Filha caçula e genro de Didi recordam histórias do craque e do futebol de outrora
Matheus Berriel 06/12/2023 11:20 - Atualizado em 06/12/2023 11:43
Lia Hebe e Luigi, filha gaçula e genro de Didi
Lia Hebe e Luigi, filha gaçula e genro de Didi / Foto: Matheus Berriel
Bicampeão mundial de futebol pela Seleção Brasileira, em 1958 e 1962, e eleito o melhor jogador da Copa do Mundo na Suécia, o célebre meio-campista Waldir Pereira (Didi) nunca encerrou o vínculo com Campos. Tanto é que, 22 anos após a sua morte, a sua filha mais nova, Lia Hebe Pereira, ainda tem amigos na cidade natal do pai, com os quais revisita a sua história a cada encontro. Foi assim no último fim de semana, quando Lia e o marido, o italiano Luigi Pasquale Mita, estiveram na planície goitacá justamente para matar a saudade desses bate-papos.
— Sempre gostei de Campos. Lembro de que, quando eu tinha uns 12 anos, gostava muito de vir aqui. Claro que a gente não saía daquele núcleo familiar, mas eu gostava muito. E hoje também gosto, porque a cidade cresceu, está diferente. Também tenho amigos aqui, como o (jornalista) Péris Ribeiro (biógrafo de Didi) e a esposa, Graça; (o também jornalista) Chico de Aguiar, (o arquiteto) Mário Sérgio Cardoso... São pessoas que fazem com que a gente venha mais. Meu marido também gosta de Campos — diz Lia, hoje com 62 anos e moradora da Ilha do Governador, no Rio de Janeiro.
Criada na Suíça a partir do início da adolescência, a caçula de Didi conheceu Luigi por lá, onde ele também viveu. E Luigi se provou não apenas como um bom marido, mas também como um bom genro para Didi.
— O Didi me criou, para dizer a verdade — comenta o marido de Lia. — Comecei a namorar a minha esposa com 16 anos. Então, tive a sorte de ter dois pais e duas mães na vida. Eu era a sombra do Didi: onde ele ia, me perguntava se eu queria ir junto. Fiz algumas viagens com ele: fui à Bélgica quando ele entrou para o Hall da Fama da Fifa; fui a Porto Alegre, Fortaleza e outros lugares onde ele esteve. Eu o seguia muito — recorda o genro do ex-jogador de Fluminense, Botafogo e Real Madrid (ESP).
O Botafogo, inclusive, é o clube do coração de Lia. Luigi, por sua vez, se apaixonou pelo Fluminense desde a primeira vez que foi levado por Didi à sede das Laranjeiras. Embora os clubes vivam momentos diferentes (o Flu foi campeão da Copa Libertadores da América, enquanto o Fogo decepcionou no Campeonato Brasileiro, deixando o título escapar após ter aberto 13 pontos de vantagem na liderança), a filha e o genro de Didi apontam um mesmo problema no cenário atual do futebol. Na opinião de ambos, a falta de comprometimento reflete no desempenho da Seleção Brasileira.
— A gente tem muitos bons jogadores, mas eu acho que algumas coisas sobem à cabeça deles muito rápido. São estrelas. Quando você é um esportista, sobretudo um esportista com o peso de defender a Seleção Brasileira de Futebol, é preciso focar com o coração e realmente brincar, porque o nosso futebol é isso: aquela coisa do brincar, ter alegria. O último que eu vi brincar e ter esse amor pela bola foi Ronaldinho Gaúcho. Como dizia papai, a bola tem que ser protagonista. Ela é a principal — aponta Lia.
— Na Seleção Brasileira, assim como na da Itália, vejo o que acabo chamando de mercenários. Hoje, eles não têm aquele amor pela camisa. São contratos milionários, muita coisa envolvida, e muitos jogadores acabam se preocupando com isso. O Neymar sabe jogar bola? Sabe, mas ele se preocupa mais com o cabelo, com o dinheiro, com o que vai ganhar... Acho isso uma pena, porque o futebol brasileiro não era para ser assim. O futebol-arte se perdeu. Mas, não é só no Brasil. No futebol mundial, não há mais aquele charme. O futebol mudou muito — sentencia Luigi.
Recordações
Nas lembranças de Lia, aspectos da personalidade do Pai são inesquecíveis:
— É difícil ser a Lia filha do Didi, porque papai foi um grande jogador, mas também uma pessoa muito bacana. Ele era uma pessoa simples, de grande educação e que tinha, realmente, um contato com as pessoas. Então, é difícil representá-lo. Fico até um pouco sem jeito, porque é difícil. Você não pode representar alguém tão maravilhoso, tão bacana. Nós, filhos, ficamos mais acanhados. Por ser a menor, até em fotos eu me escondia, pequenininha. Hoje, quando me chamam para entrevistas, eu faço, mas muitas vezes peço ajuda ao Péris(risos).
Luigi também fala com carinho do sogro, que morreu em 2001, aos 72 anos. Sua memória, porém, remete ao passado de um esporte que apaixona pelos detalhes. São muitas as diferenças, ficando a impressão de que o que vemos hoje é apenas o que restou do futebol.
— Meu sogro tinha um pé de tamanho 41 e o outro, 40. Um dia, em Porto Alegre, ele falou com Zagallo: “Você lembra de que a cada três meses você trocava de chuteira?”. E o Zagallo: “Sim, era muito bom”. E o meu sogro: “É, porque você amaciava chuteira para mim” (risos). Era uma coisa muito legal. No início, o Zagallo não gostou muito, mas depois ficou essa brincadeira. Outra história interessante é a de um jogador recém-chegado ao Botafogo, ainda menino, que se encontrou no meio de craques como Didi, Garrincha, Nilton Santos... No vestiário, ele viu um preguinho na parede e, por ter sido o último a chegar, como tinha um preguinho livre, imaginou que era para ele colocar suas roupas lá. Pouco depois, Didi chegou e perguntou de quem eram aquelas roupas. O rapaz respondeu que eram dele, e o Didi emendou: “Então, tira, porque esse preguinho é meu” (risos). Foram muitas histórias interessantes...
Em Campos, Didi foi o primeiro homenageado pela Folha da Manhã com o Troféu Folha Seca, entregue desde 2000 a campistas que se destacam em suas áreas de atuação. O nome do prêmio faz referência à "Folha-Seca", estilo de chute criado pelo meio-campista, possibilitando que a bola descaia fazendo curvas.

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