Mercado: O Coppam repetirá os erros do passado?
18/06/2021 22:41 - Atualizado em 18/06/2021 22:49
Foto: Ralph Braz
Foto: Ralph Braz
O caso do Mercado Municipal de Campos dos Goytacazes é apenas mais um exemplo em uma cidade que despreza a sua riqueza histórica e cultural. Apesar de encoberto (sua fachada e lateral sofreram um emparedamento, para usar um termo técnico), a construção histórica — essencial para compreensão da formação de Campos —, resiste. E mantém, apesar dos ataques e obras indevidas, a sua relevância especial, imponência e centralidade. Sim, o Mercado foi tombado em âmbito municipal, reconhecendo esses atributos.
Porém, o órgão que o protegeu — o Conselho de Preservação do Patrimônio Histórico e Cultural de Campos (Coppam) — foi o mesmo que autorizou, em 2014, um projeto que o descaracterizava. Com a aprovação, as obras iniciaram, mas não foram concluídas. Nesta semana, foram retomadas, após decisão monocrática do desembargador Agostinho Teixeira, da 13º Câmara Cível.
Desde que o Shopping Popular Michel Haddad foi removido do entorno do Mercado Municipal para que ocorressem “reformas”, a Prefeitura vem insistindo em executar uma obra que, na prática, encobrirá o prédio histórico, um dos mercados mais belos e antigos do Brasil, inaugurado em 1921. O esforço de escondê-lo retira do campista o orgulho de pertencê-lo — ou pelo menos a sua possibilidade.
Os comerciantes são a alma do entorno – é preciso encontrar soluções, não amputações
Em meio a uma discussão técnica e da necessária valorização histórica, estão os permissionários — camelôs e feirantes — do local. A questão é que uma coisa não exclui a outra. Permitir que o Mercado viva em sua plenitude não significa amputá-lo de uma tradição e relação afetiva daquele comércio popular. Pelo contrário. Mas não foi apresentada pelo governo qualquer solução para o caso que permitisse, por exemplo, um raio mais amplo do entorno, aumentando, portanto, o complexo do Mercado.
A conservação, restauração, uso e principalmente visibilidade do prédio histórico, em um projeto contemporâneo e contemplativo, deixaria o local mais confortável, seguro e atraente — podendo assumir todo seu potencial turístico, inclusive.
Não podemos nos acostumar com a visão completamente errônea que o “progresso” deve destruir a história. O desprezo à memória e a negação da beleza que o prédio do Mercado possui, falando especificamente, parece ser proposital, em nome de interesses econômicos. E aqui não se fala em desvios ou malversações. Mas sim da falta de visão e do aproveitamento das suas potencialidades. Inúmeras, diga-se de passagem.
O Coppam poderá reparar erros do passado?
Em reunião extraordinária, realizada em 16 de dezembro de 2014, que teve por finalidade apreciar e julgar o projeto de revitalização do entorno do Mercado Municipal, o Coppam decidiu — por 7 votos a 4 —, por aprová-lo. Cabe dizer, que aqui não se discute o mérito técnico do projeto, ou mesmo sua legalidade. Seu autor, o arquiteto Cláudio Valadares, parece ter seguido o que o “cliente pediu”, e dentro das possibilidades e especificações impostas.
O que espanta é um órgão colegiado, criado para proteção ao patrimônio histórico e cultural, aprovar um projeto que colide frontalmente com seu motivo de existência. Conforme informa ata da reunião, publicada no Diário Oficial do município, foram contrários ao projeto os representantes: Vitor Menezes, pela Associação de Imprensa Campista (AIC), Luiz Gustavo de Souza Xavier, pelo Rotary Clube de Campos, João Pimentel, pelo Instituto Histórico (IHGCG) e Mary Jane Araújo, pela Uniflu-Fafic.
Os outros sete votos foram dados por representantes de instituições “governistas”. O voto de minerva, em caso de empate, seria dado por Orávio de Campos Soares, que presidia a então Superintendência de Cultura e Preservação do Patrimônio Histórico e Cultural. Segundo fonte que estava presente na reunião, votou a favor, contrariando o nome da pasta que estava à frente. Assim também votou o autor do projeto, mas foi anulado por suspeição.
E não foi por falta de “aviso” que Coppam e prefeitura seguiram no projeto. O órgão estadual Inepac (Instituto Estadual do Patrimônio Cultural), enviou, à época, ofício à Prefeitura, ao Coppam e ao Promotor de Justiça Marcelo Lessa, informando sobre o “inegável interesse cultural do Mercado Municipal de Campos para o Estado do Rio de Janeiro”. e pedindo que o projeto fosse “enviado para apreciação" antes da execução das obras.
Coppam pode reparar seu erro do passado e intervir para que a retomada da obra seja ao menos discutida novamente. Assim como a Câmara de Vereadores que, através da Comissão de Educação e Cultura, pode realizar Audiência Pública para que a sociedade civil seja ouvida e apresente alternativas. O Ministério Público deve agir na defesa do patrimônio histórico, como já fez no caso do Mercado e outros. Já foi, inclusive, (re) motivado por nove instituições, em ofício recente.
Espera-se das obras feitas com dinheiro público, no mínimo, responsabilidade maior com o futuro. No caso do mercado, respeito ao passado, também. Da sociedade, espera-se envolvimento para que crimes contra a história de Campos não continuem a acontecer, como o antigo Trianon (derrubado para construção de uma agência bancária), a Santa Casa de Misericórdia (destruída para dar lugar a um estacionamento) e tantos outros, inclusive com ruínas anunciadas como o Solar dos Airizes. O problema, é que muitas vezes não dá para esperar.

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    Edmundo Siqueira

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