Medo e delírio sobre quatro rodas: um passeio de ônibus em Campos
Ícaro Abreu Barbosa 26/03/2022 16:10 - Atualizado em 26/03/2022 16:11
Mais um dia começa e tá na hora de pegar o ônibus em Campos. Vamos ver o que acontece fora das telas, feeds e stories. De quebra, dá para expulsar o suor espesso das cervejas da noite passada. Por volta das 14 horas o sol é forte e o dia está limpo. Aquela bola de fogo gargalha ondas de calor, castigando todos sem fazer distinção na planície goitacá.

Já no coletivo, em pé, eu amaldiçoo a dor de cabeça, e cada buraco aberto na via, até que, entre um solavanco e outro, o ambiente se torna hostil… sons improvisados com a boca começam e logo uma voz esganiçada levanta o coro... “Essa daqui é a boquinha de veludo”… “Ela anda bem, @#&?/@ bem, louca pra ter neném”… e por aí vai, com os palavrões fazendo apologia à droga e sexo ficando cada vez mais explícitos. É a turma do fundão e o seu ‘pancadão’. São alunos de um colégio estadual voltando para casa. Com seus urros e grunhidos eles aborrecem a vida e constrangem todos aqueles que pagam o seu futuro.

A cena é feia e degradante. Infelizmente é rotineira. No caso registrado em vídeo, um grupo de cinco alunos — meninos e meninas — improvisa um tipo de funk que nem pode se dignar a ser classificado como “baixo calão". Aquilo já era muito pior.

Longe de querer soar como patrono da moral e dos ‘bons costumes’ – posso ser um péssimo exemplo na grande maioria das vezes – mas os ‘estudantes’ mostram um nível de desrespeito assustador. Eles zombam dos passageiros, dos motoristas e trocadores, e fazem todos sentirem raiva, pena e, por fim, tristeza. “…É por isso que eu falo, minha filha, esse povo (juventude) ‘tá tudo’ perdido”, disse, meio melancólica, uma das passageiras para uma outra mulher que parecia ser sua amiga.

Até tentei puxar conversa, mas estava apressado para registrar as imagens e a identidade da moça e sua interlocutora me pareceu irrelevante naquele momento… então percebi que já estava na minha hora de descer.

Um pouco mais tarde, enquanto caminhava pelo shopping, olhando pessoas e vitrines, me peguei remoendo mentalmente aquelas cenas protagonizada pelos adolescentes e pré-adolescentes que não aparentavam nenhuma embriaguez — uma coisa que, em último caso, poderia explicar aquela falta de noção.
Os acontecimentos daquele ônibus se repetem em tantos outros que circulam pelo município, pelo estado e pelo país. Eles esfregam a decadência da nossa sociedade na cara de todos e abrem as cortinas para tempos realmente tenebrosos. O país está apodrecido nas suas raízes. O navio está afundando, então preparem os botes salva-vidas: o futuro está realmente perdido.  

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