Arthur Soffiati - Primórdios da humanidade
Matheus Berriel - Atualizado em 08/06/2022 17:21
Ainda penso no ensino de história como essencial para todas as pessoas nos ensinos fundamental e médio. Insisto em afirmar que o ensino preconizado pelos livros didáticos e seguidos pelos professores por conta própria ou por imposição da escola não se concentra no fundamental para estudantes que, futuramente, não serão professores de história nem historiadores, mas advogados, médicos, dentistas, engenheiros etc. Certa vez, uma ex-aluna de história me encontrou e me agradeceu por tudo o que lhe ensinei, pois, graças a meus ensinamentos no curso de história, ela conseguiu um ótimo emprego numa multinacional no Rio Grande do Sul. Pedi-lhe então que me ensinasse o que lhe ensinei para conseguir um emprego que remunerava tão bem. Certamente, ela queria me agradar, pois ninguém lhe pedia, na multinacional, qualquer conhecimento de história.
Vejamos, hoje, o caso daquele período da história humana, o mais longo de todos, em que não havia a produção de alimentos com o cultivo de plantas e a criação de animais. Ele é denominado de paleolítico ou de pré-história pelos livros, professores e historiadores de forma equivocada. Não é pré-história, pois se pressupõe que a história começa com as civilizações e os sistemas de escrita. O historiador Samuel Noah Kramer escreveu um livro intitulado “A história começa na Suméria” porque, naquela cultura, foi inventado o primeiro sistema de escrita, há 5 mil anos antes do presente.
Ao terminar o livro, tive a impressão de que algum deus sumeriano presenteou o povo com um sistema de escrita. Não é raro tradições culturais atribuírem a deuses a criação da escrita. Contudo, os historiadores sabem que os sistemas de escrita foram produzidos socialmente, dentro de um contexto complexo acentuado pela chamada revolução do neolítico, nos primórdios do Holoceno, há cerca de 10.000 anos passados. Os sistemas de escrita são fruto do aumento da complexidade social. Este ensinamento é fundamental na formação geral das pessoas.
Paleolítico é também uma denominação inadequada. A humanidade ampliada constituiu-se há cerca de 7 milhões anos atrás, com espécies que não eram a nossa. As pesquisas contínuas vêm descobrindo novas espécies ligadas aos humanos. Até de forma indireta. Recentemente, identificaram uma nova só pela pegada. Notaram que os ossos dos dedos dos pés eram diferentes de outras espécies. Não sou especialista no assunto, mas confesso que considerei insuficiente uma pegada para caracterizar uma nova espécie. Não é necessário exigir de um estudante que “decore” os nomes de todas essas espécies. Creio que seria bastante mostrar que a evidência indireta de cultura data de, mais ou menos, um milhão e trezentos mil anos, quando um ancestral nosso usou pedras brutas como ferramentas para quebrar paus e ossos de animais caçados.
Até 10 mil anos antes do presente, os grupos humanos usavam folhas, galhos, ossos e pedras quebrados e lascados como ferramentas. Sendo mais resistentes, restaram as ferramentas de osso e de pedra. Daí a denominação de paleolítico, ou seja, pedra antiga, como se todos os instrumentos usados por esses coletores, pescadores e caçadores só usassem a pedra para fabricar seus instrumentos. Mas a denominação “paleolítico” foi consagrada. Ela é bem melhor que pré-história.
Alguns ensinamentos desse longo período, o maior da história humana, devem ser ministrados. Cultura é um deles. Convém mostrar o que se entende por cultura. Trata-se do conjunto de bens materiais produzidos recorrendo-se a materiais naturais. Claro que, por trás desses instrumentos, existe a cultura imaterial, aquela que é pensada. As pesquisas estão demonstrando que as primeiras ferramentas dos ancestrais humanos são usadas hoje por certas espécies de macacos, o que nos aproxima deles geneticamente. Esse ensinamento é ótimo para mostrar que o ser humano não é tão especial como se costuma acreditar.
A invenção do fogo foi uma inovação revolucionária. Ele já existia na natureza. O que um ancestral nosso fez foi inventar técnicas de produzir o fogo. Com ele, foi possível endurecer pontas de lança para aprimorar a pesca e a caça. Em torno de 200 mil anos antes do presente, um ancestral imediato nosso construiu sepulturas, indicando a crença no sobrenatural. Nos últimos trinta mil anos do paleolítico, os representantes da humanidade, já com nossa constituição física e mental, criaram a arte. Não quadros, esculturas e arquitetura com fins puramente estéticos, mas desenhos, pinturas e estatuetas naturalistas e propiciatórias. As imagens são a melhor forma de ensinar a arte do paleolítico aos estudantes. Lembrar sempre que, ao longo do extenso paleolítico, as sociedades eram pequenas e nômades porque necessitavam se deslocar permanentemente em busca de alimentos. Para que ensinar mais que isso?

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