28 de março não representa a história de Campos dos Goytacazes
Edmundo Siqueira 24/03/2023 21:15 - Atualizado em 27/03/2024 19:41
Entra ano, sai ano e Campos continua comemorando seu aniversário em uma data que não conta sua história; pelo menos não de forma completa. A data que a cidade hoje celebra como seu nascimento — seu aniversário, portanto — refere-se a sua elevação à essa categoria, que aconteceu em 28 de março de 1835, quando a Vila de São Salvador passa a ter o nome de Campos dos Goytacazes.

Porém este é um ato burocrático, uma mera formalidade que muitos lugares do Brasil e do mundo cumpriram, mas que que não geraram qualquer lembrança festiva. O que constituí Campos como uma cidade aconteceu há muito mais de 188 anos.

Ao celebrarmos o aniversário de uma pessoa, o estamos fazendo por ocasião de um novo ciclo que se cumpre, esse contado a partir do dia de seu nascimento. A data comemorada, portanto, não diz respeito aos outros atos constitutivos de sua identidade, mas sim ao dia que efetivamente “veio ao mundo” aquele indivíduo. Casar-se, formar-se em uma faculdade, ou adquirir o título de mestre não são comemorados como o nascimento, embora sejam datas importantes. Com uma cidade não é diferente.
Quando Campos nasce, de fato?
Biblioteca Nacional
O que hoje se entende por Campos dos Goytacazes começou como uma capitania em meados do século XVI: a Capitania de São Tomé. Após a chegada (ou invasão) dos portugueses no Brasil, essa região sofrera duas tentativas de domínio, ambas frustradas pela resistência de seus povos originários — indígenas com presença tão marcante que uma das tribos está em seu nome: Goitacazes (com “i” a princípio), além de Puris e Coroados.

Sem conseguir dominar a região, o Império doa as terras para um grupo de fazendeiros chamados de “Sete Capitães”, que primeiro exploraram a criação de gado na planície (há registro do primeiro curral em Campo Limpo em 1633), e dezenove anos depois o primeiro engenho de açúcar é erguido.

Para ser vista como uma cidade, e organizar-se como tal, Campos precisou consolidar sua economia, com a cana-de açúcar e outras culturas, e possuir as construções e instituições civis necessárias para ser uma sociedade urbana, que abre mão de algumas liberdades individuais em nome da coletividade. No século XVII era necessário que houvesse uma igreja (a religião dominante era a católica), uma cadeia pública, uma câmara legislativa e casas onde houvesse moradores, de fato.

Mas como podemos definir o momento exato em que um aglomerado de pessoas e construções passe a se tornar uma urbe, com ruas e gentes, determinações e identidades próprias? A data de fundação de um lugar é determinada por diversos fatores e movimentações, por isso há dificuldade na definição de qual data é a mais adequada para aquele contexto. Em Campos existem três datas que disputam esse marco:

João Pimentel


29 de agosto de 1652 - Essa seria uma defesa de representantes da Igreja Católica, mais especificamente da Igreja de São Francisco, localizada na avenida 13 de maio. Segundo eles, o político, industrial e intelectual campista Julio Feydit registrou que uma capela de palha foi erguida em 1652 ou 1649 onde hoje está a Igreja São Francisco. Pela data de comemoração do santo que dá nome à igreja, “só poderia ter sido, conforme prevê a tradição católica no dia de seu santo, dia 06 de Agosto”, como disse o prior da igreja.

1° de Janeiro de 1653 - É instalada a primeira Câmara, evento que vem a efetivar a existência legal de Campos, segundo os parâmetros portugueses da época. É quando nasce a Vila de São Salvador. Por questões políticas e econômicas, essa casa legislativa foi dissolvida em 1657. Mas foi uma Câmara orgânica, que nasce “de baixo para cima”, em um movimento raro de acontecer naquele período. Além disso, a data conta com uma "certidão". No Arquivo Público consta o documento gerado na ata de posse.

29 de Maio de 1677 - A Vila de São Salvador passa por outro processo politico administrativo, e novamente tem uma Câmara, estabelecida pelo governador Salvador Corrêa de Sá e Benevides. É o início do domínio Asseca na região, durando mais de um século. A partir daquela data, foram desencadeados outros tantos eventos que fazem com que Campos se torne um centro comercial e produtor importante para o Império.

Para definição da data correta é preciso entender o contexto histórico onde as condições materiais, sociais e religiosas foram construídas — inclusive para problematizar as questões de exploração humana da escravidão —, para compreender quais processos foram determinantes na formação do que hoje chamamos de “cidade”. 

E o 28 de março, então?

As comemorações do dia 28 de março não são oficiais. A Câmara de Vereadores, que tem legitimidade para efetivar esse marco, ainda não finalizou o processo legal para que a data se torne oficialmente o nascimento de Campos. O aniversário da cidade é comemorado pelas entidades públicas e privadas, e consta no calendário oficial, mas a definição do 28 de março ainda não foi feita pela Câmara.

O documento que eleva a então Vila de São Salvador como uma cidade é o mesmo que eleva à essa categoria Angra dos Reis e Niterói, que não utilizam a data como marco principal; como nascimento.
Foram iniciadas, nesta legislatura, audiências públicas sobre o assunto, mas ainda não foram concluídas (veja aqui, em reportagem da Folha).

Comemorar na data certa pode ser o primeiro passo para fortalecer a identidade do campista e serve para que sejam trazidos os reais elementos utilizados para a formação da cidade e de seu entendimento como tal. Não são 188 anos de história, e não é 28 de março o marco principal para definir Campos como cidade. Existem outros — mais antigos e relevantes — caminhos percorridos.

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