Fernando da Silveira - Como se esquecer do acadêmico João Grilo? (I)
Fernando da Silveira 25/05/2022 20:15 - Atualizado em 25/05/2022 20:15
“Sem qualquer desdouro a afetar os colegas da ACL, confesso ter predileção pelo autor do soneto ‘Canção do Homem’”. — Claudinier Martins.

Lamentavelmente, o correr dos anos e a morte levaram a ser esquecido um dos mais brilhantes membros da Academia Campista de Letras (ACL), o célebre jornalista, advogado, político, empresário e poeta campista João Rodrigues de Oliveira, cujo apelido era João Grilo, em face de ter morado quando criança, extremamente magrinha, no brincalhão, no espirituoso bairro campista da Lapa. Há quem afirme que o esquecimento teria iniciado em decorrência de uma brincadeira que ele fez com o Dr. Godofredo Tinoco, então presidente da ACL. Sendo notório que, com tal brincadeira, ele jamais quis feri-lo, pois nunca deixou de elogiar o Dr. Godofredo por nos ter premiado com o seu notável livro “A Vida Amorosa de Luís Filipe de Saldanha da Gama”. Fato que revela a estima e a admiração que devotava ao então presidente da ACL. Podendo-se dizer ainda que, após a morte do Dr. Godofredo, sem dúvida um dos mais famosos presidentes da Casa de Nelson Pereira Rebel (ACL), João Rodrigues voltou a elogiá-lo aplaudindo o livro de sua autoria denominado “A Casa Misteriosa”.
Não há quem não veja que João Rodrigues de Oliveira, autor do livro de crítica ferrenha aos insensíveis e de humor da expressão de “Farpas & Flores (Hoc Opus Hic, Labor Est)”, sempre nos faz, nas entrelinhas, pensar como verdade a humorística advertência de A. Cantoni nos alertando, que “o humorismo revela o lado sério das coisas tolas e o lado tolo das coisas sérias”. Por outro lado, João Grilo nos encanta também com a poesia que dele resplende, bem como pela relevância de obras do realce de “Vinho Velho”, “Chuviscos” e de tantos outros textos saídos de sua pena e de seus sonhos. Podendo-se dizer que ele jamais sentiu que os seus inimigos estavam empenhados em torná-lo esquecido em sua terra. Acredito que ele não percebeu tal fato, pois o poeta do bairro campista da Lapa não se limitava à poesia, embora a amasse perdidamente. É que ele ficava muito tempo em Niterói, pois era presidente da Assembleia Legislativa Fluminense. Sendo imperioso registrar ainda que o poeta da Lapa não só interessava em resolver os problemas fluminenses, pois a sua visão abarcava também o que ia mais longe, tal o seu amor pelo Brasil. Daí a sua flama, o empenho ardoroso em resolver os grandes problemas nacionais. E, com isso, o poeta, o advogado, o jornalista, o empresário chegava a esquecer dele mesmo. E tanto é verdade, que chegou a vender o seu jornal “Folha do Povo”, que ele tinha em Campos, por não ter tempo de dirigi-lo. E o fez a um dos seus antigos adversários políticos, que muitos anos antes tentou ser membro da Assembleia Legislativa Fluminense. Período em que o garoto magrinho e brigão da Lapa, ao criticá-lo com alguns coleguinhas do seu bairro, teve a ousadia de escrever algo impublicável contra ele. Mas, quando adulto, ao conviver muitos anos depois com o adversário, que se tornou o conceituado libanês-brasileiro Simão Mansur, que atuava na Assembleia Legislativa Fluminense, João Rodrigues não tergiversou em lhe pedir desculpas, forjando, construindo dessa forma uma grande amizade.
É bom lembrar que os membros da ACL que iam a Niterói, e não perdendo a oportunidade de festejá-lo, nunca levaram aos seus ouvidos que havia pessoas que não pertenciam à ACL o intrigando com Godofredo Tinoco. Tal empenho dos seus inimigos políticos nada rendeu. Em primeiro lugar, porque o presidente da ACL jamais aceitou o absurdo de tirá-lo da instituição. Em segundo lugar, porque os acadêmicos, que não cansavam de visitá-lo em Niterói, não tinham medo de que tal fato acontecesse. E isso ocorria em razão dos jornais cariocas e niteroienses jamais deixarem ao tratar das nossas academias de incluí-lo como um dos mais fulgurantes membros da Academia Fluminense de Letras (cadeira Silva Jardim), da Academia Niteroiense de Letras (cadeira Luís Leitão) e da nossa Academia Campista de Letras (cadeira José Carlos do Patrocínio). Em suma, o seu prestígio ia além de Campos. E muitas vezes além do Brasil, tal a admiração que, por exemplo, lhe devotava o poeta argentino Julio Cortázar, como nos informava o acadêmico campista Claudinier Martins, um dos grandes admiradores de João Rodrigues. Dizem que Claudinier Martins conhecia até de cor e salteado alguns dos seus poemas, dentre eles a “Canção do Homem”: “Homem, prossegue. Na vanguarda, Avante. / À frente. Sempre à frente. É tua lida. / Traça na História a História de uma vida, / atravessa o teu século triunfante. /// Não temas ou vaciles na subida. / Aponta ao mundo fibra de gigante. / Pensa na altura, nunca na descida; / jamais fraquejes, homem, um instante. /// Batalhar é do nobre e o nobre é o bravo. / O que não luta é fraco e o fraco é escravo. / As agruras aos fortes não consomem. /// A luta é vida. A vida uma disputa. / E aquele que não sofre e que não luta, / por certo será tudo, menos homem”.
Havia outras pessoas também, que chegavam a dizer, como o vereador Eudóxio da Silva Falcão, que o argentino Pablo Matias Agostino, em visita à nossa Campos dos Goytacazes, informou que Cortázar teria elogiado João Rodrigues, numa festa levada a efeito na terra do seu coração, bem antes de adquirir a nacionalidade francesa. Para melhor entendimento, é de bom alvitre explicar que o admirável poeta argentino, descontente com a ditadura peronista em seu país, fixou residência na capital francesa, onde morreu. Registre-se que Cortázar nasceu em Bruxelas, pois era filho de um funcionário da embaixada argentina na Bélgica. Sendo bom lembrarmos que, segundo o professor Álvaro Duarte Barcelos, sem dúvida um dos mais brilhantes membros da Academia Campista de Letras, era espantoso o fato de Cortázar ter elogiado numa festa o poeta brasileiro João Rodrigues de Oliveira. É que ele, às vezes, fazia ligeiras restrições ao realismo mágico a que se entregara o autor argentino em sua obra emblemática intitulada “Conto Fantástico”, cuja narrativa extrapolava o limite de se buscar a fantasia na realidade. Para não se falar no “Jogo da Amarelinha”, que também saiu da pena do grande poeta argentino. Sem dúvida, o realismo de João Rodrigues tinha os pés bem no chão, e o de Cortázar, os olhos voltados para o sonho. Indubitavelmente, o poeta brasileiro buscando a realidade, e o esteta argentino, procurando com todo fervor o universo mágico. Na opinião do acadêmico campista Izimbardo Peixoto, o que teria levado Cortázar a elogiar João Rodrigues de Oliveira foi a sua intransigente defesa dos governos democráticos. Algo que em Dr. Izimbardo Peixoto, então curador-geral da Comarca de Campos, também nunca arrefeceu, em face do seu espírito libertário. Sendo bom não esquecer que o jornalista Latour Arueira, numa reunião na Associação de Imprensa Campista (AIC), repleta de membros da ACL que eram também jornalistas, não tergiversou em dizer que o Dr. Izimbardo Peixoto, ao divisar o fervor democrático do grande brasileiro João Rodrigues de Oliveira, certamente tinha no coração a alma do seu próprio pai. Sim, o Dr. Izimbardo Peixoto guardava no coração o esplendor espiritual do inesquecível, do notável Manoel Rodrigues Peixoto, o primeiro prefeito da Cidade dos Campos dos Goytacazes, ardoroso defensor da liberdade.

*Fernando da Silveira é jornalista, professor e membro da Academia Campista de Letras.

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