Natália Soares: Uma Câmara pensada junto com mulheres
Rodrigo Gonçalves, Aluysio Abreu Barbosa, Cláudio Nogueira e Matheus Berriel 09/03/2024 08:31 - Atualizado em 09/03/2024 08:34
Natália Soares
Natália Soares / Genilson Pessanha
“Uma Câmara pensada junto com mulheres amplia direitos para toda a população”. É com essa defesa que a professora Natália Soares (Psol) espera uma mudança no Legislativo campista, atualmente com as suas 25 cadeiras ocupadas por homens e marcado por momentos que “extrapolam a política e qualquer civilidade”. Candidata a prefeita de Campos em 2020 e pré-candidata a vereadora em 2024, ela foi a entrevistada do Folha no Ar, da Folha FM 98,3, dessa sexta-feira (8), Dia Internacional da Mulher. Defendendo um alinhamento estratégico dos partidos de esquerda, Natália disse o que espera das federações Psol/Rede e PT/PC do B/PV para as eleições de 6 de outubro. “É importante derrotar esse conservadorismo presente na sociedade”. Contra o bolsonarismo, explorado politicamente pelo prefeito Wladimir Garotinho (PP), a professora vê no nome da deputada estadual Carla Machado a maior chance para angariar votos à esquerda e estar colocando o PT em evidência, ainda mais agora com investimentos volumosos do governo Lula na planície com o PAC. Mesmo que Carla hoje tenha impedimentos jurídicos de concorrer à Prefeitura de Campos, por ter sido prefeita de SJB nos dois últimos mandatos, Natália acha que a discussão ainda renderá “caldo”.
Federações à esquerda — A minha linha dentro do partido é sempre buscar fazer as articulações e que a gente caminhe não necessariamente em unidade pragmática, ou seja, não necessariamente que as duas federações (Psol/Rede com PT/PC do B/PV) se reúnam e criem uma única chapa; não significa isso; mas, ter um alinhamento estratégico. Inclusive, quando a gente veio em 2020, não considero a minha candidatura e a candidatura da Odisseia Carvalho (PT), por exemplo, excludentes no mesmo campo. Pelo contrário, acredito que seja uma candidatura de fortalecimento, porque as pautas caminham juntas em muitos sentidos. Eu acho que esse alinhamento de pautas tem que estar presente, apresentando um projeto de sociedade diferente ao projeto que está colocado. A gente tem gargalos, por exemplo, que essa gestão não consegue solucionar: a questão da mobilidade urbana, a questão do transporte... A gente continua com problema nas áreas rurais. Então, são pautas que precisam ser colocadas, com uma gestão democrática que, por exemplo, priorize orçamento participativo; que tanto a Câmara quanto o Executivo consigam caminhar juntos. Mas, o que a gente vê acontecendo é uma queda de braço permanente. Não estou dizendo que quedas de braço não vão acontecer, isso faz parte da política e da democracia. Onde tem democracia, tem que ter contraditório, porque é no contraditório que a gente cresce, se coloca e questiona. Então, não são candidaturas diferentes, ainda que a gente caminhe separado. Mas, ainda tem conversas. As duas federações precisam sentar e conversar para entender e pensar se a gente consegue caminhar pragmaticamente junto. Talvez não, talvez sim, mas isso não significa um desalinho de programa, um desalinho de programa, um desalinho programático. E eu acho que é mais importante a gente se manter unido pragmaticamente, no sentido de que é importante derrotar esse conservadorismo presente na sociedade.

Carla Machado como possível candidata do PT em Campos —
Acredito que esse papel da Carla é estratégico também. É a pessoa que mais angaria votos. Gosto muito do Hélio Anomal, gosto muito do Jefferson (Manhães), acredito que são nomes muito importantes. A Carla Machado, na verdade, tem uma estratégia de articulação dentro do próprio grupo e de articulação para fora desse grupo, inclusive para negociar pautas que são importantes, temáticas. É uma forma também de projetar o próprio PT nessas eleições. Então, eu acho que cumpre um papel. Na verdade, essa candidatura, ainda que a Justiça tenha dado que ela não pode concorrer em nenhuma prefeitura do Brasil, isso ainda não tem uma definição. Existe um entendimento, mas não tem uma definição cabal de que de fato não poderá. É um entendimento, que pode mudar também. Até lá, ainda tem caldo. Acho, inclusive, que esse é um papel de pressão política que ela vem fazendo, para dentro e para fora do partido, inclusive comunicando isso com a população. Isso acaba comunicando e gerando uma visibilidade também para o PT, que hoje é o partido do qual ela faz parte (...) Acredito que o mais importante é caminhar em unidade. Assisti à entrevista do Jefferson esses dias, e ele falava que, independentemente de quem será o candidato do PT firmado depois das convenções e tudo mais, precisam caminhar em unidade. Eu acredito muito nisso. Acredito muito em projetos. Obviamente, tenho minhas críticas à gestão da Carla em SJB, assim como a gente tem as nossas críticas também à gestão do Lula, a gestões que são próximas e que a gente defende. Então, acho que é importante caminhar em unidade, e a Carla exerce esse papel, nesse momento, de angariar votos, de puxadora, de estar colocando o PT em evidência, em foco.

Câmara Municipal masculina —
É uma Câmara arrasadora em diversos aspectos. Uma Câmara pensada junto com mulheres amplia direitos para toda a população. A gente sempre fala que pautas femininas, feministas, na verdade atendem a toda a sociedade: atendem a homens, a mulheres, a todo mundo. É aquela frase que complementa essa: não me dê apenas parabéns no Dia das Mulheres; levante e lute comigo nos outros 364 dias do ano. A gente sempre está em luta. Por exemplo, o trabalho das meninas que estão lá no Movimento Unificado de Mulheres, que fizeram um ato na praça São Salvador com vários sapatos vazios, marcando a presença e o lugar dessas mulheres que se foram, não estão mais entre nós porque foram violentadas da forma mais brutal possível, tendo as suas vidas ceifadas. Então, olhar para essa Câmara é uma afronta todo dia. É como se isso nos atentasse, atentasse nossos direitos, atentasse quem a gente é, e que fosse com requintes não só de crueldade, mas de hipocrisia quando se deseja, por exemplo, parabéns para as mulheres no Dia das Mulheres.

Sem representatividade —
Ver essa Câmara, em que também não é possível contar especificamente com nenhum vereador para as nossas pautas, para as pautas progressistas... É óbvio que o diálogo tem que estar sempre aberto. Diálogo é a arte da política, isso não pode ser fechado. Acho que o diálogo é muito importante. A gente tem que estar sempre conversando, disputando e pleiteando, tentando. Mas, é muito triste, inclusive, a gente ver que uma parte dos vereadores que estão ali colocados não sabe do que se trata o exercício de ser vereador. Quando a gente vai discutir, por exemplo, um projeto de lei, não entende o projeto de lei. Então, a gente vê como Campos está! Uma cidade como Campos, de porte médio, com mais de 500 mil habitantes, delegada a um joguete. Fora os trabalhos... Os anos de 2022 e 2023 com sucessivas brigas, palavrões, empurra-empurra, gente se estranhando o tempo inteiro. Isso extrapola política, extrapola qualquer civilidade. Falando bem no senso comum, parece o Reino da Macholândia. A gente reconhece na sociologia, por exemplo, a socialização masculina. O que é se socializar como homem? É estar disposto a ir para o embate e cair na mão, a chamar para cair na mão depois. Isso aconteceu na Câmara em Campos! Isso é muito esdrúxulo, é bizarro! Então, a gente que fica olhando de fora, que defende as nossas pautas e que fala também das pautas das mulheres para a cidade...Aqui tinha que ter um pacto também; tem um pacto agora nacional para o combate à violência contra as mulheres, que a ministra da Mulher vai lançar. Aqui também a gente devia ter um pacto de combate à violência contra a mulher. A violência contra a mulher tem índices alarmantes, os números não reduziram. A violência contra a mulher se espraia de diversas formas: violência física, psicológica, patrimonial, moral... violências tipificadas pela Lei Maria da Penha. Para além dessas, a gente ainda vai ter violência política de gênero. Então, quando eu olho para essa Câmara, eu vejo a negação dos nossos direitos; a negação de todos os direitos das mulheres e das pautas que são importantes para a sociedade. E mais: eu vejo esse jogo aí, da queda de braço entre Legislativo e Executivo, que demonstra uma ruptura da civilidade, como se, de fato, fosse aquela socialização masculina que a gente lê nos livros de antropologia, de sociologia, que vai se dar pela violência. Inclusive, acredito que se as mulheres ocupassem mais o espaço do poder, a gente não teria tantas guerras pelo mundo. Se tem uma coisa da nossa educação e que todos precisam aprender, é o cuidado. O cuidado algo que tem que estar para todo mundo, só que, infelizmente, apenas as mulheres foram educadas para o cuidado. É uma sociedade que precisa avançar nas políticas do cuidado, inclusive (...) E é importante colocar que não estou falando da mulher, mas de uma relação estabelecida, de uma organização social que foi estabelecida com uma base sexual e que busca descortinar uma invisibilidade. Gênero mostra para a gente as desigualdades entre homens e mulheres. Desigualdades no trabalho, porque a gente ainda recebe 78% do salário de um homem; de ocupar os cargos de liderança; de estar nos espaços de poder. Em 2022, a gente sai de 15% e vai para 18% de ocupação do Congresso por mulheres. Mas, é preciso mais. É preciso que essas mulheres também pensem pautas que vão ao encontro dos anseios das mulheres: os direitos sexuais e reprodutivos, a questão de ampliação de creches... Inclusive, falar de creche é falar de uma coisa importante na educação. O horário da creche foi alterado em Campos. Isso tem afetado muitas trabalhadoras. Agora são seis horas, mas como você pode cobrar de uma mãe que vai para o trabalho, passa oito horas, que duas horas antes ela vai poder voltar e buscar o seu filho? Então, essa é uma pauta importante para Campos também. A gente teria até que ter creches em tempos integrais.

PAC de Lula e Wladimir com os Bolsonaro —
Lula anuncia o PAC, e Campos vai receber investimentos volumosos na educação, o que é muito importante. Quando se polariza, eu acho que essa política também foi transformada nesse joguete que permitiu, aqui em Campos, a projeção de algumas figuras aparecendo e comentando sobre essa questão. Lula lança o PAC, Campos recebe, Wladimir se coloca pragmaticamente... Sim, a função do prefeito é buscar, se articular com todo mundo. Inclusive, é algo que ele tem feito durante toda a gestão, buscando articulações fora, no Governo Estadual, no Governo Federal, para inclusive trazer investimentos para Campos. Então, acho que esse é um papel de relevância. É isso mesmo: um político tem um papel de se articular com as diversas forças, de comunicar com os diversos. Esse vídeo com Flávio Bolsonaro, a crítica em cima desse vídeo, dizendo que “porque recebe, aí deveria também estar fazendo a mesma coisa”, acho que uma coisa não justifica a outra. Em relação ao PAC, é função do Governo Federal também, ou seja, não é essa coisa de “nossa, o Lula...”. Estar chegando recursos para Campos é muito importante. Obviamente, tem um reconhecimento.

Cientista político George Gomes Coutinho ponderou que verbas não são favor particular do governo Lula—
Exatamente! Não é favor, é o papel. Eu acho que quando as gestões cumprem o seu papel, é muito importante. Mas, é preciso dizer também que muitas não cumprem aquilo que foi acordado ou não se colocam. Porque a política pública traz uma tragédia, que é ter que fazer escolhas. Então, nessas escolhas, não necessariamente uma gestão vai priorizar, por exemplo, um Programa de Aceleração do Crescimento... Quando a gente fala das prioridades, a gente fala, inclusive, em acreditar e apostar num governo que tem pactos para combate, por exemplo, da fome (...) Então, embora não seja favor, existe uma escolha, e eu acho que essa escolha é muito importante. Acho que isso norteia as políticas. Então, fico muito feliz do anúncio do PAC para Campos e acho que, nessa questão, Wladimir está buscando, está conversando. Ele dialoga com todas as forças. Agora, o vídeo (com Flávio Bolsonaro) é, realmente, tentativa de capitanear os eleitores, sendo uma cidade extremamente conservadora ainda. Embora a gente lute muito com todas as forças para refletir com a população o que significa a manutenção de valores tão arcaicos para a sociedade, ainda é uma sociedade conservadora. Então, é uma sociedade que vota em peso em Bolsonaro, e aí o Wladimir busca também capitanear. Lá na eleição passada ele já havia defendido isso: ele sobe em trio, vai fazer campanha junto. Então, tem a foto com a Michele e o vídeo com Flávio Bolsonaro na perspectiva de se consolidar eleitoralmente também. Ele busca suas articulações. Isso reforça para a gente, do campo da esquerda, do campo progressista, mais ainda a necessidade de firmar um programa em comum que, na verdade, diga claramente: a gente busca combater essa política; ou seja, a gente busca combater os efeitos deletérios também da extrema direita. Porque a gente tem hoje uma questão de as vacinas não estarem... A adesão às vacinas de dengue está baixíssima, e isso é um impacto dos quatro anos que a gente teve de governo de uma política negacionista. Então, quando você tem o prefeito da cidade também se colocando num vídeo ao lado dessa perspectiva negacionista, eu acho que traz um pouco disso também para dizer assim: sim, pretendo me consolidar eleitoralmente. Mas, a que custo? Com quais pessoas? Quais pessoas estão ao meu lado nas trincheiras? Isso importa mais do que a própria guerra às vezes. Então, acho que isso é muito simbólico para a cidade. Acho que não que a gente devesse questionar a questão de não sinalizar sobre o governo Lula, mas de sinalizar o que significa esse apoio do Flávio ao Wladimir Garotinho em Campos. Ele é o candidato do Bolsonaro em Campos? Sim, isso está desenhado. Então, isso simbolicamente tem um impacto muito destrutivo para as nossas políticas, às políticas que a gente defende.

A força da mulher —
Esqueci de comentar antes: ontem ou anteontem, teve a questão do leite na fila da secretaria municipal de Saúde. Isso também é muito importante. Quando a gente pensa, por exemplo, na nutrição infantil; quando a gente pensa em creche; quando a gente pensa em leite; quando a gente pensa em menstruação; quando a gente pensa em direito a ter mamógrafo; todas as UBS’s terem ginecologista, isso é muito importante, porque se trata de saúde feminina. Então, isso é elementar, precisa avançar. Ter acesso a um mamógrafo, que é superimportante, de forma ágil, porque isso ajuda a prevenir câncer de mama. Não adianta fazer uma campanha grande em outubro, por exemplo, no Outubro Rosa, se isso não está se concretizando nos dias. São muitas coisas para caminhar. E aqui as mulheres lutam! Se a gente puder fazer uma menção a esse lema que está na nossa bandeira (de Campos), se coloca “até”, mas aqui as mulheres lutam; aqui as mulheres sempre lutaram por direitos, por igualdade. A questão é que isso não tem se traduzido no imaginário social, nas práticas sociais e na ocupação efetiva. Nem de cargos, e aí a gente vai ver a Câmara toda masculina, nem de direitos. Nós precisamos acreditar que é possível transformar porque a história demonstra que é possível transformar. As lutas mostram isso: se a gente tiver organizada coletivamente, a gente consolida conquistas muito importantes, que valorizem sobretudo a vida das mulheres (...) Acredito que é possível mudar, porque a cultura somos nós que fazemos. Então, se a gente tem essa cultura patriarcal, a gente também pode desconstruir. Isso não significa não valorizar os homens. Isso significa lutar por homens que também pautem a inclusão, que também pautem a política do cuidado, que também pautem afetos, que acolham, que valorizem e que estejam ao lado para parceria, não para violência.

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