da Torá e Shass, e aos da extrema-direita Sionismo Religioso, Força Judaica e Noam. Para ter maioria no Knesset, Parlamento israelense. Que é como se chega ao poder em uma república parlamentarista. Da qual Israel, a despeito dos crimes do seu atual governo, é um exemplo ao mundo. De Estado democrático, eficiente e de forte compromisso cidadão.
9 – Além do Holocausto, houve outros genocídios comprovados do mundo. Como o nosso, em uma América onde os índios foram reduzidos a minorias, o da escravidão negra pela Europa na África, do particular nela promovido no Congo pela Bélgica de Leopoldo II, dos armênios pelo antigo Império Otomano no Medz Yeghern (“Grande Crime”), dos ucranianos pela União Soviética de Stálin no Holodomor (“Terror-Fome”), dos praticados contra o seu próprio povo por Mao Tsé-Tung na Grande Fome da China, ou pelo Kmer Vermelho de Pol Pot no Camboja.
10 – Nenhum desses genocídios comprovados, no entanto, foi estruturado numa linha industrial de morte como a Alemanha nazista de Hitler fez com os judeus na II Guerra. Para não ficar só na mera opinião, tente deixar de lado os contorcionismos da futurologia e leia “O Holocausto: História dos Judeus na Europa na Segunda Guerra Mundial”, do historiador britânico Martin Gilbert. Ou o testemunho detalhado de “Os Fornos de Hitler: A História de Uma Sobrevivente de Auschwitz”, da judia romena Olga Lengyel.
11 – Há outro genocídio comprovado mais próximo em tempo de nós. O da etnia tútsi pela hútu em Ruanda, em 1994. Que deixei aqui para exemplificar as palavras do rabino judeu brasileiro e progressista Nilton Bonder, ao condenar a comparação de Lula: “Não se pode comparar judeus a Hitler, da mesma maneira que não se pode chamar de escravagistas os africanos genocidas de africanos”. O politicamente correto que dá em Chico, dá em Francisco.
12 – Lula poderia ter dito tudo que disse em Abis Abeba, condenando com severidade os crimes de guerra de Israel, mas sem comparar os judeus a Hitler. Defender isso, como bem ressalvou Elio Gaspari, é crer em Lula como profeta. Diferente da subserviência de seita que seus passadores de pano assumem e, pior, tentam impor, Lula não tem infalibilidade papal.
13 – Os petistas questionaram as pesquisas em 2018, como os bolsonaristas em 2022. Com a mesma consequência prática após a urna: chorar a dor de corno no quente da cama. Voltar a questioná-las agora, se for para abraçar a ciência oculta da futurologia, pavimenta a volta da extrema-direita ao poder. No Brasil, porque nos EUA de Biden, a volta de Trump parece a cada nova pesquisa mais provável. Atentos às últimas pesquisas Quaest e Ipec, Tarcísio e Caiado já arrumam neste março de 2024 as malas para Tel Aviv. Como escala prevista a 2026.

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