*Felipe Fernandes
07/02/2024 08:34 - Atualizado em 07/02/2024 08:34
Reprodução
Anatomia de uma queda (Indicado a 5 Oscars) - Em uma determinada cena do primeiro ato, Sandra afirma para seu advogado que não matou o marido. Em resposta, ele diz que esse não é o ponto. A verdade já não é o foco principal, mas sim o que pode ser provado.
A partir do corpo jogado na neve, Justine Triet constrói uma obra em que diferentes narrativas se misturam a diferentes tipos de mídia para revelar em um tribunal a intimidade e os conflitos de um casal de escritores rancorosos e em constante conflito de egos.
Me agrada muito esse tipo de história que parte de um ponto específico (e visualmente impactante), para a partir de suas consequências, construir sua trama, tomando caminhos inesperados.
O filme poderia narrar uma história de tribunal como tantas outras, mas a questão do crime ou do suicídio fica em uma segunda camada, enquanto narrativas são criadas e a intimidade da família se torna pública, mexendo com a relação entre mãe e filho.
Triet usa diferentes tipos de mídias para destrinchar à situação. São fotos pessoais, arquivos de audio, imagens de câmera amadora, formando um retrato dos tempos modernos, onde tudo é registrado e o privado se torna público de acordo com a demanda.
O filme brinca ao inserir rápidas passagens visuais, corroborando o discurso ora da defesa, ora da acusação. São as narrativas ganhando força na mente de quem julga e de quem assiste, se tornando imagens “reais”.
O roteiro da diretora e seu parceiro Arthur Harari é cuidadosamente montado para jogar com as expectativas do público, misturando contradições e sentimentos que mexem com o público e com a percepção que temos da situação.
A atuação impressionante de Sandra Hüller é primordial nesse processo, já que ela consegue transitar entre diferentes sentimentos, reforçando não só a duvida no espectador, mas demonstrando uma mistura de força e fragilidade difíceis de se reproduzir.
Interessante que o casal protagonista da situação sejam justamente escritores, criadores de ficção e o fato da obra de Sandra ser levada para dentro do tribunal, atribui um peso interessante, com a ficção fazendo seu caminho inverso.
“Anatomia de uma queda” é um filme dramaticamente poderoso e através de grandes atuações e uma narrativa minuciosa, narra uma história de tribunal que mistura narrativas e faz do julgamento um espetáculo expositivo e doloroso.