Confesso que a ideia de um filme da Barbie parecia mais uma aposta de produção muito infantil ou uma produção que apostaria na nostalgia de um público que teve a Barbie como parte importante de sua infância. Quando foi anunciado que Greta Gerwig iria escrever e dirigir o longa, as coisas já começaram a me parecer diferentes.
Gerwig é uma diretora conhecida por filmes alternativos, de baixo orçamento, com histórias intimistas focadas em mulheres. O que poderia sair dessa mistura? Eis que “Barbie” chegou aos cinemas e se tornou um fenômeno, que ultrapassou impressionantes números de bilheteria, ganhando projeção fora dos cinemas, de diversas formas. Mas, afinal, a que se deve esse enorme sucesso?
É preciso reconhecer que “Barbie” é um filme acessível, mas ele tem um público-alvo muito claro: o público feminino adulto. É hora de tirar as crianças da sala; o filme definitivamente não é para elas. Isso já prova que é uma obra que vai apostar na nostalgia. Mas, muito diferente dos diversos filmes com essa proposta que vêm saindo nos últimos anos, “Barbie” é um longa de personalidade e com algo a dizer.
O longa dá vida à Barbieland, um mundo cor de rosa em que todas as mulheres são Barbies e praticamente todos os homens são Kens. Um universo lúdico, colorido, onde tudo é perfeito e todos são felizes. É a partir dessa caricatura, utilizando elementos estéticos comuns à personagem-título, que o longa cria uma grande ironia para questionar, através do humor e dos exageros, o papel da mulher e o machismo estrutural em nossa sociedade.
É com a quebra desse mundo perfeito que surgem os questionamentos que levam Barbie e Ken para o mundo real. É nesse momento que o longa mostra o seu ponto. A Barbieland é o reflexo oposto de nosso mundo, até mesmo visualmente falando, e os efeitos de tal descoberta são completamente diferentes entre os dois personagens. Mais curiosa se torna a origem desses questionamentos, uma virada muito inteligente na relação da boneca com o público-alvo do longa.
O filme é repleto de metalinguagens, referências, e traz um humor surpreendente, que funciona muito, pois o espectador se identifica com muitas das situações bizarras que ele encontra ali. O discurso mais direto fica por conta de Glória, a personagem que é a representação do público-alvo, e é ela quem vai ao resgate de muito mais que sua antiga boneca, mas da mulher que foi soterrada pelas exigências impossíveis de um mundo desigual.
O filme também visita muito da história da boneca e brinca com as várias críticas e polêmicas envolvendo a Barbie durante os anos. A própria protagonista é a Barbie estereotipada, representada com perfeição por Margot Robbie em uma escolha de elenco óbvia e acertadíssima. A protagonista passa por questionamentos e transformações, tal qual uma menina (o grande público da boneca) que aos poucos conhece o mundo real e precisa preservar seu mundo perfeito (infância), mas buscando uma ruptura que permita a ela se encontrar através do amadurecimento.
Mais do que um manifesto feminista, “Barbie” também traz um olhar crítico sobre a masculinidade. Retratados de forma infantilizada ou idiotizada, tanto os Kens quanto os executivos da Mattel seguem o estilo da caricatura. Uma decisão tão natural quanto aos bonecos, que ganham diversos momentos pertinentes e engraçados, mas que se torna uma piada cansativa em relação aos executivos, já que não passa de uma repetição.
Os Kens são um caso à parte, e essa figura masculina, representando o que seria o reflexo do “sexo frágil” desse outro universo, certamente é o ponto de incômodo para muita gente. A caricatura nesse sentido exalta o ridículo da relação de muitos homens com um lado muito estranho da masculinidade, e o incômodo gerado só ressalta a fragilidade dessas relações e a importância de muito do que é explicitado e criticado nas mensagens do filme.
“Barbie é uma grande surpresa”. Um filme divertido, engraçado e muito pertinente, que usa o colorido, o exagero e o humor para expôr, subverter e criticar questões da sociedade. Um filme cheio de camadas e mensagens, embaladas em uma linda e estilosa fantasia cor de rosa, cheia de nostalgia, reflexão, crítica e entretenimento.