Arthur Soffiati: Belém – 1989
* Arthur Soffiati 03/02/2024 09:37 - Atualizado em 03/02/2024 12:13
Conheci Belém do Pará em 1989, por ocasião de um encontro nacional de estudantes de Serviço Social. Eu era professor da UFF/Campos e fui convidado a participar de uma mesa sobre a questão ambiental. Tratava-se de uma discussão ainda estranha na época e no âmbito do Serviço Social, muito marcado por uma concepção que enfatizava o social e minimizava o ambiental.
Pagaram-me passagem de avião ida e volta e hospedagem. Os estudantes de Campos foram de ônibus e saíram três dias (creio) antes do início do evento. Saí de avião um dia antes. Chegando a Belém, a comissão organizadora contornou-me por algum tempo. Pressenti algo imprevisto. Finalmente, fui procurado por ela. Não havia dinheiro para me hospedar num hotel. A proposta era hospedar-me na casa de um professor que morava em cidade próxima a Belém. A outra era colocar-me no quarto coletivo dos alunos. Optei por esta.
Deram-me colchonete e lençóis muito confortáveis. Cobertor não era necessário por conta do calor. Tomava-se banho e voltava-se a transpirar, confundindo água com suor. Dormi entre alunas, em sua maioria. Havia um bom número de alunas minhas entre elas. Não sofri abusos e assédios. Estabelecemos ótimas relações. Elas cuidavam muito bem de mim. Passei uma semana agradabilíssima em Belém para participar de uma mesa de poucas horas em um só dia, mesmo assim à noite.
Aproveitei os demais dias para conhecer a cidade e seus arredores. Saí de Campos com um roteiro de viagem. Não percorri Belém sozinho. Vários alunos juntaram-se a mim. Visitamos o Mercado-Ver-o-Peso naquele magnífico prédio. Havia a advertência de se tratar de um lugar sujo e perigoso. Não encontramos nada disso. Fiquei fascinado com a variedade de plantas e de peixes. Eles eram enormes. Cheguei a escrever um artigo sobre os peixes da Amazônia. Apenas fiquei triste com a abordagem de um senhor pobre tentando me vender um tamanduá-mirim, algo muito comum na cidade. Não sei se ainda continua.
Fomos à ilha do Mosqueiro com suas casas baixas e avarandadas. Eu queria conhecer a praia do Chapéu Virado, onde Mário de Andrade tomou banho em sua viagem à Amazônia. Falei aos estudantes que me acompanhavam sobre o candiru, peixe que entra nos orifícios humanos e só sai com cirurgia. Foi o bastante para que todos saíssem da praia, principalmente as alunas.
De volta à cidade, visitamos o Teatro da Paz, o Forte do Presépio, a Basílica Santuário de Nossa Senhora de Nazaré e a Catedral Metropolitana (Sé). Esses pontos me levaram a refletir sobre o processo de globalização. Era um pensamento ainda imaturo de um professor com 42 de idade. Eu me perguntei o que significavam aqueles prédios europeus nas franjas da maior floresta do mundo. Um forte europeu para defender a cidade contra outros europeus. Uma igreja suntuosa levando aos nativos xamanistas uma fé quase monoteísta.
As docas não haviam ainda passado por reformas. Visitamos o Parque Zoobotânico do Museu Emílio Goeldi. Não gostei dos animais aprisionados, mas deleitei-me com as plantas. Os jardins botânicos sempre me fascinaram, mais do que os herbários. As coleções do Museu me encantaram. Eu já conhecia a pujança das culturas amazônicas, mas agora eu via suas criações materiais ao vivo. Esse encantamento voltaria a acontecer em 2018.
Reservei um dia para visitar Wilson Amanajás, belenense de coração e estudioso de cultura popular. Ele me ajudou nos escritos sobre cultura popular infanto-juvenil a que me dediquei na década de 1970. Ele e sua mulher eram autênticos amazônidas no físico e no pensamento. Ambos estavam de partida para a ilha do Mosqueiro, onde passariam férias. O período melhor para isso é o meio do ano. Faltava-me agora a mesa redonda sobre a questão ambiental. Não fui bem recebido pelo colega que a compunha comigo. Ele era paraense e insinuou que eu era um intruso. Minha resposta em momentos como este (e já passei por eles várias vezes) é dizer que o mais recôndito lugar fica no planeta Terra e também que estou ali por convite, e não por iniciativa pessoal.
O encontro chegava ao fim. Fui despedir-me dos meus alunos na rodoviária. Eles voltariam de ônibus. Era uma sex-feira à noite. Eu ficaria ainda a metade do sábado para voltar de avião. Fui ao Bosque de Belém sozinho, pensando nos meus alunos, que enfrentariam três dias de viagem. Caminhei com reverência naquelas alamedas cercadas pela vegetação luxuriante da Amazônia. No final, comprei um picolé de açaí e me sentei num banco de praça. Abri os braços e os apoie no encosto do banco. De repente, o picolé me foi roubado por uma anta. O animal me encantou. Logo em seguida, chegou uma fêmea de anta. Os dois aceitaram folhas que lhes ofereci, recolhendo-as com sua trombinha e as colocando na boca. O casal me acompanhou até a saída do Bosque. Fiquei emocionado com aquela companhia e com minha despedida de Belém. O avião partiu na tarde de sábado. Faltou a ilha de Marajó.

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