Arthur Soffiati - Por uma história das baixadas fluminenses (III)
* Arthur Soffiati - Atualizado em 18/11/2023 09:44
Em “Rápidos traços da paisagem cultural e política do Estado do Rio”, memória apresentada ao 8º Congresso Brasileiro de Geografia, em 1928, Everardo Backheuser identifica quatro baixadas no território fluminense: a) Campos, b) Cabo Frio, c) Rio de Janeiro, d) Angra dos Reis. E acrescenta que elas são os pontos de ancoragem da civilização europeia. Nelas, estão os vestígios mais antigos da colonização ocidental no território correspondente à capitania do Rio de Janeiro. Foi pelas baixadas que os europeus e seus descendentes subiram a serra, enquanto os povos nativos caminharam em sentido contrário: saindo da serra, eles colonizaram as planícies que foram se formando com o recuo do mar e com o aterramento produzido por alguns rios. O maior de todos resultou do aporte de sedimentos da serra e dos tabuleiros pelo rio Paraíba do Sul (ARGENTO, Mauro Sergio Fernandes. “A Contribuição dos Sistemas Cristalino e Barreira na Formação da Planície Deltaica do Paraíba do Sul”. Rio Claro: Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, 1987, tese de doutorado).
Em 1934, Hildebrando de Araujo Góes identificou quatro baixadas: Sepetiba, Rio de Janeiro (Guanabara), Araruama (Região dos Lagos) e Campos. Angra dos Reis ficou de fora (“Saneamento da Baixada Fluminense”. Rio de Janeiro: Ministério da Viação e Obras Públicas, 1934). Trata-se de um relatório de fundamental importância por ter reunido e analisado relatórios, hoje perdidos, das diversas comissões de saneamento criadas a partir de 1883 para tornar as baixadas economicamente aproveitáveis.
Em 1950, Renato da Silveira Mendes identificou 12 sub-regiões de baixadas em todo o território fluminense: 1) Sepetiba, 2) Guanabara, 3) Lagunas e restingas de Cabo Frio, 4) Litoral de Cabo Frio a Macaé, 5) da foz de Macaé à foz do Guaxindiba, 6) Planície de Santa Cruz, 7) morros e planícies da Guanabara, 8) Maciço litorâneo, 9) Planície de Cabo Frio a Macaé, 10) altos vales e contrafortes entre a Serra do Mar e a baixada, 11) planície campista, 12) tabuleiros (“Paisagens culturais da Baixada Fluminense”, Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP: Boletim CX. São Paulo, 1950).
A proposta é confusa. Tanto assim que o autor agrupou as 12 sub-regiões em cinco. O critério então adotado foi apenas o da fisionomia entendida de modo sincrônico, ou seja, não se atentava para o aspecto genético de formação das planícies costeiras. Apenas uma delas havia merecido atenção de Alberto Ribeiro Lamego quanto à sua formação: a do Norte Fluminense (“O homem e o brejo”. Rio de Janeiro: Conselho Nacional de Geografia, 1945, e “O homem e a restinga”. Rio de Janeiro: Conselho Nacional de Geografia, 1946). Se formos descer aos detalhes, encontraremos tantas planícies recentes quanto os rios que desembocam no mar, visto que o nível dos oceanos recuou a partir de 5.100 anos antes do presente, e as águas dos rios (grandes e pequenos) transportaram sedimentos para a foz e formaram planícies.
A partir de 1935, um trabalho sistemático de drenagem foi empreendido pela Comissão de Saneamento da Baixada Fluminense com prosseguimento pelo Departamento Nacional de Obras e Saneamento a partir de 1940. Os drenos naturais tortuosos foram canalizados e drenaram brejos e lagoas. A terra foi disponibilizada para a agricultura e a pecuária. Renato da Silveira Ramos mostrou que o cultivo de laranja avançou pela planície de Sepetiba. “Laranja no pé e dinheiro na mão” era o lema então em voga. Bananais, cafezais, granjas e fábricas conquistaram a baixada do Rio de Janeiro. Também a fruticultura conquistou a Região dos Lagos entre Maricá e Saquarema. As salineiras prosperaram na lagoa de Araruama.
Em 1950, a Baixada dos Goytacazes ainda vivia o auge da cana e da fabricação de açúcar e álcool. Em 1970, muitas usinas fumegavam não só na planície, como também nos tabuleiros e na zona serrana. A área canavieira incluía o sul do Espírito Santo. O último alento da indústria sucroalcooleira foi o Programa Nacional do Álcool. Seu objetivo era estimular a produção de álcool combustível para substituir o petróleo, cujo barril teve seu preço elevado pelos países exportadores em 1973. Além de não salvar as usinas e destilarias do Norte-Noroeste Fluminense, a concorrência exercida por São Paulo tornou residuária a indústria baseada na cana na planície goitacá e adjacências.
A ruralidade das baixadas fluminenses foi perdendo terreno diante da urbanização. Todo o entorno da baía da Guanabara foi densamente povoado e urbanizado. A baixada de Sepetiba também foi densamente urbanizada. Hoje, a atividade que mais prospera nessas duas baixadas interligadas relaciona-se ao tráfico de drogas e armas, além dos serviços impingidos à população pelas milícias.
Outra atividade que vem prosperando é a portuária. Itaguaí, na baixada de Sepetiba, e Rio de Janeiro, na baixada da Guanabara, abrigam dois dos maiores portos do Brasil. Em Macaé, instalou-se um porto da Petrobras. No Açu, foi instalado um complexo portuário-industrial de grande envergadura. Prevê-se outro para a foz do rio Itabapoana. Especula-se um novo porto para Macaé. Cogita-se um em São Francisco de Itabapoana e outro em Saquarema.
Mas, um novo tema vem se impondo em todas as baixadas do Rio de Janeiro: os impactos ambientais resultantes da ocupação das baixadas fluminense desde o século XVI.
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