29 anos da UENF: sonhos, lutas, afastamentos e reaproximações
Edmundo Siqueira 16/08/2022 22:51 - Atualizado em 16/08/2022 22:52
Paulo Damasceno/Divulgação UENF
16 de agosto de 1993. Em um conjunto de edificações de concreto armado, localizadas entre o número 300 e 710 da Avenida Alberto Lamego, às margens do Paraíba, uma aula magna era ministrada. A Universidade Estadual do Norte Fluminense (UENF) passava a existir. Nascia de fato, naquele ato acadêmico. Mas a primeira universidade pública de Campos havia sido concebida muito antes.
A UENF começa sua história com olhos para o futuro. Não foi chamada de “Universidade do 3º Milênio” sem motivo. A partir da tríade ensino-pesquisa-extensão, a instituição de ensino estaria voltada para a produção científica nas áreas de Ciências Humanas, Biológicas, Agrárias e Tecnológicas. O principal objetivo era a superação dos problemas relacionados ao desenvolvimento regional.
Mas a vinda da UENF para Campos não foi por acaso.
Nos anos 1930, os campistas já sonhavam com uma universidade pública. Theobaldo Miranda Santos, então diretor do Liceu de Humanidades de Campos, publica um artigo chamado “Universidade de Campos: sugestões para a sua organização”. Também nesse período, foi proposto pelo então deputado campista, Mário Barroso, a incorporação das instituições de ensino superior existentes na cidade em uma universidade pública.
Mais tarde, nos anos de 1970, quando já existiam as faculdades de Filosofia, Direito, Medicina e Odontologia — que eram geridas por suas fundações mantenedoras, Fundação Cultural de Campos e a Fundação Benedito Pereira Nunes —, seus docentes lideraram um novo movimento em torno de uma “Universidade para Campos”: a redação e aprovação de uma Emenda Popular.
Naquele período era possível alterar a Constituição Estadual através de uma iniciativa popular que reunisse mais de 3 mil assinaturas. Criar uma universidade em Campos parecia ser um sonho possível com esse instrumento. Vários setores da sociedade campistas aderiram ao movimento e foram conseguidos 4.431 signatários no documento, sem contar milhares de outras não qualificadas.
Reprodução/Blog Garotinho
Assim, no final do governo Moreira Franco, em 16 de outubro de 1990, foi promulgada o ordenamento legal nº 1.740 — a Lei de Criação da UENF. Mas não bastava uma lei. Era preciso muito mais, para que uma universidade, com as características que a UENF veio a nascer na aula magna de 16 de agosto de 1993, viesse a ser uma realidade.

“O que devo incluir em minhas promessas de campanha?”, foi a pergunta que o então candidato ao governo do estado, Leonel Brizola, fez em um comício, na Praça São Salvador, em 1990. O interlocutor era o então prefeito de Campos, Anthony Garotinho.
“A Universidade do Norte Fluminense”, foi a resposta. Ao lado de Brizola também estavam Fernando Leite, então deputado estadual pelo PDT, e Darcy Ribeiro.
A promessa começava a ser cumprida no ano seguinte, com a vitória de Brizola e a “carta branca” dada a Darcy para construir a UENF. Uma comissão foi formada, e a implantação da “Universidade Estadual Norte/Noroeste Fluminense – UENF” (assim denominada na escrita da ata em uma das reuniões) teria início. Mas não sem conflitos.
A UENF e Campos
A UENF foi criada por um movimento orgânico, em Campos. Fruto de articulações e um conjunto de forças locais que buscavam uma Universidade que olhasse para o interior. As primeiras comissões e grupos de trabalho criados contaram com intelectuais e acadêmicos campistas. Era natural que eles participassem dos quadros da Universidade.
Darcy Ribeiro, com vasta experiência no campo educacional, ex-reitor e um dos criadores da Universidade de Brasília (Unb), reconhecia “utopias desvairadas sobre o vazio”, na escrita do Plano Orientador da UENF. E pensava para a UENF algo novo, nunca antes tentado no Brasil, algo do “terceiro milênio”. Como uma das medidas, exigiu que todos os professores da nova universidade fossem doutores. Essa e outras medidas afastaram a UENF de Campos. E impediu a efetivação da Escola de Cinema, no então abandonado Solar do Colégio.
“Foi criada uma expectativa fisiológica na comunidade acadêmica que demandará muita habilidade para ser contornada, pois os funcionários pensam que serão incorporados sem concurso à carreira pública. A posição do Estado, no entanto, é criar uma universidade de vanguarda e socialmente necessária, em lugar daquela oportuna para um grupo”, rebatia representante do governo Brizola em reunião.
Passado e futuro
A UENF, desde sua criação, cumpre um papel essencial na região. Seja nas pesquisas desenvolvidas, nos profissionais que formou e que trouxe para Campos, ou nas evoluções acadêmicas que determinou na cidade.
Como toda instituição plural e produtora de conhecimento e pensamento crítico, recebe críticas e uma alta expectativa. Em 29 anos de existência, alguns dos projetos iniciais de Darcy Ribeiro não foram cumpridos, e a participação da sociedade campista ainda é tímida. Mas a UENF transformou Campos em uma referência nacional no meio acadêmico. E isso não é pouca coisa.
Raul Palacio, atual reitor da UENF, comenta sobre a história da Universidade, faz projeções para o futuro e  fala sobre o projeto de abertura do campus e da instituição para a sociedade campista. Palacio utilizou essa “abertura” como uma das plataformas de campanha para a reitoria.
O reitor disse que a UENF “representa uma máquina de realização de sonhos”. E que as ações em cultura e esporte são “áreas fundamentais para fortalecer o vínculo entre a universidade e a sociedade”. Raul também fala da reabertura da Villa Maria e de projetos na área social.
Folha1
Edmundo Siqueira – Como o senhor avalia, como atual reitor da Uenf, o papel da Universidade em Campos, nesses 29 anos?
Raul Palacio – Ela tem feito aqui que foi feita para fazer: alavancar o crescimento do interior do estado do Rio de Janeiro, especificamente no Norte e Noroeste. E isso se dá em todas as áreas. Temos estudantes nossos, tanto na graduação, como na pós, atuando nos diferentes institutos e universidades do Estado. Em pesquisa, temos os nossos resultados aplicados em toda região. Em extensão, atendemos as comunidades não só de Campos, mas também em regiões próximas. E na parte social, estamos atendendo em todas as necessidades da sociedade.
Esses 29 anos tem sido de muitas lutas, sacrifícios e esforços, mas também de muito compromisso. O resultado se vê na própria cidade. Hoje a UENF é referência em qualquer ponto que se coloque em Campos. Na política, educação, saúde, e outros, a UENF funciona como referência. Isso nos deixa muito orgulhoso, mas também cientes de nossa responsabilidade. Com ponto de vacinação contra a Covid-19, por exemplo, quase 80 mil pessoas foram vacinadas na UENF, entre jovens, crianças e idosos.
Edmundo Siqueira – Quais as perspectivas para os próximos anos?
Raul Palacio - Começamos com o slogan “a universidade a serviços da comunidade”, com um espaço de oportunidade para todos, e a sociedade acolheu muito bem. Hoje, a UENF se transformou em um parque, um centro de recreação, um lugar realmente importante para as pessoas praticarem o lazer. Traremos outras propostas e atividades para os próximos anos. E queremos continuar a consolidação com o nosso projeto. Agora com atuações mais fortes na cultura e no esporte, pois entendemos que são áreas fundamentais para fortalecer o vínculo entre a universidade e a sociedade. Estamos trabalhando muito fortemente a cultura, o esporte e o atendimento social.
O concerto de ontem (veja reportagem da Folha aqui) foi excelente, com extensa participação da população campista. A Casa de Cultura Villa Maria está sendo remodelada e o centro de convenções será aberto para sessões de cinema nos domingos de manhã para as crianças. São ações que visam maior interação. Também faremos muitos investimentos em pesquisa e extensão. Lembrando que a UENF representa uma máquina de realização de sonhos. Muitos de nossos graduandos são os primeiros em suas famílias em ter um diploma de curso superior.
Edmundo Siqueira – Uma de suas propostas de campanha foi abrir a Universidade para a sociedade. Como avalia as ações nesse sentido até aqui?
Raul Palacio – É um trabalho conjunto, de uma grande equipe. Seria muito injusto termos tanto na UENF e a população não usufruísse. Abrimos a UENF, talvez não na intensidade que queríamos, muito pela pandemia. Por outro lado, como fomos postos de vacinação, muitas pessoas conheceram melhor a UENF. Nos parecia fundamental que as pessoas tivessem um lugar aberto, com biossegurança, nesse período tão difícil.
O resultado de tudo isso, entre outras coisas, foi o dia de ontem. Muitas pessoas compareceram no concerto de piano colocado no nosso Centro de Convenções. A população já reconhece a UENF como sua. Ela já reconhecia antes, mas agora o sentimento de pertencimento ficou muito mais evidente. Também temos projetos como o Paraesporte (veja aqui), o “Conhecendo a UENF”, onde vamos às escolas. Estamos também como fortes ações na graduação e pós graduação, na pesquisa e na extensão, com muitos esforços para manter as contas em dia. Logicamente ainda há muito a melhoras, mas bem menos do que quando entramos, com certeza.

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