Arthur Soffiati - 3/4 de século: as fases de uma vida (II)
* Arthur Soffiati 16/02/2022 20:52 - Atualizado em 17/02/2022 18:32
Ao retornar de Paranaguá ao Rio de Janeiro, em 1956, fui matriculado no colégio Senador Correa, praça São Salvador, em Laranjeiras. Residimos durante um ano no último prédio do Cosme Velho. Em 1957, meu pai alegou que morava muito longe do quartel onde servia, em Deodoro da Fonseca. Mudamo-nos para Padre Miguel, rua Ceriba, 130. Conheci uma nova realidade: morar num subúrbio do Rio de Janeiro, numa rua sem calçamento e com valas nas margens que recebiam esgoto. Mas gostei da experiência. Fui matriculado no ginásio Souza lima, em Realengo. No ano seguinte, fui transferido para uma escola perdida em outra rua sem calçamento, quase área rural. Lembro-me bem de uma porca amamentando muitos porquinhos. Mais uma vez, mudei de escola e também de endereço. Fomos para a rua Ibitiuva, 314. Matricularam-me no colégio Wenceslau. Depois, voltei para o Souza Lima, onde cursei os quatro anos de ginásio.
Tentei o primeiro ano de científico na mesma escola, aos 17 anos. Não consegui concluir por conta da minha crise, da minha confusão mental. A alegria eufórica dos meus 16 anos desembocou numa intensa depressão. Perdi minha insaciável curiosidade e o meu inesgotável desejo de estudo. Minha mãe queria me ajudar, mas não sabia como. Em conversa particular com meu pai, ela manifestou sua preocupação comigo. Meu pai achava que isso era coisa de maricas e que eu precisava de sexo. Em segredo, consegui que minha avó materna financiasse um médico para mim. Ele me pediu que eu ficasse nu diante dele e concluiu também que eu precisava de sexo. Era a visão da época para um adolescente. Duvidei da minha masculinidade. Mas eu tinha paixões ocultas por moças da vizinhança.
Abandonei os estudos. Em 1965, morei um ano em Niterói na casa de parentes. Lá descobri Mário de Andrade. Meu tio me convidou para ser boy em seu escritório de advocacia na tentativa de me ajudar. O trabalho me distraía um pouco da minha depressão. Aos 20 anos, fui convocado pela terceira vez para o serviço militar. Mesmo magérrimo, fui aprovado. Até rapazes com defeito físico foram aceitos naquele ano de 1967. Servi no 8º Grupo de Artilharia de Costa Motorizada, no Leblon. Morei com meus avós paternos nesse ano. Embora filho e neto de militares, não me afinei muito com a disciplina das forças armadas. Mesmo assim, portei-me de acordo com as normas. O curioso é que comecei a me politizar no Exército quando entramos em prontidão por conta da Guerra dos Seis Dias, entre países árabes e Israel.
No ano seguinte, tornei-me bancário. Meus pais transferiram-se para São Fidélis com meu irmão em 1966. Meu pai foi para a reserva e desejava pescar. Fiquei no Rio de Janeiro. Apaixonei-me por uma prima em São Fidélis. Foi um hiato de alegria na minha vida de depressão. Voltei a estudar sem muita vontade. Eu trabalhava muito e estudava à noite. Morava com minha avó materna.
Para permitir que meu irmão prosseguisse nos seus estudos, meus pais se mudaram para Campos em 1969, cidade em que minha mãe nasceu. Resolvi, então, passar um ano com eles para descansar e me organizar. Era 1970, Larguei o banco. Faltava apenas uma prova para concluir o curso supletivo, naquele tempo conhecido como Artigo 99. Minha intenção era passar um ano em Campos e voltar para o Rio. Como teste, fiz o vestibular em história da Faculdade de Filosofia de Campos e passei. Já no primeiro ano, fui convidado a lecionar num cursinho pré-vestibular mantido pela faculdade. Aceitei. No terceiro ano de história, um professor se afastou por motivo de saúde e eu fui convidado a substituí-lo. Aceitei. Em 1973, Conceição Sardinha, minha professora, convidou-me a lecionar no Liceu de Humanidades de Campos, e Luís Magalhães me convidou para o Savart, famoso curso pré-vestibular. Aceitei os dois convites. Sem que eu percebesse com clareza, minha depressão começava a se dissipar.
Meu namoro em São Fidélis não foi adiante, apesar de toda a paixão. Comecei outro namoro em Campos que acabou em casamento. Meu pai começava a se convencer de que eu não era maricas. Ele também lutava contra o alcoolismo. Casei-me em 1975. Fizemos uma viagem ao Peru, Chile e Argentina. Nosso primeiro filho nasceu em 1976. Finalmente, meu pai se convenceu de que eu não era maricas. Mas minha crise mental não derivava das dúvidas dele sobre minha masculinidade, dúvidas que também se tornaram minhas. A crise nascia da ansiedade por desejar muito e concluir que não era possível ter todos os pássaros não mão.
Eu carecia de encontrar um caminho. Ele começa a aparecer no final de 1977, quando dois alunos meus convidaram-me a fundar uma entidade para defesa do meio ambiente regional. No dia 13 de dezembro daquele distante ano, ela foi fundada e eu comecei a me identificar com a causa. Começa a terceira fase da minha vida. Continuo.
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