?Cracolândia? na área do centro preocupa
16/01/2016 12:01

A visão de grande parte da classe média de Campos costuma ser de que o município está crescendo e, por isso, surgem no espaço urbano cenários que são mais comuns a grandes capitais. O aumento do número de pessoas em situação de rua na área central da cidade, por exemplo, levou um leitor do jornal – que permanecerá no anonimato – a comentar, via Whatsapp da Folha  (9-9208-7368): “Cracolândia sendo formada no Centro de Campos (ao lado da Catedral) e o poder público fica inerte. A Prefeitura está recebendo verba federal pelo programa ‘Crack: é possível vencer’ sem colocá-lo em atividade”. Este leitor faz referência a pessoas em situação de rua, que dormem ao lado da Catedral São Salvador, no Centro, e afirma que tais pessoas usam crack no espaço urbano público. Um comerciante (que permanecerá no anonimato e será identificado como “L”) chegou a dizer que as pessoas que dormem nas ruas centrais “não podem circular no centro do município” e que é preciso “limpar o Centro” de pessoas assim. “É o higienismo social. O que se quer é ‘limpar a cidade’. Existe algo perigoso, que é a histeria de setores da sociedade a respeito da imagem do ‘cracudo’, e, também, o mito da Cracolândia. Cracolândia só existe em São Paulo”, analisou o doutor em Sociologia Brand Arenari. Outro comerciante, que terá sua identidade preservada e será identificado apenas como “M”, por sua vez, afirmou: “Essas pessoas nunca me causaram mal algum. Elas ficam por muitas horas dormindo, e quando acordam compram balas e chicletes para vender. Não criminalizo essas pessoas – quem quiser, que faça isso e se vire com sua própria consciência”.

Uma pesquisa da Fiocruz, de 2013, mostra que 60% das pessoas que consomem crack no Brasil não vivem nas ruas. “A mídia criou muitos mitos sobre o crack. E existe um estigma forte em relação à população que mora na rua”, analisou Brand. Para as pessoas que se consideram dependentes de crack, nicotina (cigarros), álcool e outras drogas, e querem ajuda para interromperem o uso, Campos oferece atendimento na Clínica de Reabilitação Geremias de Mattos Fontes, em Pedra Lisa, em Morro do Coco.

O comerciante que afirmou que as pessoas em situação de rua “não podem circular no centro do município” disse que gasta desinfetante limpando urina que fica depositada na calçada diante de seu estabelecimento, e chegou a fazer a afirmativa de que “não é preciso ajudar essas pessoas”. “Ajudar a quem? A eles?”, disse. O pesquisador de Exclusão Social e Desigualdade Filipe Coutinho, por sua vez, pontuou: “O uso de crack em Campos é muito menor do que a classe média acha. Isso é um processo de condenação dos excluídos. Hoje em dia, o ‘cracudo’ é tido como o resto da sociedade. É preciso aproximar esses indivíduos ao Estado e tratar caso a caso”.

Já o comerciante “M”, que atua na área central da cidade, relatou: “Pessoas que moram nas ruas são, normalmente, taxadas de violentas, mas são elas que sofrem violência, principalmente por parte de agentes de segurança pública. Elas comem restos de quentinhas e às vezes pedem algum dinheiro a quem passa. E bebem álcool, o que grande parte da sociedade faz, nos bares e locais de classe alta. É muito fácil a sociedade julgar, mas só cada um desses indivíduos para saber o que passou, e o que está passando. Cada um tem sua história de vida. O único ponto que incomoda é o fato deles urinarem nas ruas, mas o que eles vão fazer se Campos é uma cidade deficiente em termos de banheiros públicos? Um Centro imenso desse e onde estão os banheiros?”.

“Crack não é problema de segurança pública”

A Prefeitura afirmou que adere ao programa “Crack – É possível vencer”, mas não comentou sobre a afirmação do leitor, quem disse que o órgão não está aplicando a verba do programa. A pesquisa de 2013, da Fiocruz, mostra que 80% dos usuários de crack no Brasil são homens, negros ou pardos, sem ensino médio e sem emprego ou renda fixa; são pessoas em situação de marginalização social. O estudo foi feito com 30 mil pessoas, em 26 capitais do país, e também mostrou que 60% são solteiros. A maioria deles têm a média de 28 anos de idade.

— O mais importante nesse estudo é derrubar mitos: o primeiro é o de que o crack é um problema de segurança pública, quando na verdade é uma questão social; o segundo é o de que o crack é uma epidemia e, por fim, o de que os usuários não querem abandonar o vício — narrou o professor de psiquiatria Dartiu Xavier, da Unifesp.

A pesquisa da Fiocruz mostra que a imprensa nacional, quando afirma que o crack domina o país, é exagerada: os dados apontam que apenas 0,8% das pessoas das capitais brasileiras são usuárias regulares de crack. “A mídia sempre utiliza uma droga como o fator central pra um problema de exclusão social. Já foi a maconha, depois a cocaína e agora é o crack. Daqui a um tempo, surgirá uma nova droga pra mídia classificar; e o Estado não trata na raiz do problema. O importante é entender que já teve grandes avanços do Governo Federal em torno desse tema. A grande dificuldade é trabalhar a nível municipal”, analisou Filipe Coutinho.
Cerca de R$3,5 bilhões já teriam sido investidos, pelo governo federal, desde 2014, no “Crack, É Possível Vencer”, programa lançado em 2011. A Confederação Nacional dos Municípios chegou a classificar o programa como “um tiro no escuro”, por ser um programa composto pela guerra ao tráfico.

Município oferece programas sociais

No site do programa federal “Crack, É Possível Vencer”, Campos aparece vinculado à iniciativa da seguinte forma: no “Eixo Cuidado”, o município estaria oferecendo o programa em uma Unidade de Acolhimento Infanto Juvenil (UAI), em três Centros de Atendimento Psico Social (Caps), no Centro de Referência Especializado para População em Situação de Rua (Centro Pop) e em três unidades do Centro de Referência Especializado de Assistência Social (Creas); e, no “Eixo Prevenção”, o programa estaria presente em um Centro Regional de Referência (CRR).

O álcool, por sua vez, cujo uso é legalmente aprovado, é a substância que mais mata no mundo, segundo a Organização Mundial de Saúde: causa, no mínimo, 2,5 milhões de mortes por ano.

Em Campos, há o Serviço de Proteção Social para Pessoas com Dependência Química, que funciona na clínica de Pedra Lisa. O espaço atende a pessoas que têm vícios em vários tipos de substâncias, incluindo o álcool e o crack. Além disso, o local dá atendimento a pessoas que apresentam debilidades mentais. A internação no espaço é voluntária e para maiores de 18 anos. Desde 2012, a clínica ofereceu atendimento a 1.132 pacientes, segundo informações da secretaria de Saúde.

(T.T.)

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