Na guerra ideológica entre a esquerda identitária e a direita obscurantista muitas vezes o vermelho é de sangue, não da ideologia
15/03/2020 09:37 - Atualizado em 15/03/2020 16:52
Marielle Franco e José Padilha (Montagem: Eliabe de Souza, o Cássio Jr.)
Marielle Franco e José Padilha (Montagem: Eliabe de Souza, o Cássio Jr.) / Montagem: Eliabe de Souza, o Cássio Jr.
O assassinato da então vereadora do Rio, Marielle Franco, pela milícia carioca, fato ainda não esclarecido com as reais as motivações do crime ou mesmo se os milicianos envolvidos seriam meros mandatários, foi a motivação de comentários em rede social – de vários espectros ideológicos – com a agressividade características de usuários que, ora se escondem no anonimato, ora se expõe diretamente, mas revelam sua face mais perversa. Apesar da garantia fundamental que permite a todos a livre manifestação, não é afastado a responsabilização pelo conteúdo, seja opinativo ou informativo, quando este é criminoso. 
As ideologias comunistas e de esquerda (falando em teoria, pois foram visivelmente mal aplicadas em praticamente todas as tentativas históricas) defendem acima de tudo a igualdade. Por isso a retórica utilizada por diversos grupos, acusando a esquerda de "defender bandido". Em verdade, essas ideologias, em teoria, defendem que somos todos iguais, mesmo que por vezes esqueçam de tratar desigualmente os desiguais, na exata medida de suas desigualdades. Mas fala-se majoritariamente em igualdade de oportunidades.
Atacada pelo contrassenso das pautas identitárias de uma esquerda anacrônica e cada vez mais raivosa, a série de José Padilha sobre Marielle teve início na Rede Globo (leia mais sobre isso aqui). Segundo essas pautas, Padilha não poderia ter feito a série por ser "branco" e fascista". É o tal "lugar de fala". Pauta identitária parece ser mesmo a bola de ferro amarrada na perna do campo progressista. Esse que de fato se pretende a ser, deixando o fracassado modo panfletário e festivo, cirandeiro, de lado. Uma esquerda que não pretenda se afastar das pautas classistas, ligadas ao marxismo clássico e alinhadas com modelos econômicos que buscam equilibrar desigualdades.
Mas, do outro lado, revoltados de Facebook, obscurantistas e que acreditam que a terra é plana, dizem: “ela mereceu”. Não, ela não mereceu, tampouco a família dela que chora em seu túmulo. Os policiais que ainda morrem nessa guerra estúpida do Rio, também não. A questão não é ideológica, senhores obscurantistas. A questão é que humanitariamente não podemos aceitar esse tipo de acontecimento.
Quando não se entende que ideologias são mal aplicadas, que as lutas de pensamento devem sim ser travadas, que diferenças são em verdade o combustível para se chegar a algo melhor, é preciso, pelo menos, a integridade moral de se consternar com um ser humano que morre. Vermelho aqui é do sangue que escorreu do carro de Marielle, dela e do motorista Anderson; e de tantos outros. Não da ideologia.

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    Edmundo Siqueira

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