Ethmar Filho: Acorda pra sambar
Ethmar Filho 26/06/2020 18:16 - Atualizado em 24/07/2020 18:30
Quando George Gershwin foi à França estudar “música clássica” com Ravel e levou sua suíte rapsódica “Um Americano em Paris”, como cartão de visitas, o autor do mais famoso “bolero” de todos os tempos, depois de levá-la ao piano, aconselhou Gershwin a voltar para os Estados Unidos porque não tinha nada para ensinar a ele. O músico brasileiro, quando quer ouvir ou estudar a clássica música, hoje recorre ao jazz, ao samba, à bossa nova, à salsa e à imortalidade do choro, tentando a vacina da segunda onda viral que nos atingiu, depois da “jovem guarda”, transformando o nosso povo em verdadeiros jecas, quase zumbis, de codinome “sertanejo universitário”. Agora, por que sertanejo e por que universitário? Vai entender!
O sistema que mudou toda a estrutura da música popular brasileira no atacado, deixou o varejo para a geração que o compra, isentando-se de mudar os hábitos. A bossa nova, que não é um samba com notas demais e que bebeu daquilo que o jazz tinha de melhor, serviu-se do tamborim, e não da escola de samba inteira, para sintetizar a batida do violão; isso é, modificar o hábito no varejo, sem mexer na estrutura do samba no atacado. A música é a única linguagem verdadeiramente universal que exprime o inexprimível, sendo complemento das palavras e, ao mesmo tempo, dizendo aquilo que não pode deixar de ser dito. O que será que a música dita sertaneja tem pra dizer que não poderia deixar de ser dito?
Como músico e “Devido ao adiantado da hora eu (também) me sinto anterior às fronteiras” (Drummond). Tom Jobim dizia que “... os homens estabelecem os limites territoriais e o urubu passa por cima...”. A universalidade da música, conforme o urubu, não ultrapassa fronteiras para colonizar ou escravizar; o faz para unir, em nome da estética. Deus nos acuda! É esse tipo de estética que ultrapassa nossas fronteiras, representando a música popular brasileira? Cada país tem a sua própria simplicidade universal; bebemos scotch whisky aqui com os amigos só porque estamos no Brasil. Se estivéssemos na Escócia, beberíamos somente whisky. A música, assim como o scotch, nos aproxima, dizendo coisas que não diríamos normalmente. Palavras molhadas e sonoras são ditas nas mesas de bar com os olhos, enquanto as bocas estão ocupadas na canção.
O burro dos “Saltimbancos”, nos primeiros cinco minutos do musical, diz a frase que melhor expressa a catarse insana das multidões sertanejas, em contraponto a essas mesas: “Hoje em dia todo mundo canta, conforme gostam de dizer as pessoas que não sabem cantar”. E olha que é um burro que fala isso! O povo brasileiro não é burro, só está adormecido. E, para os que sofrem de insônia e não gostam do sertanejo — agora já na pós-graduação —, não adianta tentar dormir na frente da televisão ou com o ouvido no rádio; não vai ouvir a música que ama: “Quem eu quero não me quer, quem me quer não vou querer. Ninguém vai sofrer sozinho, todo mundo vai sofrer”. E, se você vai pro YouTube ouvir o melhor do jazz, não se esqueça de antes ouvir o filósofo professor doutor Luan Santana: “Mas quem é que eu tô tentando enganar? É só você fazer assim... Que eu volto”. Acorda, meu povo! Tá rolando um verdadeiro pagode nos gabinetes por videoconferência. Acorda pra sambar!

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