Crítica de cinema - Aquecimento global e jacarés
*Edgar Vianna de Andrade 30/09/2019 15:40 - Atualizado em 08/10/2019 15:54
Divulgação
(Predadores assassinos)
— Em “Moby Dick”, de Herman Melville, não tem conversa: o cachalote monstruoso mata a tripulação do navio, deixando vivos apenas dois homens, entre eles o narrador do clássico romance. No cinema, os animais costumam perder. Primeiramente, eles são transportados para um ambiente que não é o seu por fenômenos naturais ou por pessoas. No trashPiranha 3D” (2010), de Alexandre Aja, o mesmo diretor de “Predadores assassinos” (Crawl, 2019), uma brecha aberta por movimentos sísmicos permite que piranhas esfomeadas passem de um lago subterrâneo e um lago superficial. Em “King Kong” (2005), o grande macaco é levado para a “civilização”, onde é morto depois de se rebelar contra o cativeiro. Esse é o primeiro aspecto dos filmes com animais perigosos.
Segundo: o animal ganha personalidade de matador, como se sentisse ódio dos humanos e tivesse prazer em matá-los. Assim, eles ocupam o lugar de inimigos para que não se sinta remorso com seu massacre. Se os animais se comportassem bem, seria maldade eliminá-los.
Terceiro: os humanos são sempre vencedores, mesmo que, ao fim do filme, tenha-se a impressão de que o animal ganhou. A vitória dele, na maioria das vezes, é um gancho para criar uma franquia. Já se perdeu a conta de quantos filmes colocaram vermes, insetos, aranhas, tubarões, cobras, jacarés, baleias, macacos, dinossauros e feras bizarras como inimigos a serem eliminados.
Raros filmes que retratam a luta hercúlea de humanos contra animais escapam do flerte com o trash. “Piranha 3D” é apenas um entre incontáveis outros. Os jovens maus, fúteis e depravados terão sempre um final trágico. Os virtuosos escaparão. Basta assistir ao filme “Crocodilo” (Crocodile), inacreditavelmente dirigido por Tobe Hooper em 2000. Inacreditável pela má qualidade da fotografia e pelo excesso de clichês de filmes de ação com animais destruidores.
Em “Predadores assassinos”, o que lança os imensos jacarés para nadar pelas ruas de uma cidade de Flórida é um violento furacão. Os animais estariam nadando em vias públicas e entrando em casas como cães por um fenômeno natural, mas o que o mestre do terror Sam Raimi, produtor do filme, pretende é abordar o aquecimento global como responsável pelo aumento de intensidade das tempestades.
Ao que tudo indica, os jacarés saíram de um pantanal muito comum na Flórida e foram procurar alimento na cidade. Mais que instintivos, os animais são inteligentes e cruéis, como costumam mostrar os filmes com feras perigosas.
Embora não sendo o diretor do filme, Sam Raimi deixa sua marca nele. Em não mais que 90 minutos, os jacarés partem para o ataque e criam um clima apavorante. Haley Keller (Kaya Scodelario) não deixa a cidade evacuada e sai à procura de seu pai Dave (Morfydd Clarck) em sua casa. Em relação a “Piranha 3D”, a fotografia, o roteiro e a direção melhoram muito. Raimi parece querer homenagear “Tubarão” (Jaws, 1975) de Spielberg.
Mas não foi uma homenagem à altura. Os imensos jacarés cortam ao meio com seus dentes pessoas que devem morrer e dão mordidas leves em quem há de derrotá-los. Se é pra morder, que arranquem braços e pernas. Se é para salvar os heróis que os matarão, que não os mordam. Pai e filha saem feridos, mas salvos por um helicóptero em meio a ventos de um furacão. Se eles não matam todos os jacarés, conseguem ludibriá-los e fugir da sua sanha assassina.

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