Brasil mantém mentalidade atrasada e, por isso, número de presidiárias aumentou 698% em 16 anos
09/03/2018 11:48 - Atualizado em 09/03/2018 12:29
Entre 2000 e 2016, a população de detentas aumentou 698%, chegando a 44.721 presas, de acordo com o Departamento de Justiça. O aumento é muito superior à taxa média nas Américas – de 51,6% no mesmo período, de acordo com dados recentes do Instituto para Pesquisa de Políticas Criminais.
O aumento dramático tem sido atribuído à Lei das Drogas aprovada em 2006, que deu aos juízes mais liberdade para determinar quem é traficante e quem é usuário de drogas. Os juízes se mostraram em geral conservadores, especialmente no que diz respeito à posse de maconha, e as populações carcerárias incharam com mulheres pobres e negras, muitas presas por causa das atividades ilegais dos seus maridos e namorados.
Segundo dados do governo, cerca de 68% dessas mulheres têm uma vinculação penal por envolvimento com o “tráfico de drogas não relacionado às maiores redes de organizações criminosas”. A maioria, portanto, ocupa uma posição coadjuvante no crime, realizando serviços de transporte de drogas, armazenamento ou pequeno comércio.
Foto: Mario Tama/Getty Images
Foto: Mario Tama/Getty Images
Pais ausentes
Não existem dados oficiais sobre o número de mulheres presas que são mães no Brasil, mas o levantamento Tecer Justiça, realizado em 2012 pela ONG Pastoral Carcerária com presas provisórias na cidade de São Paulo dá uma ideia da dimensão do problema. Entre as presas entrevistadas para a pesquisa, 81,2% eram mães e 56,2% moravam com seus filhos no momento do encarceramento. Quando essas mulheres são enviadas para o presídio, a responsabilidade de cuidar dessas crianças recai inesperadamente sobre outras mulheres – principalmente familiares, vizinhas e amigas.
“É uma situação muito comum. Os pais dessas crianças muitas vezes estão ausentes, presos ou simplesmente não estão dispostos a assumir o cuidado dos filhos”, disse Surrailly Youssef, pesquisadora do Instituto da Terra, Trabalho e Cidadania (ITTC). As presas procuram cuidadores na família para evitar o envio de seus filhos aos abrigos porque temem perder a guarda das crianças até ganharem liberdade.
O costume de transmitir o cuidado dos filhos para outras mulheres – e não aos homens – reflete a enorme disparidade de gênero no Brasil. As mulheres representam 60% da força de trabalho remunerada, mas dedicam 24,4 horas por semana às tarefas domésticas, mais do que o dobro do que os homens, de acordo com um uma pesquisa do IBGE divulgada no ano passado. “Se trabalho doméstico fosse considerado parte da economia nacional, elevaria o PIB brasileiro em 12%”, diz a economista de gênero Hildete Pereira de Melo, professora da Universidade Federal Fluminense. Seu método para calcular esse trabalho invisível, conhecido como o “PIB da vassoura”, elevaria o PIB brasileiro em R$ 766 bilhões.
A situação é ainda mais dramática entre as mulheres que são encarceradas grávidas – atualmente, as prisões brasileiras têm 622 gestantes ou lactantes segundo relatório do Conselho Nacional de Justiça. Elas podem ficar com as crianças só até um ano – se o juiz não conceder a prisão domiciliar, uma raridade entre presas de baixa renda. Em muitos casos, porém, elas são afastadas dos filhos recém-nascidos pela falta de penitenciárias com instalações adequadas para acolher as crianças. Dados do Ministério da Justiça de 2014 dão conta que apenas 34% dos estabelecimentos femininos tinham cela ou dormitório adequado para gestantes.
Foto: Correio 24 Horas
Direitos e benefícios desiguais
Embora o Brasil tenha um histórico de aprovar legislações que permitam que detentas permaneçam com seus filhos, o benefício raramente é concedido.
O país é signatário das Regras de Bangkok das Nações Unidas, um conjunto de diretrizes que impulsiona sentenças penais alternativas para mulheres em todo o mundo com o objetivo de minimizar o impacto dessas prisões na sociedade. A nível nacional, entre outras legislações, uma lei de 1941 permite prisão domiciliar para mulheres encarceradas que aguardam julgamento e que são mães de crianças menores de 12 anos de idade. Mas as iniciativas dão espaço para a interpretação, e os direitos das mães são concedidos a critério dos juízes. Advogados e defensores públicos precisam provar que as mães são “imprescindíveis” às crianças, uma questão nebulosa e sujeita a julgamentos morais por parte dos magistrados.
O caso da ex-primeira-dama do estado do Rio de Janeiro Adriana Ancelmo ilustrou essa desigualdade. No total, Adriana foi condenada a 25 anos em duas ações penais por lavagem de dinheiro e organização criminosa e, em dezembro de 2016, enviada à prisão de segurança máxima Bangu para aguardar julgamento. Em março de 2017, ganhou o direito de cumprir a sentença em casa porque tem dois filhos, de 11 e 14 anos, e o pai das crianças, o ex-governador Sérgio Cabral, também estava preso. Uma decisão do ministro do STF Gilmar Mendes em dezembro passado alega que “a condição financeira privilegiada da paciente não pode ser usada em seu desfavor”.
Na época, a ministra dos Direitos Humanos, Luislinda Valois, pediu ao STF para estender o benefício a todas as mães na cadeia na mesma condição de Adriana, mas não foi atendida. O Ministério da Justiça sequer sabe quantas presas são mães no país porque não consta esse tipo de informação em seus cadastros. Em 20 de fevereiro deste ano, porém, a Segunda Turma do STF concedeu um habeas corpus coletivo autorizando a substituição da prisão preventiva por domiciliar de presas gestantes ou mães de crianças de até 12 anos. A decisão deve ser implementada em até 60 dias pelos tribunais federais e estaduais. O pedido foi feito por um Coletivo de Advogados em Direitos Humanos.
Texto por: The Intercept Brasil
Leia também sobre a decisão do STF que concedeu liberdade domiciliar a presidiárias que, ainda sem julgamento, estão grávidas ou possuem filhos de até 12 anos de idade. Clicando aqui, no site do Brasil de Fato

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    Thaís Tostes

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