As várias questões que envolvem a "lei das sacolas" em Campos
23/12/2021 | 15h41
Desde a última terça-feira (21), os campistas não precisam mais pagar pelas sacolas em suas compras. Com a publicação da lei municipal 9.120, os estabelecimentos comerciais de Campos “ficam expressamente proibidos” de cobrarem por utilização de sacolas “para a embalagem e transporte de produtos adquiridos no varejo”. A cobrança era permitida por outra lei (8473/19), essa estadual, de autoria do deputado Carlos Minc, que já trazia a justificativa em seu artigo primeiro: “proteção do meio ambiente fluminense”.
Diminuir a quantidade de plástico em circulação é consenso; pelo menos entre os minimamente responsáveis com as questões ambientais. Porém, repassar ao consumidor o custo das sacolas plásticas é um caminho viável?
Responder afirmativamente essa questão pode ser uma visão reducionista do problema. O que parece colocar em lados opostos os supermercados, que defendem seus interesses econômicos, e os que defendem os direitos da população e a preservação ambiental, deve ser encarado com responsabilidade.
Nessa equação, não restam dúvidas: o lado mais frágil é o consumidor. As famílias vêm pagando um preço alto pela inflação, pela queda do ritmo da economia e pelo desemprego. Penalizar os consumidores com mais uma cobrança, tendo que arcar com embalagens para transportar suas compras, afeta diretamente o orçamento de muita gente. Para atuar nessa trincheira, na defesa dos mais vulneráveis, o Procon é um órgão fundamental.
Como será a aplicação da lei municipal?
Em Campos, a competente advogada e secretária executiva do Procon, Priscilla Nunes, falou sobre o assunto, e já alerta: “O decreto determinando qual órgão fiscalizador, para fiscalizar o cumprimento da lei, foi publicado hoje e a fiscalização já está nas ruas, com denúncias dos estabelecimentos que não estão cumprindo a lei”. Sobre um possível prazo de adaptação dos comércios, ela explica que a “lei já está em vigor e o cumprimento é imediato”.
— O cidadão pode se proteger fazendo a denúncia diretamente no Procon, que é o órgão responsável para fiscalizar o cumprimento da lei. Ela (a lei) é pública e notória, já está em todos os canais de comunicação, e de conhecimento de toda polpação. Vamos fazer cumprir nosso papel de fiscalização. — disse Priscilla, perguntada se o Procon faria ações de conscientização .
Sobre a questão ambiental, com os possíveis impactos negativos que a volta da distribuição gratuita das sacolas pode trazer, a secretária informou que o Procon “está muito preocupado com a questão ambiental”, mas que não teria “equipe e competência técnica para avaliar”. Para suprir essa necessidade, já está buscando parcerias para “atuar nessa avaliação técnica das sacolas plásticas”.
Direitos e deveres de consumidores e empresários
Segundo pesquisa da Associação Paulista de Supermercados (Apas), a cobrança das sacolas descartáveis reduziu em 84,4% a circulação por ano, significando que 27 mil toneladas de plástico deixaram de ser descartados. Por outro lado, a distribuição gratuita das sacolas auxilia o acondicionamento do lixo doméstico, hábito comum entre os brasileiros, principalmente na população mais vulnerável. Passa a ser uma questão de saúde pública, o descarte indevido de lixo nas ruas. Além disso, cobrança é diferente de educação ambiental.
Talvez a solução para equacionar as teses válidas de defesa do consumidor e de proteção do meio ambiente, esteja na compreensão de todos envolvidos que é necessário cuidado e responsabilidade nos resíduos — entre eles os plásticos pós-consumo — e sobre a necessidade de reciclagem. Fiscalização e ações de educação ambiental devem andar juntas.
“Tivemos diversas fases. Primeiro tivemos a vitória da troca de sacolas plásticas por biodegradáveis. Logo depois, a cobrança das sacolas que acabou onerando os consumidores. Acredito que essa lei municipal veio para proteger as pessoas vulneráveis, que são os consumidores. Agora, no meu entender, cabe a cada um se conscientizar para ter o consumo responsável dessas sacolas”, resumiu Priscilla.
Sempre que a sociedade precisa de uma lei impositiva e onerosa para educar sobre a proteção do elemento principal para a existência humana, é dado um recibo de irresponsabilidade, de todos. Para que Campos consiga manter essa proteção aos consumidores, a preocupação ambiental deve ter sido aprendida.
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No Brasil não tem direita
22/12/2021 | 21h41
Reprodução
O Brasil não produziu uma direita, de fato. Alguns podem torcer o nariz para a existência desse “lado político”, e dizer que a direita sempre é danosa. Mas a política real — e a saudável democraticamente — exige que se tenham as duas correntes de pensamento coexistindo, produzindo líderes e partidos que tenham a competência de produzir a alternância de poder.
Desde a redemocratização, a polarização real estava entre PSDB e PT. O PSDB era de direita? Não. Salvo algumas divergências na área econômica, os dois partidos que polarizavam eram essencialmente iguais. O máximo que podemos dizer é que os petistas eram sociais-democratas e os psdebistas liberais-sociais. Inclusive os dois partidos sugiram da mesma base.
Para as próximas eleições, a possível chapa Lula-Alckmin parece unir os eternos “gêmeos” concorrentes. Mas é apenas uma aparência. O ex-governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, deixou o PSDB depois de 33 anos de militância. E o partido ruiu, com prévias internas desastrosas, quadros históricos saindo e irrelevância eleitoral nas pesquisas.
Essa deterioração já é um processo em curso desde 2014. Aécio Neves perde as eleições para Dilma e se rebaixa em um pedido de auditoria nos votos de forma despropositada. Depois, se desmoraliza por completo com envolvimento em casos de corrupção e gravações vazadas em linguagem de criminoso. Aécio podia ser considerado um político de direita; Doria é claramente um político de direita. O PSDB foi se transformando em um partido direitista e conservador, mas de forma tardia.
Sem direita, caímos no fascismo
Como nossa democracia não constituiu uma “direita democrática” e o Partido dos Trabalhadores ocupou todo campo da esquerda em uma hegemonia proposital, os conservadores e liberais ficaram sem representação. Soma-se a isso a criminalização da política trazida pela Lava Jato e temos o autoritarismo e neofascismo como consequência. Bolsonaro foi a consequência.
O Chile, que elegeu Gabriel Boric neste domingo , formou sua Frente Ampla nos anos 1990, com partidos de centro-esquerda, social-democratas e democratas-cristãos. A ‘Concertación’ foi criada para combater a ditadura de Augusto Pinochet e venceram, governando o Chile por 20 anos, até a volta da direita, com Sebastián Piñera, em 2010. E a Concertación apoiou Boric para levar a esquerda novamente ao poder neste ano. Por lá, alternância aliada com renovação, já que o novo presidente chileno tem 35 anos e vem dos movimentos estudantis.
Se Lula de fato caminhar com Alckmin, não construirão uma Concertación. O PT sai de uma posição de “esquerda autorizada” para um partido de Centro. Claro, existirão ainda as alas radicais e a esquerda trabalhista, mas o movimento leva Lula para uma composição ainda mais ampla. Sendo o político extremamente habilidoso que é, mantém a militância com a "faca nos dentes" no discurso. Fala em regular a imprensa, reforça o “nós contra eles” e sua retórica sindicalista. Mas nos bastidores faz acordo. Com o centro, com a esquerda e com a direita.
Goste-se ou não, sem o PSDB direitista nos sobra o bolsonarismo negacionista.
 
 
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Boric vence no Chile: por que é importante para o Brasil?
19/12/2021 | 21h09
Gabriel Boric eleito neste domingo no Chile, em seu comício de encerramento de campanha. Bandeira mapuche, povo originário chileno, ao fundo.
Gabriel Boric eleito neste domingo no Chile, em seu comício de encerramento de campanha. Bandeira mapuche, povo originário chileno, ao fundo. / RODRIGO GARRIDO / REUTERS
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A eleição no Chile já está consolidada. O candidato de esquerda, Gabriel Boric, líder dos protestos estudantis de 2011, foi eleito presidente neste domingo (19). O derrotado foi o ultradireitista José Antônio Kast. Boric recebeu 55,8% (contra 44,1% de Kast) dos 4,2 milhões de eleitores, se tornando o candidato mais votado da história chilena.
O líder estudantil de 35 anos será o mais jovem presidente da história do país. A eleição no Chile ganhou contornos continentais, e trazia uma disputa entre um candidato de esquerda e outro de extrema-direita, como deverá — caso todas as pesquisas se confirmem — acontecer no Brasil em 2022.
O derrotado Kast é admirador do ditador chileno Augusto Pinochet. Em 1988 votou pela continuidade do regime militar, em plesbicito. Seu pai foi oficial do Exército alemão e apoiador do nazismo. Está no extremo, é um radical.
O Chile hoje e amanhã
O domingo chileno mostrou que os partidos tradicionais de lá foram rejeitados. A ida de Boric à presidência acaba carregando ao poder uma nova geração de políticos, muitos oriundos dos movimentos de rua no Chile, que viam se intensificando desde 2011.
A oposição que o presidente eleito enfrentava tentou impor-lhe a imagem de “radical de esquerda”, principalmente em relação às pautas de costume, como aborto, e suas posições sobre as populações originárias e imigrantes. A volta do "comunismo" era o temor de parte da população, influenciada por Kast.
Para vencer e superar essa ideia, Boric moderou o discurso e se reconciliou com a “Concertação”, aliança de centro-esquerda que governou o Chile por 20 anos — conseguindo os apoios dos ex-presidentes Ricardo Lagos e Michelle Bachelet.
O direitista Sebastián Piñera, atualmente presidente do país, que deixa o mandato em março de 2022, enfrentava grande rejeição. Apesar de conseguir uma “Frente Ampla” contra a direita democrática e o extremismo, Boric comandará um país dividido, e ainda um plebiscito pela aprovação ou rejeição da nova Constituição. Em caso de aprovação, o desafio de aplicá-la deverá ser um dos pontos de mais atenção do governo eleito.
O Chile de ontem e o Brasil de hoje
O Chile era um exemplo para a América Latina de um país de tinha dado certo. Com várias privatizações, corte de gastos em serviços públicos, bons números na dívida pública, no PIB e na renda per capita, foi chamada de “Suíça latino-americana” por Paulo Guedes, atual ministro da Economia do Brasil.
Guedes fez parte de um grupo de economistas chamado de “Chicago boys”, que ajudaram o ditador Pinochet a implantar uma economia de mercado enquanto direitos civis e sociais eram suprimidos. O resultado foi uma população endividada, que pagava caro por educação e saúde, e que no final da vida, após um modelo de capitalização na previdência chilena, nove em cada dez aposentados recebia menos de 60% do salário mínimo. Gerando uma infinidade de revoltas populares.
Talvez a frieza dos “homens de mercado” não tenham compreendido os desafios do mundo real, e os sacrifícios que um liberalismo anacrônico e estúpido submetera a população chilena. A miséria de aposentados que tinham que escolher e entre comer ou comprar remédios não estava nos cálculos das planilhas.
Radicalismo ideológico e fetiche neoliberal produziram a eleição de Gabriel Boric no Chile. O mesmo modelo imposto pelo governo Bolsonaro parece caminhar para produzir a volta do PT ao comando do Brasil. Como nos ensina o Chile neste domingo, o “fim da social-democracia” combinada com um governo autoritário e uma economia totalmente livre só produz o caos.
Caso a história de repita nas eleições brasileiras de 2022, podemos ter tragédia e farsa em mesmo tempo histórico, já que, diferente de Boric, Lula significa uma “volta ao passado”. Porém, com toda certeza, precisamos vencer nosso Pinochet.
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A cultura, o teatro, o Arquivo e os Garotinhos
17/12/2021 | 20h49
A primeira vitória política de Anthony Garotinho em Campos foi graças a uma plataforma essencialmente cultural. Eleito prefeito da cidade em outubro de 1988, aos 28 anos, recebera 30% dos votos válidos, desbancando uma oligarquia tradicional da cidade. Em 1983, como um jovem candidato a vereador claramente de esquerda, não venceu. Viria pelo PT. Para ser eleito, se filiou ao PDT, e foi o líder de um movimento que começa com o nome de “Frente Campos”. De 83 a 88 a memória de uma demolição construiu, paradoxalmente, o nome de Garotinho.
Não corro risco em afirmar que Garotinho venceu aquela eleição pelas mãos do “setor cultural” de Campos. Mais especificamente do teatro amador, que no início dos anos 80 fez nascer o “Grupo Abertura”, revelando nomes que ficariam conhecidos da cena política campista. Fernando Leite, Rosinha Garotinho, Sérgio Mendes e o próprio Anthony. Todos foram abrigados no PDT, e queriam lutar contra uma elite campista que eles consideravam atrasada, representada pelo prefeito da ocasião, Zezé Barbosa.
De fato o poder estava concentrado nas mãos de grandes produtores rurais, ligados ao setor sucroalcooleiro, e de comerciantes. Zezé Barbosa acumulava três mandatos. Carregava consigo o perfil do coronelismo típico, usando o poder econômico e exercendo o poder local de forma personalista e autoritária. Mas o Brasil estava mudando. A ditadura militar instalada em 1964 ia aos poucos cedendo espaço para a abertura democrática. Uma “Nova República” se instalava nos anos 1980. Mas não sem sangue, suor e lágrimas.
O teatro era o palco comum de engajamento político contra a ditadura, não só em Campos, como em várias partes do país. As peças teatrais eram a forma de criticar, com arte, o regime. A ruptura para um modelo mais democrático e moderno em Campos foi proposto pelas mãos de um grupo de teatro amador, que trazia no título de uma peça, escrita por Garotinho e Fernando Leite, em 1983, o recado que queria passar: “Precisa Acontecer Alguma Coisa”. E aconteceu.
O Trianon — de antes e de hoje — como elemento de poder
A economia açucareira sustentava uma identidade campista elitizada que passava tardes no Café High-Life, passeava pela Praça São Salvador, sabia das notícias pelo largo da imprensa e Boulevard do Comércio, — e ia ao teatro. O Orion e o Trianon traziam espetáculos de ópera, canto lírico e estavam entre os grandes espaços culturais do país. Ao longo do século XX o teatro era um elemento central que identificava uma elite financeira e intelectual da cidade.
Até que em 26 de junho de 1975 o Teatro Trianon veio ao chão. Um dos mais belos espaços de cultura do Brasil estava destruído para dar lugar a uma agência bancária. Demolido com a cumplicidade e “insensibilidade política e cultural” do prefeito Zezé Barbosa.
Antigo Trianon
Antigo Trianon
Aquilo teria afetado muito, e não apenas a elite financeira de Campos. Os escombros do Trianon passaram a ser um símbolo político que fortaleceria a oposição, que lutava conta o sucateamento da cultura e pela elitização dos espaços. E escandalizou a intelectualidade da época.
O grupo que simbolizava a cultura popular e buscava a modernização, pela via do progressismo, estava no “Abertura”, de Garotinho. Zezé Barbosa carregaria uma culpa histórica pela demolição de um símbolo campista, o que certamente levou a um sentimento crescente de renovação. E erguer um novo Trianon estava entre as propostas desse sentimento.
O início da “nova república campista” com Garotinho
A “Frente Campos” passa a se chamar “Muda Campos”, unindo o teatro amador, professores, intelectuais e a classe média campista em torno do seu projeto político. Anthony Garotinho, pelo PDT, coligado com partidos de esquerda, escolhe um representante da classe médica para ser seu vice, e de quebra leva o PSB. Adilson Sarmet traria à chapa a segurança que Garotinho precisava para romper o preconceito com o progressismo, existente ainda hoje em uma cidade conservadora com Campos.
Garotinho e Rosinha nas primeiras campanhas, em Campos. Foto: Acervo O Globo
Garotinho e Rosinha nas primeiras campanhas, em Campos. Foto: Acervo O Globo
Garotinho, de forma muito habilidosa, traz para a campanha os elementos que o fizeram vencer. Todos, satélites de um projeto de cultura popular. A praça, o povo, o teatro, a rua, o carnaval. Garotinho estava prometendo democracia, cultura e participação popular, e atendia a elite financeira prometendo retomar a “Campos do Trianon”. E ganhou a disputa.
Para entender melhor essa ruptura, trago à conversa o ecohistoriador Arthur Soffiati, que estava lá, e viveu aquele momento histórico de perto.
“O governo de Zezé não se interessava por cultura. Eu trabalhei 18 meses com ele e posso afirmar isso. Contudo, ele contou com dois nomes fundamentais para a cultura: Amaro Prata Tavares e Diva Abreu, que fizeram o possível pela cultura. Eu diria que trabalhei 18 meses na estrutura da cultura municipal e dela saiu apenas a Casa de Cultura José Cândido de Carvalho e o Prêmio Alberto Ribeiro Lamego. Tudo foi esquecido e perdido. Ainda bem que guardei cópia. Pretendia-se democratizar a cultura, atendendo todos os setores da produção e horizontalizá-la, criando casas de cultura no interior”, disse Soffiati.
A estratégia estava certa. A modernização, descentralização e abertura popular da cultura, e da identidade campista, já estavam em curso pelas mãos de gente competente e compromissada, como Diva e Arthur. Mas, a insensibilidade do prefeito não permitiu que acontecesse, e seu atraso custou a sua cadeira.
O ‘Garotinho’ de hoje
Não corro risco  (novamente) de errar, em afirmar que Garotinho hoje é o maior político de Campos desde Nilo Peçanha. Após seu primeiro mandato como prefeito, foi Deputado Federal eleito com a maior votação já registrada para o cargo no Estado do Rio, governador, e recebeu mais de 15 milhões de votos para presidente. Não é uma questão de avaliação qualitativa do político Garotinho; são os fatos.
Em Campos, Garotinho deixou sucessores, produziu aliados e muitos inimigos. Dois de seus filhos estão na vida política com relativo sucesso. Clarissa, atualmente Deputada Federal, e Wladimir, que segue o legado como prefeito.
Wladimir Garotinho, por ironia ou consequência do destino, venceu o neto de Zezé Barbosa, Rafael Diniz. A cultura não estava no centro das discussões. A economia falava mais alto. Mas alguns centros culturais estavam em destaque, como a promessa não cumprida de Diniz em entregar o Palácio da Cultura. Nas palavras de Soffiati, Rafael “nada fez; pelo contrário, abandou a cultura em nome do saneamento financeiro”. O que confirma o que costuma dizer o jornalista Aluysio Abreu Barbosa: “cultura não elege, mas retira voto”.
Arquivo, ‘Trianon’ de hoje
O teatro, por infelicidade do destino, deixou de estar no centro da cultura e identidade de Campos. Embora o “novo Trianon” tenha sido erguido, com o depósito de um milhão de dólares conseguido por garotinho em 1989 junto ao banco que “demoliu” o Trianon antigo, ele pouco recebe espetáculos.
Talvez o Trianon de hoje seja o Arquivo Público. Instalado na construção mais antiga de Campos, o Solar do Colégio, na baixada, vem recebendo atenção da sociedade campista e da intelectualidade. Instrumento essencial para salvaguardar a memória e história de toda região, o Arquivo se firmou como o principal equipamento cultural da cidade.
Fundado 2002, por meio de uma parceria com a Uenf, supervisionada pelo Arquivo do Estado (APERJ), Lei Municipal do vereador Edson Batista e viabilizada pelo então governador Anthony Garotinho, o Arquivo de Campos foi considerado o 5º melhor do país, e vem recebendo atenção do meio acadêmico e da imprensa campista.
A exposição que vem recebendo e o trabalho de excelência desenvolvido pela equipe da instituição, fizeram com que o atual prefeito Wladimir o escolhesse para receber 20 milhões (Folha1) em um acordo com a Uenf e Alerj (pelas mãos do deputado Bruno Dauaire e do presidente da Casa, André Ceciliano). O dinheiro será utilizado no restauro do Solar e consequente uso do espaço pelo Arquivo, com instalação de projeto para digitalização do acervo, e de acessibilidade à sociedade campista.
Wladimir talvez tenha cumprido a missão e desejo que todo pai responsável deseja ao filho. Pelo menos no “setor cultual” vem demonstrando que superará o pai, que teve recursos abundantes pelos tempos áureos dos royalties. Com uma “tacada só” deverá não apenas impedir que o Arquivo viesse ao chão, como entrega-lo em plenas funções a Campos, e por muito tempo, sem gastar recursos da municipalidade.
Muito ainda precisa ser feito, na cultura, na economia, no social, na infraestrutura, e tantos outros setores do município. Muito poderia ter sido feito em governos anteriores. Mas superar velhas oligarquias é um passo importante e essencial, mesmo (ou principalmente) se elas forem próximas o bastante para virem de um pai. Que seja novamente pela cultura!
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"O que é Iphan?": Bolsonaro não entende nada de patrimônio, mas muito de patrimonialismo
16/12/2021 | 23h00
 
“Há pouco tempo tomei conhecimento que uma obra, de uma pessoa conhecida, o Luciano Hang, que estava fazendo mais uma obra… E apareceu um pedaço de azulejo durante as escavações. Aí, chegou o Iphan e interditou a obra. Bem, eu liguei pro ministro da pasta…’Que trem é esse?’. Eu não sou tão inteligente como meus ministros. “O que que é Iphan, com ‘ph’?”. Explicaram pra mim, tomei conhecimento e ripei todo mundo do Iphan…botei outro cara lá. O Iphan não dá mais dor de cabeça para a gente”.
 
 
Foram essas as palavras que o presidente da República usou para se referir ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). O órgão federal, que existe há 84 anos, foi criado com a finalidade de proteger o patrimônio histórico, material e imaterial, e atua como um guardião da memória coletiva do país.
 
 
Além de mostrar total desconhecimento de uma área fundamental — e estratégica —, Bolsonaro assume que agiu em benefício de um amigo, aparelhando a máquina estatal em favorecimento particular. Patrimonialismo, em estado puro. A construção de uma loja da Havan, de propriedade do amigo palaciano, Luciano Hang, afetava um elemento de valor histórico-cultural. Para preservá-lo, o Iphan pediu a interrupção da obra, cumprindo seu papel. O que fez o presidente? Mudou a e direção do Instituto, nomeando alguém que seguisse suas ordens, mesmo que elas sendo ilegais ou destrutivas.
 
 
O Iphan se consolidou como um órgão de excelência, dotado de pessoal técnico capacitado para agir em proteção do patrimônio brasileiro. Como qualquer instituição, tinha problemas e incoerências, mas vinha atuando plenamente, realizando intervenções coerentes. Evitando que a cultura e a memória do Brasil fossem (mais) destruídas.
 
 
As mudanças promovidas pelo governo Bolsonaro em aparelhos culturais e de proteção ao patrimônio são inúmeras. Sempre para pior. Basta que o leitor se lembre da última pessoa (Regina Duarte) que ocupou a Secretaria da Cultura, e suas declarações e omissões. Ou fazer uma breve pesquisa sobre o atual ocupante, Mário Frias, que é um ator medíocre, consegue ser muito talentoso na incompetência à frente da pasta. Reconhecido, quase que por unanimidade, por quem entende do assunto.
 
 
Dissesse e que disse o presidente em um pronunciamento, sozinho, já seria absurdo. Mas foi dito para uma plateia de empresários que aplaudiu esfuziantemente a declaração. A falta de compreensão da importância da história e da cultura parece ser generalizada. O Estado agir em benefício de um particular, afetando a coletividade, parece ser naturalizado. E aplaudido.
 
 
Isso diz muito sobre a qualidade da “elite” que temos.
 
 
É muito grave um presidente não saber o que é o Iphan. É criminoso o chefe da nação achar que pode intervir em um órgão para favorecer um amigo. É gravíssimo ele ser aplaudido depois de dizer isso. A única notícia boa disso é que vamos melhorar; pois estamos no fundo do poço.
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Centro de Campos vive: CDL Jovem "ocupa" nome de Coletivo Cultural
10/12/2021 | 13h44
Um largo, um terreiro ou um rossio — hoje chamamos de “praça” — sempre foi um espaço de interação. Mesmo quando ainda era chamada assim — de rossio, um terreno roçado — a praça cumpria o papel de convivência entre os diferentes; onde a diversidade convivia em relativa harmonia. Nos espaços públicos de uma cidade, a população pode manifestar sua territorialidade e ocupá-los física e socialmente. Neles, os fiéis podem demonstrar sua fé, os poderosos, seu poder, e os pobres, sua pobreza. Expostas, estão, as potencialidades e as mazelas de um centro urbano.
A convivência entre esses “diferentes” foi atritada na manhã desta sexta. Um grupo, formado por professores, pesquisadores e artistas, criou um projeto cultural, em 2018, que atua ainda hoje nos espaços públicos na região central. O “Circuito Centro Vivo” vem realizando uma série de atividades relacionadas à história, fotografia, arquitetura e artes. E eles foram surpreendidos quando a CDL e a Secretaria de Desenvolvimento Econômico lançaram, na tarde de ontem, o projeto “Movimento Centro Vivo”, ocupando o calçadão de Campos com show de artista local (o cantor Apollo), com objetivo de atrair público para a área central, levando “os consumidores a voltar a frequentar o Centro”.
O coletivo tem interesse em incentivar a ocupação do centro urbano com arte e cultura. A CDL e a prefeitura buscam atrair os consumidores para a área central. Os dois movimentos querem manter o “centro vivo”. Isso é ótimo. Mas poderiam coexistir?
  • Show popular, no centro de Campos, idealizado pelo Movimento Centro Vivo. (Foto: Carlos Grevi)

    Show popular, no centro de Campos, idealizado pelo Movimento Centro Vivo. (Foto: Carlos Grevi)

  • Evento

    Evento "Virada Cultural", no Parque Alberto Sampaio, realizado pelo Circuito Centro Vivo.

“O Centro é “além disso”. Nosso coletivo (Circuito Centro Vivo) é para ocupar o centro com arte e cultura, principalmente fora do horário comercial, mostrando que o centro não é apenas comércio. Fizemos a Virada Cultural no Parque Alberto Sampaio, carnaval fora de época, ocupação do beco (Travessa Carlos Gomes), ocupamos a praça Tiradentes, enfim, é só as pessoas jogarem no Google que acham facilmente”. Disse Ianani Dias, mestranda na UFF Campos e idealizadora do movimento cultural.  "Somos da área da arquitetura e da geografia, e debatemos e discutimos o planejamento urbano e o desenvolvimento regional. Não vemos contradição entre comércio e ações como a nossa, pelo contrário. Inclusive tínhamos apoio da Carjopa"
A CDL se manifestou por nota, informada a este espaço em primeira mão. A inciativa surgiu da CDL Jovem, liderada por Ralph Pereira. Na nota, diz que "por desconhecimento, demos ao nosso evento um título que acabou por se confundir com o nome de um coletivo que faz um trabalho muito importante, com o mesmo intuito e pensamento nosso: revitaliza o centro". E mudará o nome:  
— Na próxima semana e a fim de evitar qualquer mal entendido a este respeito, adotaremos um novo título para o nosso evento, que passará a se chamar "HAPPY HOUR CENTRO A MIL", utilizando em parte do título marca da CDL Campos e que é reconhecida por todos na cidade — disse Ralph, por meio de nota.  "Nossa entidade sempre foi e será aberta ao dialogo e convida a todos que desejam o bem da nossa cidade para que possamos caminhar juntos, sempre que o assunto for empreendedorismo e desenvolvimento econômico".
O centro — finalmente — cumpre seu papel
Em Campos, não se pode falar em praça pública (como toda praça é de fato) sem que sejamos apresentados à imagem mental da Praça do Santíssimo Salvador — apesar de haverem outras tantas praças e logradouros de importância vital para a formação da cidade. Seja na “Campos colonial”, ou na urbanidade atual, uma praça deve cumprir esse papel emancipador, sendo um espaço polivalente e palco de muitas manifestações dos costumes e hábitos.
Cultura, comércio, arte, vendedores de rua, grandes empresários e entregadores de aplicativo em sua bicicleta, ocupam o mesmo lugar na praça. O centro é vivo justamente por ser democrático. Seja “movimento” ou “circuito”, manter o vivo a centralidade é essencial.
Por obvio, plágio e cópias não autorizadas devem ser coibidos. Qualquer empreendimento na cidade, saja comercial ou cultural, deve fazer uma pesquisa prévia de nome, justamente para não afetar direitos já adquiridos. A CDL deveria ser a primeira a saber, e orientar nesse sentido.
Segundo a Ianani, o “Circuito Centro Vivo” já foi objeto de tese acadêmica e noticiado na imprensa local (Folha1). Na "praça pública virtual" (Instagram) possuem mais de 2 mil seguidores. De fato, “movimento” e “circuito” são sinônimos semânticos. O nome é o mesmo. Ela se diz “muito chateada” e relata a dificuldade de produzir cultura e arte “nessa cidade”. E quem pode contradizê-la quanto a isso? Alias, no setor cultural de Campos, plágio não é lá algo muito incomum. 
A idealizadora do reforça que "não há contradição entre comércio e cultura; pelo contrário. Acreditamos na refuncionalização do centro, que ele deve ser refuncionalizado para além de um comércio ligado a setores já conhecidos. Ele (o centro) pode ser ampliado e ter outras funções e aumentar o trabalho e a renda".
A CDL Jovem talvez tenha se precipitado. Mas a iniciativa é boa. Comprometeu-se a mudar o nome e pede desculpas pelo ocorrido. Reforça que "jamais teve qualquer intenção de confundir seu evento com a brilhante atuação do Circuito Centro Vivo, apenas a mesma boa intenção de fazer algo pelo bem de nossa cidade, neste caso especialmente pelo centro de nossa cidade".
O centro de Campos ser disputado é sempre uma notícia boa. Ele necessita disso. Uma praça, ou o centro, é um espaço de cultura, poder, religião e comércio. Exposto de forma visível em edificações, e compreendida pelas vivências sociais. Mas, acima tudo deve ser um espaço de cidadania. De todos, portanto.
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Nota da CDL Jovem na íntegra:
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"Happy Hour Centro a Mil
Na última quinta-feira, tiramos do papel e realizamos um dos projetos da gestão 2020-2021 da nossa CDL Jovem. Nosso Happy Hour no calçadão do centro.
Evento para o qual tivemos apoio @pmcg através da secretaria de des eco e tur, cervejaria Tropica, além das lanchonetes da região.
Por desconhecimento, demos ao nosso evento um título que acabou por se confundir com o nome de um coletivo que faz um trabalho muito importante, com o mesmo intuito e pensamento nosso: REVITALIZAR O CENTRO.
A CDL Jovem jamais teve qualquer intenção de confundir seu evento com a brilhante atuação do @circuitocentrovivo, apenas a mesma boa intenção de fazer algo pelo bem de nossa cidade, neste caso especialmente pelo centro de nossa cidade.
Inclusive, já na próxima semana e a fim de evitar qualquer mal entendido a este respeito, adotaremos um novo título para o nosso evento, que passará a se chamar "HAPPY HOUR CENTRO A MIL", utilizando em parte do título marca da CDL Campos e que é reconhecida por todos na cidade.
Nossa entidade sempre foi e será aberta ao dialogo e convida a todos que desejam o bem da nossa cidade para que possamos caminhar juntos, sempre que o assunto for empreendedorismo e desenvolvimento econômico".
 
 
 
 
 
 
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A quem interessa o Solar dos Airizes ir ao chão?
03/12/2021 | 09h25
Foto: Rodrigo Porto
Foto: Rodrigo Porto
As questões que envolvem o Solar dos Airizes — construção histórica às margens da BR-356 Campos-Atafona — são essencialmente de cunho cultural e de formação de identidade. Mas que há anos transcenderam e foram parar na justiça. O Solar, desde 2013, é um caso de descumprimento de decisão judicial transitada em julgado. Explico.
O tombamento de uma propriedade privada sempre é um ato extremo. É, na prática, o Estado impedindo alguém de exercer plenamente seus direitos sobre uma coisa. No caso em tela, um imóvel. Porém, além do fato de ser regulamentado em lei, tombar algo significa (ou deveria significar) proteger um bem que possui alto valor cultural, histórico, arquitetônico ou artístico. O Solar dos Airizes possui todos esses elementos encrustados em suas paredes e ruínas.
Um dos maiores marcos patrimoniais da nossa região, o Solar foi inicialmente ligado aos jesuítas, transformado em um grande engenho pelo comendador Claudio do Couto e Souto, e depois veio a ser residência de um dos campistas mais ilustres, Alberto Lamego. O edifício guarda ainda a lendária história da Escrava Isaura, do romance homônimo de Bernardo Guimarães.
Mantê-lo de pé é essencial para que possamos entender a história regional. Usá-lo como estratégia de educação patrimonial é primordial para formamos o pensamento crítico sobre nosso passado. Transformá-lo em um museu é fundamental para que gerações entendam os processos que construíram a região, em suas glórias e mazelas. E tudo isso pode ainda gerar alto valor turístico.
Mas voltemos à questão jurídica. Como imóvel tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) desde os anos 1940, a exigência era preservar — acervo, arquitetura e entorno. Com a morte do patriarca Lamego, e com o fim do uso econômico ou residencial do Solar, o abandono foi inevitável. O Iphan procurou exigir dos proprietários à preservação do bem tombado, inclusive com a imposição de multas pesadas. Mas é preciso levar em conta que preservar e restaurar uma construção daquelas proporções envolvem custos altos. Ora, se o valor é coletivo, cultural, é possível que seja justo que o Estado preserve. Mas não é o que diz o ordenamento jurídico sobre o tema. A responsabilidade é do proprietário.
Crédito: Secretaria de Estado de Cultura
Crédito: Secretaria de Estado de Cultura
Mas há uma previsão no próprio Decreto-lei nº 25, de 1937, que regulamenta os tombamentos, que abre uma possibilidade. Diz o artigo 19 que “o proprietário de coisa tombada, que não dispuser de recursos para proceder às obras de conservação e reparação” deverá levar ao conhecimento do órgão que tombou e, caso confirmado essa incapacidade financeira, passará a responsabilidade ao ente estatal.
O processo
O Solar dos Airizes passou por todas essas etapas. Um processo envolvendo os proprietários, o Iphan, a 2ª Vara Federal de Campos e o Ministério Público Federal teve fim em junho de 2013. A decisão foi tomada e o transito em julgado declarado. Ou seja, não cabe recurso. Cumpre-se, somente. Mas na prática isso não aconteceu.
Leia mais: Vistoria no Airizes - Coppam, IHGC e Defesa Civil
A decisão do judiciário, após ouvir todas as partes, e examinar todas as provas, foi de responsabilizar a Prefeitura de Campos pelo restauro do Solar. Apesar de entrar com apelação, negada pela Vara Federal, a municipalidade é a responsável por restaurar de imediato a construção. E sobre sua ruína, caso aconteça. Apesar de concluído em 2013, o processo continua intimando a prefeitura, que por sua vez age “em nítido intuito protelatório”, como diz o despacho.
A negativa do juízo à apelação foi clara: “não há que invocar a responsabilidade concorrente, com efeito, não se sustentam os argumentos do executado no que tange a perda de receita, queda na arrecadação, gastos emergenciais e comprometimento com demais obrigações”. E vai além: “não obstante este juízo reconhecer o atual momento de dificuldades decorrentes de crise econômica nacional e da pandemia (...), convém destacar que a sentença (...) traçou cronograma razoável para o cumprimento da obrigação”. Cita ainda que não foi encontrada nenhuma ação da prefeitura "no sentido de cumprir o julgado”.
O novo despacho exige que seja elaborado um projeto completo de restauração do Solar no prazo de 60 dias, e que este seja encaminhado ao Iphan para autorização. As despesas para o restauro devem estar contidas no plano plurianual e nas leis orçamentárias do município. E tudo deve ser comprovado documentalmente nos autos do processo. Em caso de descumprimento, a multa diária pode chega a 15 mil reais, a ser paga diretamente pelo prefeito.
A culpa é de quem?
Não interessa a qualquer gestor minimamente sério que um relevante patrimônio histórico-cultural de sua cidade vá ao chão. As perdas seriam bem maiores que os custos de restauro e manutenção. Políticas, inclusive. Pode-se argumentar que o problema é antigo e que vem se arrastando por diversos governos sem solução. Sim, embora tenha uma premissa verdadeira, a omissão do mandatário atual não será justificada pela tese. É preciso resolver.
Com o agravante de que, diante dos fatos e decisões judiciais, não é mais uma questão de “é preciso”, ou “se”. É uma questão de como e quando. Seja de quem for a culpa.
A intimação proferida é de conhecimento da prefeitura. Em ofício enviado ao Iphan em outubro deste ano, a prefeitura diz que o município e a Fundação Cultural Jornalista Oswaldo Lima (Fcjol) “foram intimados do cumprimento de sentença, onde determina, num lapso temporal de 60 (sessenta) dias, a apresentação de um projeto para a restauração do Solar dos Airizes”. Alegando não possuir “em seu quadro de servidores, tal profissional para elaboração de tal projeto”, pede que o prazo seja aumentado.
Caso o Iphan concorde em aumentar o prazo, e seja peticionado à Vara Federal de Campos, e ela aceite, não haverá garantias do novo prazo ser cumprido. A celeuma pode continuar se entendendo até que não seja mais necessária sua existência, a não ser para responsabilizações. O Solar dos Airizes resiste bravamente de pé, mas não se sabe por quanto tempo.
Para que se garanta o que foi decidido, em tempo hábil para cumprir seu objetivo, o caminho mais coerente é a elaboração de um Termo de Ajuste de Conduta (TAC), onde seriam estabelecidos os prazos necessários para execução, mas que sejam tempestivos. Com acompanhamento do Iphan e da sociedade civil campista (veja um exemplo de TAC aqui).
De quem é a culpa - ou a quem interessa a ruína - são questões menores, pois a justiça já cumpriu seu papel julgador. Cabe agora ela cumprir seu papel coercitivo e criar as condições de cumprimento da sentença.
Foto: Rodrigo Porto
Foto: Rodrigo Porto
 
 
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Quem é esse Aristides que o Brasil está falando? É Soffiati?
01/12/2021 | 09h52
Quando o nome Aristides passou a ser o assunto mais comentado da semana nas redes sociais do país, um campista facilmente pode ter se perguntado: “É do Soffiati que estão falando?”. Mas não. Aristides (não o Soff) ficou famoso após a prisão de uma mulher, em plena Via Dutra, no último sábado, a mando do presidente Bolsonaro. Segundo consta, ela teria o xingado de "noivinha do Aristides", em referência a um apelido que ele teria recebido durante seus anos na ativa do Exército (a jornalista da Folha de S.Paulo Camila Mattoso apurou que a mulher não teria citado o termo, mas as redes afirmam que sim).
Embora o “nosso” Aristides hoje se chame Arthur Soffiati — por decisão do próprio —, é difícil não fazer a associação para nós campistas. Como fez hoje o jornalista Vitor Menezes, em seu Facebook. “Confesso que quando vi essa história de Noivinha do Aristides (...) fiquei pensando: "Gente, por que é que estão se metendo na vida do Soffiati?" Aristides pra mim, só ele”.
O filho, Gustavo Soffiati, comentou no post uma informação que deixou o assunto ainda mais duvidoso. “Ele foi militar”, disse. 
Soffiati tem outro nome que criou para si; “coisinha da ecologia”. Ecohistoriador, professor aposentado da UFF e o colaborador mais longevo aqui da Folha, é um personagem conhecido da cidade. Com diversos serviços prestados. Um senhor respeitável, que logo tratou de esclarecer qualquer dúvida sobre o assunto na mesma publicação de Vitor:
— Se o velho Soff fosse mulher, jamais olharia para o capitão. Sendo hétero masculino, o capitão poderia ser o homo (talvez seja) mais sedutor (certamente não é) do mundo. Soff jamais lhe daria a mínima atenção.
Conversa fiada desfeita, Campos pode continuar tendo a certeza sobre algo que Vitor já antevia quando escreveu: Aristides, para Campos, só ele.
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Dentro das quatro vias - quem tem mais chance em 2022?
30/11/2021 | 00h25
A política é uma expressão humana complexa e intrínseca da vida em sociedade. É também ciência; cheia de variáveis, e muitas vezes sem o distanciamento necessário — com algum prejuízo por vínculo emocional —com o objeto de pesquisa. Mas, quando encarada com seriedade, ela nunca é profecia ou desejo de resultado. É análise, que muitas vezes contradiz com a vontade pessoal do analista.
As pesquisas eleitorais também são baseadas em ciência (salvo quando realizada por um ou outro instituto corrompido). São baseadas em estatística e números frios; imparciais, portanto. Se vão influenciar o resultado das urnas é outra história. Mas são fotografias fiéis de momentos. E sim, alteráveis, como toda ciência que se preze. 
A foto do momento mostra quatro candidatos à presidência com viabilidade para 2022. Em ordem: Lula e Bolsonaro, com mais chances de protagonizarem o segundo turno, são seguidos de Moro e Ciro, empatados(?) na margem de erro.
Se os cenários, as tendências e as probabilidades se mantiverem, a vaga ao segundo turno só é certa para o candidato petista. E  nesse caminho, quem o enfrentará? Ciro Gomes ainda tem chances? Sérgio Moro manterá seu percentual atual? Bolsonaro é carta fora do baralho?
Para buscar entender as muitas vaiáveis, a proposta aqui é conversar com quem entende do assunto e usa a ciência para fazer análise. Sobre as quatro vias prováveis, dentro das quatro linhas do jogo eleitoral, trago um diálogo com o cientista político e sociólogo George Gomes Coutinho, da UFF. De novo, pela ordem:
Lula (PT)
O favorito em todas as pesquisas, algumas indicando a vitória já em primeiro turno, têm muito ainda a explicar, mas parece fugir de assuntos mais espinhosos, concedendo entrevista apenas em “terrenos seguros”. A corrupção nos governos do PT e a crise econômica dos governos Dilma são alguns dos temas que Lula não quer ouvir falar.
Para complicar mais a situação, vem suavizando e relativizando regimes ditatoriais, como no episódio recente onde comparou Daniel Ortega, da Nicarágua, com Angela Merkel, chanceler alemã. Ortega prendeu todos seus oponentes, impõe forte repressão a vozes críticas e manipulou as eleições. A Alemanha, ao contrário, é um país democrático. 
Ao seu favor, Lula tem a memória positiva de seu governo, onde valorizou sobremaneira o salário mínimo, entregando um aumento de 155% em relação ao valor do início de seu mandato, com 53,6% de aumento real. Além de levar o país à sexta posição entre as maiores economias do mundo, e melhorar significativamente a imagem do Brasil no exterior.
E soube utilizar esse ativo no tour que fez para Europa, onde foi recebido como chefe de estado, e produziu uma comparação calculada com o desastroso governo Bolsonaro, também em política externa.
A grande questão sobre Lula talvez seja seu apego à democracia. Os governos do PT foram democráticos em essência, porém a liderança de Lula no partido é hegemônica, personalista e centralizadora. O PT tem muitas alas, e a mais radicalizada concorda que a força pode ser usada para atingir determinado fim. E ainda temos o esquema do mensalão, que foi corrupção usada para neutralizar o poder legislativo. Somando-se tudo isso à simpatia aos regimes de esquerdas autoritários, a pergunta é: Lula é mesmo um democrata convicto?
George Gomes Coutinho - 
A questão é absolutamente oportuna e complexa. É muito difícil responde-la sem considerar a cultura política de esquerda em geral e a da latino-americana em particular. Há um componente antissistema de crítica à democracia representativa liberal que está no DNA da esquerda desde o século XIX. Ela se justifica pelo caráter plutocrático e/ou oligárquico das experiências liberais realmente existentes no decorrer do mesmo século que citei, prosseguiram no século XX e seguem na contemporaneidade. Voto censitário, pânico moral, obstáculos ao avanço dos setores subalternos no sistema político formal e até mesmo manobras para punir e dificultar o acesso de negros, asiáticos e latinos nas últimas eleições nacionais norte-americanas se apresentam enquanto indicativos concretos da demofobia, a face oculta de muitos que se apresentam como “campeões da liberdade”.
Decerto a fisionomia da democracia representativa liberal foi se modificando gradativamente e a passos de cágado do final do século XIX até o presente. Contudo, não é movimento linear e tampouco se torna petrificado. As democracias progridem em termos políticos, sociais e civis. Mas, também retroagem. A democracia moderna enquanto sistema é suficientemente elástica, moldável aos movimentos e esbarrões oriundos do conflito de interesses em sociedades complexas. Há vasta literatura recente que confirma esta tese.
No caso latino-americano a esquerda se depara com inúmeras questões que adensam a crítica antissistema. Golpes de Estado, perseguições, eliminação artificial e violenta de partidos que representavam importantes grupos deste lado do espectro político, a dificuldade da universalização do direito ao voto, a interferência norte-americana em diversos países da região, etc.. Eu poderia apresentar um verdadeiro rosário factual neste âmbito. Com tudo isso creio que cabe matizar o Partido dos Trabalhadores e Lula nesse debate.
O Partido dos Trabalhadores e Lula se constroem no movimento da lenta deterioração da ditadura civil-militar de 1964. É contra o regime autocrático nativo que Lula e o PT se apresentam junto a outras forças, algumas destas genuinamente democráticas e outras de arrependidos de última hora. No âmbito doméstico Lula e o PT são, portanto, inequivocamente forças democráticas, algo demonstrado para “fora das portas da sede do partido” digamos assim. Não são o fiat lux do fisiologismo existente no sistema político brasileiro. Todavia, pragmaticamente se adaptaram a este. O “mensalão” e assemelhados, que sem dúvida alguma devem ser combatidos a despeito de quem o pratique justamente por seus efeitos degenerescentes, diz muito sobre parte do sistema político brasileiro formal. Trata-se do mesmo sistema que operou com a compra da emenda da reeleição de FHC, com o escândalo dos “anões do orçamento” e atualmente se organizou nos arredores do inacreditável “orçamento secreto”.
Já para “dentro da sede do partido”, sua questão lida com uma contradição importante. Sua reflexão não ignora a diversidade constitutiva do partido, talvez um dos partidos de fauna mais diversa do sistema partidário brasileiro. As divergências estão ali presentes e os debates são muitas das vezes duríssimos. A hegemonia lulista foi construída e, como toda hegemonia, se assenta em um princípio de equilíbrio dinâmico que é mais precário do que aparenta ser. É plébiscite de tous les jours, tal como toda hegemonia. Mas, é esta que está presente e os outros grupos internos e externos ao partido podem enfrenta-la, endossá-la, questioná-la. De forma ou de outra, o lulismo não perdurará no médio prazo por razões auto-evidentes e caberá aos quadros do partido se teremos continuadores, reformadores, contestadores, enfim, disposições encontráveis em partidos longevos e orgânicos como o PT.
Para finalizar, Venezuela e Nicarágua se apresentam no contexto da cultura política da esquerda latino-americana, reconhecendo PT e Lula como parte desta, que acredita ter razões factuais para relativizar a defesa da democracia representativa liberal, quando havia, nestas partes soberanas de nosso continente. As dinâmicas da disputa política interna a esses países, a inviabilidade da manutenção da concorrência eleitoral e da efetiva alternância de poder pelo voto, produziu o cenário explosivo que dinamitou a ditadura de Fulgencio Batista em Cuba, redundou na emergência do movimento Sandinista na Nicarágua e ocasionou o chavismo venezuelano em uma sequência inaudita de golpes e contragolpes. A defesa destes regimes segue uma tradição regional pela esquerda e sem dúvida merece sim uma reflexão em outros patamares. Porém, a defesa contextual e não absoluta de Cuba, Venezuela e congêneres não autoriza as acusações de autoritarismo feitas ao PT ou a Lula. A prática intransigente da democracia representativa feita por Lula ou pelo partido desde sua fundação não pode ser ignorada. Em sentido lato, há a defesa das regras do jogo na circunscrição doméstica. O que não nos impede de reconhecer que no atual contexto da opinião pública brasileira Lula deu uma pisada de bola e tanto e entregou um belo de um dog whistle para setores da direita brasileira ao mencionar Ortega e arredores.
Os ex-presidentes Dilma Rousseff e Lula, Raúl Castro e Nicolás Maduro em evento para homenagear Fidel Castro, em Santiago de Cuba
Carlos Barria - 3.dez.16/Reuters
Os ex-presidentes Dilma Rousseff e Lula, Raúl Castro e Nicolás Maduro em evento para homenagear Fidel Castro, em Santiago de Cuba Carlos Barria - 3.dez.16/Reuters
 
 
Bolsonaro
O governo Bolsonaro é um desastre em vários sentidos. Incompetente, de viés protofascista, negacionista, com casos de corrupção não resolvidos, e responsável por agravar as já graves crises econômica e sanitária. Tentou levar as conflitos institucionais que criou ao limite de um golpe, mas não conseguiu. Alugou o governo aos radicais olavistas, aos militares e agora entrega ao Centrão o comando do orçamento.
Bolsonaro sabe que se ficar mais comedido talvez interrompa a queda nas pesquisas, mas, por outro lado, parece ser incapaz de moderar o discurso, e com isso perder os apoiadores barulhentos da extrema-direita. O fato é que vem desidratando nas últimas pesquisas.
Qual força será determinante nas eleições de 2022, caso Bolsonaro esteja candidato? O antibolsonarismo ou o antipetismo? Ele pode se considerado fora da disputa, mesmo estando sentado na cadeira da presidência?
George - Neste momento eu concordo com as teses que apontam o antipetismo como uma das maiores forças, se não for a maior força, que irá modular o debate das eleições presidenciais de 2022. Um indicativo disto é a opção tática de Ciro Gomes. Sendo nome inegavelmente da centro-esquerda, não deixa de ser sintomático que tenha encrudescido suas críticas justamente em direção ao PT e a Lula. Todos os outros adversários farão isso e já dão sinais que farão, João Dória por exemplo.
Há um clima para isso e não deixa de causar certa perplexidade que estejamos entrando, em 2022, em um tipo de eleição plebiscitária que irá se posicionar contra ou favoravelmente ao legado petista de 2003 a agosto de 2016. Em minha perspectiva não deixa de ser algo até mesmo patológico e dá indicativos sobre como se constituiu a opinião pública brasileira de 2004 até o presente. Me explico.
Em condições outras não seria previsível termos uma eleição plebiscitária sobre o governo em vigência, ou seja, uma disputa que encaminharia Bolsonaro reeleito ou o retiraria democraticamente do executivo federal. Justamente pela práxis de um governo de extrema-direita que só não avançou mais em sua pauta reacionária por falta de competência, o que o levou a buscar alguma governabilidade abraçado apaixonadamente à centro-direita fisiológica, o debate poderia ter se encaminhado para uma oposição entre autoritarismo de extrema direita e o restante do espectro político. Mas, esta configuração está diluída. Os movimentos anti-bolsonaro, a um só tempo politicamente relevantes e quantitativamente diminutos, ainda não se tornaram movimentos de massa. E não indicam que se tornarão.
O presidente Jair Bolsonaro abraça a deputada alemã Beatrix von Storch, do partido de extrema-direita, e o marido dela, Sven von Storch. Storch é Lutz Graf von Krosigk, ministro de Finanças do Governo nazista de Adolph Hitler.
O presidente Jair Bolsonaro abraça a deputada alemã Beatrix von Storch, do partido de extrema-direita, e o marido dela, Sven von Storch. Storch é Lutz Graf von Krosigk, ministro de Finanças do Governo nazista de Adolph Hitler. / Reprodução
A opinião pública brasileira deste século XXI, desde a espetacularização do “mensalão” que transformou lamentavelmente o próprio STF em algum tipo de reality show, se estruturou fortemente nos arredores do PT. Incluo aqui parte da mídia profissional, blogs, redes sociais, mídia corporativa, estabelecidos, outsiders, enfim, este “caldo”, digamos assim, de comunicação em sentido amplo. Incluo tanto comunicação oligopolizada quanto a descentralizada. O PT e Lula são algum tipo de nêmesis (termo grego que indica vingança ou indignação justificada) para diferentes setores da sociedade brasileira.
Parte da opinião pública ao eleger o PT como protagonista destas eleições em uma lente ideológica por vezes distorcida, onde o partido é colocado na mesma toada anti-democrática da extrema direita brasileira, evidencia duas coisas em minha perspectiva. A primeira delas é o impacto causado pelas políticas petistas, o sutil revolver do status quo brasileiro usualmente anti-popular, avesso a mudanças que de alguma maneira mitiguem a ancestral desigualdade de distribuição de bens materiais, simbólicos, oportunidades. O PT, mesmo que só tenha tocado superficialmente nesta estrutura, se apresenta no imaginário de diferentes grupos como uma via para retomar uma agenda inclusiva que sintetize de maneira conciliatória Estado e mercado. No outro lado, em amplo espectro da sociedade e por um feixe de motivações amplo, há justamente os que se contrapõem a estas políticas por seus efeitos sociais, econômicos, simbólicos, etc.
O segundo ponto que transparece neste debate, ora vejam, é o estabelecimento de prioridades na construção da própria opinião pública brasileira contemporânea, algo que já mencionei. Aparentemente o debate democracia versus práticas consistentemente autoritárias da extrema direita é algo secundário, de menor valor para parte dos formuladores da opinião pública nativa. Por trás do espantalho da regulação da propriedade dos meios de comunicação, ponto que o PT maneja de maneira indiscutivelmente incompetente, o partido é jogado no balaio de feras dos que desprezam a democracia representativa, justamente o mesmo partido que optou por jogar nas regras do jogo e nas eleições que perdeu foi oposição utilizando os instrumentos constitucionais.
Considero a modulação petismo versus antipetismo mais uma tragédia brasileira neste momento da conjuntura das eleições de 2022. E esta modulação nos diz muito sobre o quanto a nossa estrutura desigual deve ser preservada para alguns ou enfrentada na ótica de outros. Democracia versus arroubos autoritários não parece causar comoção de fato neste momento. Quem diria. 
Sérgio Moro
O ex-juiz Moro é a personificação do falso moralismo. Aceitou ser ministro do político mais favorecido pela prisão de outro que foi preso por ele. Atuou, com salário alto, na Alvarez & Marsal, empresa que administra a recuperação judicial da Odebrecht, destruída após a Operação Lava Jato, comandada por ele. Tenta vender a imagem de pureza e moralidade, mas propõe a criação de um tribunal de exceção, já em seu discurso de filiação ao Podemos. E usa a Ucrânia como exemplo.
Moro não tem perfil conciliador, não é acostumado a ceder e negociar, e é igualmente odiado por bolsonaristas e lulistas. Não tem carisma, e apresenta um populismo liberal ultrapassado e tem na pauta anticorrupção a única proposta. Apesar de ter sido ministro de Bolsonaro, Moro parece ter sido identificado como alternativa aos bolsonaristas arrependidos e a quem rejeita o PT; os chamados “nem-nem”. Em algumas pesquisas aparece em terceiro lugar, e pode crescer com o apoio explícito de parte da imprensa e pela imagem de outsider.
Moro tem espaço para crescer ao ponto de tirar Bolsonaro da disputa? Em 2018 o tema de maior preocupação dos brasileiros era a corrupção; hoje não mais. Há chance de um segundo turno entre algoz e vítima (Lula x Moro)?
George - Sem dúvida. Moro é agente de inegável impacto desde que alçado, após consistente trabalho sistemático de construção de sua imagem, a uma espécie de messias de uma religião secular chamada “lava-jatismo”, criatura esta tanto da mídia corporativa quanto de parte de diferentes grupos sociais brasileiros.
O lava-jatismo é fundamentalista e indica cisão na base social da extrema-direita brasileira. Uma parte da extrema-direita local é amalgamada com Bolsonaro, seus filhos e demais personagens periféricos. Trata-se de agenda da entropia, da retirada da regulação normativa de inúmeras esferas da sociedade. Algo como algum tipo de Estado de Natureza patriarcal cristão a ser instituído.
O lava-jatismo atende a outra agenda. A eliminação do impuro. Tal como no bolsonarismo, não há adversários. Há inimigos. Contudo, se no caso do bolsonarismo o inimigo é difuso, no caso do lava-jatismo há algum tipo de tentativa de precisão em diagnóstico e do sujeito coletivo a ser abatido. A doença a ser eliminada é a corrupção e o sujeito coletivo seria aquele seletivamente identificado como corrupto. Neste caso não há Estado Democrático de Direito e tampouco qualquer tipo de salvaguardas para a democracia representativa liberal. Moro é leitor de heróis em quadrinhos e as práticas antissistema, que certamente fazem sucesso em personagens Marvel como O Justiceiro ou Demolidor, ganham face institucional quase psicopática, sem remorso, autocrítica, nada. Excludentes de ilicitude, tribunais penais de exceção, atropelos rotineiros a garantias fundamentais e tudo isso espantosamente amparado por parte do jornalismo profissional. E eis o ponto de maior força de Moro. A torcida em parte da imprensa que irá ignorar, mitigar, incensar, projetar sua candidatura. Há uma chocante legião apaixonada de assessores de imprensa para o candidato.
Bolsonaro conta ainda com parte do apoio de alguns veículos. Mas, aí seria neste momento uma mídia mambembe, algo entre patética e caricata, com cheiro de naftalina e que viu em um governo fraco a possibilidade de ganhar mais uns trocados bajulando e cafetinando o mandatário. Já Moro não. É jornalismo de ternos bem cortados, com quadros que frequentam determinados think tanks e, em ultima instância, veem no ex-juiz a possibilidade de personificação deste artefato chamado “terceira via”: alguém que pode ser o que bem quiser, mesmo atuando fora dos limites do Estado de Direito, algo que não é o problema desde que as diretrizes de arrocho fiscal e redução do custo da força de trabalho prossigam. Moro é a continuação do projeto da extrema direita em vigência com o agravante de ser blindado, ainda por um bom tempo, por parte dos cabos eleitorais espalhados pela mídia brasileira.
Só gostaria de deixar claro que Moro é possibilidade e não fato consumado. E Bolsonaro, com sua base social engajada, militante e profundamente identificada com ele, quase sua imagem e semelhança, pode recuperar fôlego a depender de movimentos da conjuntura e de suas decisões políticas, especificamente aquelas que deem algum tipo de enfrentamento, mesmo que de curto prazo e sem sustentabilidade, aos prejuízos da pandemia. A conjuntura das eleições 2022 deve ser acompanhada dia a após dia.
Ciro Gomes
A chance de Ciro é o fracasso de Lula. A direita e a centro-direita dificilmente teria o Ciro como opção. Os liberais não aceitam alguém com as ideias de nacional desenvolvimentismo que o Ciro apresenta. Já a esquerda o tem como segunda opção, e ele encontra resistência profunda no chamado lulopetismo. Alguns setores da imprensa e analistas políticos já veem como impossível Ciro avançar ao segundo turno em um cenário com Lula na disputa.
A real chance do pedetista chegar à presidência foi em 2018, com clara vantagem que mostrava ter em relação a Haddad na disputa com Bolsonaro. Caso recebesse apoio petista, teria boas chances de vencer aquelas eleições. E Ciro guarda ressentimento. Político de muita inteligência, experiência e sólida formação , parece apresentar um conflito constante entre sua racionalidade e seu ódio.
Agora tenta impor o retorno do trabalhismo brasileiro, mas perdeu os sindicatos e o funcionalismo público para o PT. Mas tem um piso alto, uma militância que o venera e vê nele a única solução para um Brasil polarizado. A “turma do livrinho” justifica seu apoio ao projeto que Ciro apresenta. E com razão de ser, já que é o único candidato viável que apresenta um projeto claro. Ciro aposta em um novo keynesianismo e no estado indutor.
Ciro Gomes é sem dúvida o quadro mais preparado -- técnica e intelectualmente. E tem projeto com aplicabilidade provada no Ceará. Porém, como outros políticos de alta qualidade na história (como Oswaldo Aranha, por exemplo) esbarram em figuras icônicas que aparecem por  vezes na vida política, como Getúlio Vargas e Lula. Ciro será lembrado apenas como um “desperdício”? Existe algum caminho possível para ele estar no segundo turno?
George - Ciro Gomes...muita virtú! Mas, pouca fortuna? Eis o dilema do momento e concordamos. Ciro é sem dúvida um quadro de inegável capacidade e sofisticação intelectual. A sua experiência a frente do governo cearense rendeu a qualificação de “bom governo nos trópicos”, título dado por ninguém menos que Judith Tendler (economista, professora do Massachusetts Institute of Technology - MIT). Vale lembrar, para ser justo, que o mesmo se aplica ao período de Tasso Jereissati no estado, o que pode ser considerado como pontapé do ciclo virtuoso de boa governança e explica os excelentes resultados do Ceará em inúmeras áreas, com destaque invejável para a educação pública por lá.
Arrisco dizer que em termos sistemáticos, operando com indicadores, metas e diagnósticos precisos, Ciro é o único armado com um projeto do tamanho do problema que pretende enfrentar. Sim, é um liberal keynesiano que não embarcou na satanização do Estado cuidadosamente construída por think tanks liberais e pelo PSDB, o partido que decretou a morte do nacional-desenvolvimentismo ainda na década de 1990. Também arrisco a dizer que Ciro está sintonizado com as mudanças emergentes de paradigma de governo do green new deal ou da atuação estatal com preocupações sociais na União Europeia nesta conjuntura pandêmica.
E, bem, e a delimitação dos interesses do eleitor com isso? Lida com um rol de opções que, sem dúvida, colocam Ciro em situação de desvantagem. Não por suas qualidades. Mas, pelos afetos, pela memória do eleitor, a identificação do mesmo. Lula e Bolsonaro são sim lideranças populares, estão em plena atuação e atraem seus eleitores, mesmo que com motivações programáticas e ideológicas diferentes. Moro, quando entra em cena como possível candidato, fura a tática cirista de tentar atrair o voto do eleitor médio da direita. O cenário é desafiador, teríamos que ter novidades e rupturas severas no tabuleiro, o que inclui a inviabilização de candidaturas dos três citados ou a reversão de preferências quase como milagre. O importante é frisar que neste cenário de 2022 os méritos de Ciro talvez sejam francamente insuficientes. Mas, como já disse, 2022 não será uma eleição ordinária, tal como não foi 2018 e, de alguma maneira, não foi 2014. Pode acontecer de tudo, para bem ou para o mal.
 
 
 
 
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Patrimônios campistas: Mosteiro de São Bento de Mussurepe é tombado pelo Estado
27/11/2021 | 18h29
Nesta semana, foram publicados dois tombamentos no Diário Oficial do Estado do Rio de Janeiro: o Antigo Hangar do Zeppelin, em Santa Cruz, na capital, e o Mosteiro de São Bento de Mussurepe, na cidade de Campos
De acordo com a nova diretora do Inepac, Ana Cristina Carvalho, que assumiu a direção geral no último dia 13 de outubro, a proposta da atual gestão é estabelecer procedimentos que recomponham as atribuições de proteção e fiscalização conferidas legalmente ao órgão.
“Estamos trabalhando para viabilizar os casos de compensação, restauração e conservação do patrimônio histórico e cultural, seja para manutenção do bem pelo proprietário, seja para utilização e fruição pelo particular, conferindo atividades econômicas ou culturais que permitam a sustentabilidade do bem tombado. A troca da gestão também foi pensada no sentido de priorizar o diálogo com a Casa Civil e ampliar o entendimento da importância do tombamento, dando mais celeridade aos processos”, explica Ana Cristina Carvalho.
Para a Secretária de Estado de Cultura e Economia Criativa, Danielle Barros, estes tombamentos são de vital importância para a preservação e manutenção da memória fluminense:
“Esperamos que estes espaços sejam ocupados de forma que valorizem a importância histórica e cultural de cada um. São construções ímpares, com uma qualidade arquitetônica singular e que fazem parte da história do Rio de Janeiro”, destaca Danielle Barros. (Fonte: SECEC-RJ
Mosteiro de São Bento de Mussurepe
Situado no distrito de Mussurepe, em Campos, o Mosteiro de São Bento é um símbolo histórico da presença dos monges beneditinos em Campos. Uma das construções mais antigas do município, que ainda mantém-se de pé, a construção foi fundada pelo Frei Bernardo de Montserrat, em meados do século XVII. O conjunto arquitetônico é formado pelo convento, a igreja, uma oficina e o cemitério. 
A efetivação do tombamento pelo Inepac era muito aguardado pelo setor cultural de Campos (veja aqui). O Mosteiro já era protegido em âmbito municipal, pelo Conselho de Preservação do Patrimônio Histórico e Cultural (Coppam), e em 2018 o prédio histórico recebeu uma etapa de restauração. Mas, ainda necessita de obras estruturais emergenciais. Com o processo de tombamento estadual, a esperança de "salvar" o Mosteiro é reforçada. 
Agora, campos passará a ter 10 bens tombados pelo Inepac. Receberam tombamento em períodos anteriores a Serra do Mar, o coreto do Jardim do Liceu, o Canal Campos-Macaé, os hotéis Amazonas e Gaspar, a sede da Lira de Apollo, o Solar do Visconde de Araruama (onde atualmente funciona o Museu Histórico), o Colégio Estadual Nilo Peçanha e o Liceu de Humanidades.
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Sobre o autor

Edmundo Siqueira

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